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"Deixo um país unido", diz Joseph Kabila em entrevista à DW

Saleh Mwanamilongo
28 de dezembro de 2018

Em vésperas de eleições na RDC, a DW falou com o Presidente cessante que faz um balanço positivo da sua presidência.

Foto: Reuters/K.Katombe

Depois de um sem-número de adiamentos, as eleições gerais congolesas vão finalmente acontecer no dia 30 de dezembro. Pelo menos, o Presidente Joseph Kabila promete que sim, numa entrevista com a DW.

Kabila defende a decisão da Comissão Nacional Eleitoral Independente (CENI) de adiar o pleito em três regiões do país, critica as tentativas de interferência por parte da comunidade internacional e garante que a votação irá realizar-se no próximo domingo. O Presidente cessante da RDC fala ainda sobre os problemas enfrentados nas províncias de Kivu e lista o legado que deixa para o país.

DW: As eleições foram adiadas em Beni, Butembo e Yumbi, o que resultou em caos nessas cidades. A oposição e muitos residentes afirmam que o motivo do adiamento é político e não tem nada a ver com o surto de ébola na região. Deseja comentar?  

Joseph Kabila (JK): A resposta a essa pergunta foi claramente dada pela comissão eleitoral. Segundo a CENI, as eleições foram adiadas até ao momento em que o surto de ébola esteja controlado. E a comissão anunciou a realização das eleições em março do próximo ano, na esperança que até lá o surto esteja sob controlo.  

Um outro aspeto é a segurança das pessoas. É de conhecimento geral que pessoas têm vindo a ser mortas, especialmente em Beni, onde se perderam tantas vidas. E não se trata apenas de residentes. Também perdemos soldados na luta contra os rebeldes das [Forças Democráticas Aliadas] ADF. E morreram ainda soldados das tropas de paz das Nações Unidas. São estas as duas grandes razões invocadas pela CENI.

Segundo a CENI, surto de ébola levou ao adiamento para março das eleições em certas regiõesFoto: picture-alliance/dpa/A.-H.K. Maliro

Outra área em questão é Yumbi. Aqui, disputas violentas entre duas etnias forçaram muita gente a fugir. Não se pode organizar eleições numa região com populações dispersas ou deslocadas. Segundo a CENI, as eleições nessas áreas terão lugar em março. As eleições foram adiadas, não canceladas.

DW: Mas trata-se de regiões onde houve campanhas eleitorais, onde as pessoas frequentam a igreja e vão ao mercado, sem problema nenhum. Porquê uma decisão destas justamente no dia das eleições?

JK: Como se sabe, nas eleições deste ano vamos usar máquinas. Ou seja, todas as pessoas que vão votar no seu candidato presidencial ou membro do parlamento vão usar a mesma máquina. O problema é que basta uma ou duas pessoas infetadas com ébola para contagiar outras 500 ou 600. Não há máquinas destas na igreja ou no mercado. Eis a diferença. O Governo, a começar pela CENI, não quer ser apanhado de surpresa por mais pessoas infetadas.

DW: Senhor Presidente, o que achou do anúncio do adiamento das eleições previstas para o dia 23 de dezembro para o dia 30 deste mês?

JK: Penso que as razões apresentadas são compreensíveis A CENI não podia organizar eleições em todo o lado fora de Kinshasa, porque muitas máquinas foram destruídas num incêndio. A CENI precisou dessa semana para trazer e reprogramar novas máquinas para que as eleições possam acontecer. Recebi a informação e aceitei as explicações. 

DW: Acredita que as eleições se vão realizar no dia 30?

JK: Claro ...

DW: Tem a certeza?

JK: Claro... Não existe nenhuma razão no mundo que nos impeça de ir a voto no dia 30.

DW: Houve ofertas de apoio técnico para as eleições. Por exemplo, as Nações Unidas, e países como a África do Sul e alguns Estados-membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Mas a ajuda não foi aceite e agora temos esta situação. Acha que foi um erro não aceitar o apoio externo?

JK: Não foi um erro. Nós próprios organizámos as eleições de 2011. Fomos nós que financiamos o escrutínio. A assistência, creio que das Nações Unidas e da União Europeia, cobriu apenas cerca de 10% das despesas. Quisemos organizar as eleições, porque temos essa capacidade. Não há nenhum outro país que esteja a pedir assistência para organizar eleições, porque havia o Congo de fazê-lo? Já disse no passado que o Congo não é uma nação de pedintes. Não vamos mendigar ajuda de ninguém para organizar eleições que nos pertencem. Nós próprios vamos levar a cabo as eleições que vão determinar o futuro do Congo.

DW: Num encontro em Brazzaville ao qual a RDC não compareceu, vários presidentes dos países-membros da SADC disseram que o Congo tem a responsabilidade de assegurar a paz em toda a região. Qual é a sua avaliação desta mensagem?

