Petrolíferas pouco empenhadas em controlar derramamentos
Muhammad Bello | ni
16 de março de 2018
No seu último relatório, a Amnistia Internacional revela evidências de negligência da Shell e da ENI no Delta do Niger. As petrolíferas estariam a pautar por uma postura irresponsável no derramamento de petróleo.
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Uma rede de decoders, uma plataforma inovativa desenvolvida pela Amnistia Internacional (AI), indica que a Shell e a ENI estão a levar semanas a responder os relatórios sobre derramamento de petróleo e que foram publicadas informações enganosas sobre o caso e a severidade dos derramamentos. E isso pode resultar no não pagamento de compensações às comunidades.
Para Mark Dummett da Amnistia Internacional "os resultados das análises são mais uma evidência de que essas multinacionais extremamente ricas que operam no Delta do Niger continuam a não fazer o suficiente para prevenir os derramamentos e a reagirem a isso".
Reações tardias das petrolíferas
E o colaborador da ONG conta ainda que "a Shell, por exemplo, leva em média cerca de sete dias a responder, e numa ocasião rara levou 252 dias. E francamente, isso não é suficiente, porque significa que o petróleo continuará a contaminar o meio ambiente e a piorar a vida das comunidades locais", destacou.
Ankio Briggs é ativista ambiental na região do Delta do Niger e comenta a última revelação a Amnistia Internacional: "Bem, isso não é estranho, eu e a minha organização recolhemos dados, vamos às áreas de derramamento e temos documentação com o historial de há 20 anos que reporta diferentes casos de derramamento ao longo dos estados do Delta Rivers, Bayelsa e do Delta."
"E podemos mostrar claramente que esse é um caso antigo. Agora, se olharmos para o facto dos pipelines subterrâneos terem sido instalados há muito tempo, entre os anos 50 e 60, podemos verificar muito facilmente derramamentos", lembra Briggs.
Petrolíferas fornecem dados pouco claros
Pesquisas anteriores da Amnistia Internacional revelaram que a informação dos relatórios sobre derramamentos disponibilizados pela Shell e pela ENI eram bastante imprecisos. Um exemplo dado pela Amnistia é o facto da Shell ter subestimado a quantidade de petróleo derramado na região piscatória de Bodo entre 2008 e 2009.
Petrolíferas pouco empenhadas em controlar derramamentos
Contudo, com a ajuda da comunidade de Bodo eventualmente terá entrado com uma ação legal forçando a Shell a admitir a verdade e a pagar mais de 55 milhões de euros de compensação.
James Awani é de Ogoni, da região petrolífera onde a Shell terá sido acusada de causar um derramamento massivo de petróleo:"O petróleo destruiu muitas coisas na nossa propriedade e agora não podemos mais produzir. Estamos muito zangados e queremos que o Governo federal venha ver isso e que faça algo por nós."
Tammy Willaims também é de Ogoni e considera que "as petrolíferas no Delta do Niger foram muito injustas com a região, no que diz respeito ao derramamento de petróleo e ao não cumprirem com as suas obrigações para com as comunidades, isso é terrível".
AI vai apelar para reforço da regulamentação
A Amnistia Internacional diz que irá apresentar os resultados da pesquisa sobre o derramamento de petróleo ao Governo nigeriano. E vai apelar às autoridades para que reforcem os seus regulamentos na indústria petrolífera.
E isso inclui assegurar que a Agência de Derramamento de Petróleo do Governo possua ferramentas adequadas para garantir que as companhias tomem medidas concretas para prevenir e limpar os derramamentos.
A DW África contactou a Shell para falar sobre as denúncias da Amnistia Internacional, mas a companhia disse que é muito cedo para responder e que necessita de mais tempo para avaliar o relatório.
Ogoniland – O dia a dia após o derrame de petróleo
Apesar de gerar receitas, o petróleo também causa desilusão na região de Ogoniland, no Delta do Níger. A pesca tornou-se quase impossível nas águas contaminadas e o ar está poluído pelos gases tóxicos da queima de gás.
Foto: Katrin Gänsler
Pesca ineficaz
A aldeia de Bodo, na Nigéria, sempre viveu da pesca. Mas desde os derrames de petróleo no Delta do Níger, em 2008 e 2009, as redes dos pescadores estão vazias. Quem hoje em dia ainda pretende viver da pesca tem de ir para o mar, o que significa mais horas de trabalho e custos mais elevados.