Uma parte importante da população está descontente com o Governo de KabilaFoto: Reuters/T. Mukoya

JK: É a mesma mensagem do comunicado final conjunto. Não há diferença. Nós dizemos que esta eleição é nossa e que não vamos falar com quem queira interferir na nossa eleição. É também o que dissemos a todos os países vizinhos. Esta eleição é para os congoleses. Deixem os congoleses dar o seu voto. Já disse que a eleição vai acontecer e de maneira ordenada. Ninguém tem motivos para preocupação.

DW: Há muitos anos que a situação no Kivu é caótica e problemática. Porque persiste aqui a violência?

JK: Penso que as coisas têm que ser feitas de maneira diferente no Kivu. O Congo é um país muito grande com muitos problemas, não só no Kivu. Tivemos problemas em Equator, no Kasai, em Ituri. E em todas estas regiões tomámos providências para resolver os problemas. Neste momento, já não há problemas em algumas destas áreas. Quando se fala do Kivu, há que diferenciar entre o Kivu do Norte e o Kivu do Sul. Temos 26 províncias neste país. E temos problemas em duas províncias. Já falámos dos problemas.

"Deixo um país unido", diz Joseph Kabila em entrevista à DW

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Incluem o terrorismo dos rebeldes das ADF, especialmente no Kivu do Norte onde estamos a combatê-los há anos, e continuaremos a combater. Qual é a dificuldade? É o facto das ADF recrutarem em muitos países. Já prendemos e estão nas nossas prisões rebeldes do Uganda, Sudão, Tanzânia, Moçambique, Quénia e África do Sul. Dissemos a todos estes países que temos que juntar forças para pôr cobro a esta guerra. Se prestar atenção, verá que o que está a acontecer em Beni neste momento é o mesmo que está a começar a acontecer em Moçambique, em Rufiji na Tanzânia e até na África do Sul. Por isso, temos que continuar a combater o grupo até ganharmos.

DW: Há uma questão de segurança no Leste do Congo. O Uganda sempre disse estar disposto a ajudar caso a sua assistência seja requerida para combater as ADF. Tomou essa oferta em consideração? Poderá haver uma operação conjunta entre os exércitos do Congo e do Uganda?

JK: Há essa possibilidade. Já estamos a colaborar estreitamente com o Uganda, especialmente no que toca a troca de informação sobre o inimigo. Temos estado a falar sobre operações militares dentro do Congo, mas dissemos aos nossos parceiros no Uganda que queremos sobretudo que impeçam os nossos inimigos de vir do Uganda e de recrutar no Uganda. Mas não é só o Uganda. Temos uma cooperação não apenas com o Uganda, mas também com os outros países.

DW: Muitos congoleses estão preocupados com a possibilidade de violência resultante das eleições do próximo dia 30 por causa da forma como o escrutínio foi organizado. Que medidas tomou para assegurar a paz após as eleições?

JK: Vai haver paz. Sabe, até uma partida de futebol pode causar o caos. Nós asseguramos que a polícia esteja preparada. Também dissemos à nossa gente que as eleições não são o fim, mas um novo passo para a nossa nação. Tenho a certeza que as eleições vão ser pacíficas. Haverá atos violentos em duas ou três regiões, mas o que que importa é que no país em geral vai haver paz.

O Presidente cessante apoia o candidato Ramazani ShadaryFoto: DW/S. Schlindwein

DW: O candidato apoiado por si, Ramazani Shadary, tem feito campanha noutras províncias. Mas candidatos da oposição queixam-se que foram impedidos de conduzir campanhas nessas províncias. Dizem que o Presidente está ciente do facto. Pensa que essa situação pode colocar em risco a paz depois das eleições? 

JK: Não tenho conhecimento de candidatos que foram impedidos de fazer campanha. O problema é que o país é muito grande e a campanha só dura um mês e não dois ou três. No início oficial da campanha, o candidato que mencionou, Shadary, começou logo a sua. A oposição só começou dez dias mais tarde. De modo que tiveram grandes dificuldades em chegar às 26 províncias. 

DW: Qual é o legado que vai deixar ao povo congolês, após 17 anos na presidência?

JK: Em 2001, o Congo era apenas um nome. Era um país colapsado. O Congo de 2001 era cinco ou seis países. O nosso maior legado é que conseguimos unir o Congo a partir de 2003 até hoje e que vamos continuar a ser um país unido. Asseguramos a estabilização da economia nesse período de tempo. E criamos condições para que o desenvolvimento do país, iniciado há doze anos, vá em frente. 

DW: Qual é o conselho mais importante que daria ao próximo presidente?

JK: O conselho mais importante é que siga apenas a voz dos congoleses. Não deve seguir as vozes da Europa, dos Estados Unidos da América ou de qualquer outro lado.

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