Foto: Katrin Gänsler
Dependentes da água
Bodo fica na região de Ogoniland, no Delta do Níger, no extremo sudeste do país. Aqui, quase todos os canais do Níger estão contaminados por petróleo. E as pessoas sempre viveram na e com a água. Ainda hoje muitos vilarejos só são acessíveis por barco.
Foto: Katrin Gänsler
Manchas de petróleo por toda a parte
O caso do derrame de petróleo em Bodo e noutras partes de Ogoniland também foi abordado pelo Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (PNUMA). Num relatório publicado em agosto de 2011, o PNUMA recomendou que o governo e as petrolíferas disponibilizem mil milhões de dólares para trabalhos de limpeza. No entanto, as manchas de petróleo, que reluzem na água, continuam até agora.
Foto: Katrin Gänsler
O meio ambiente não tem interesse na Nigéria
Saint Emmah Pii, o chefe da aldeia de Bodo, está zangado. “Estamos todos a morrer aqui. Bebemos água contaminada. Inalamos fumos tóxicos. A culpa é do petróleo.” Fora de Bodo, no entanto, ninguém parece preocupado. “Até ao momento, nem o governo em Abuja nem mesmo as multinacionais se interessaram pelos nossos problemas”, lamenta o chefe da aldeia.
Foto: Katrin Gänsler
Nada funciona sem o ouro negro
Desde o início da produção de petróleo, em 1958, a Nigéria tornou-se no oitavo exportador de petróleo no mundo. O Estado depende fortemente do ouro negro, do qual advém 90% das receitas de exportação. Cerca de 80% dos impostos do país derivam da produção do crude. Oleodutos como estes no estado de Rivers têm, portanto, de ser tolerados.
Foto: Katrin Gänsler
Na sombra das chamas de gás
Em todo o Delta do Níger, chamas como estas aparecem de repente. E não importa se a aldeia mais próxima fica a poucas centenas de metros de distância. Aqui, a queima de gás é oficialmente proibida desde 1984. Porém, 28 anos depois, ninguém se preocupa com o cumprimento da lei.
Foto: Katrin Gänsler
Tão ricos, tão pobres
Furioso, Chukwuma Samuel mostra as chamas de metros de altura com as quais ele e toda a aldeia têm de viver perto da pequena cidade de Egbema. “Olhem para as pessoas aqui. Elas estão indignadas”, diz, apontando para o pequeno mercado em que se encontra. “Estamos a sofrer aqui. Temos de lutar. Para nós, não sobra nada da riqueza do petróleo.”
Foto: Katrin Gänsler
O povo deve decidir
As petrolíferas não gostam de ouvir que não se importam com as pessoas. Portanto, o Grupo Shell anunciou um programa chamado GMoU - "Memorando de Entendimento Global". Os municípios recebem o dinheiro e decidem eles mesmos o que fazer com ele. Na maior cidade do Delta do Níger, Port Harcourt, o Hospital de Obio Cottage foi renovado. Todos os pacientes elogiam o empenho da Shell.
Foto: Katrin Gänsler
Bodo sem qualquer apoio
Contudo, a Bodo não chegou qualquer apoio, critica Kentebe Ebiaridor da organização de defesa ambiental Environmental Rights Action (ERA). E a maior prova disso são as margens sujas de petróleo. "As pessoas estão desiludidas", diz.
Foto: Katrin Gänsler
Petróleo barato do governo
Que a Nigéria é um país produtor de petróleo, os nigerianos só o notam nos preços da gasolina subsidiados pelo Estado. Até o final de 2011, um litro de gasolina custava 65 nairas (32 cêntimos). No início de 2012, o governo acabou com uma parte dos subsídios. Isto causou uma onda de protestos. Atualmente o litro custa 97 nairas (50 cêntimos), bem menos do que em muitos outros países de África.
Foto: Katrin Gänsler
A sonhar com uma pequena loja
Franziska Zabbey nada sabe sobre os preços da gasolina barata. Vive da terra e raramente sai de Bodo. O dinheiro que ganha mal lhe chega para sobreviver. “Se a Shell nos pagar uma indemnização pelo derrame de petróleo, eu poderia abrir uma pequena loja”, espera. Tudo o resto teria pouco futuro em Bodo.
Foto: Katrin Gänsler
Pescadores para sempre
Apesar de ser quase impossível viver da pesca, os barcos de pesca de Bodo são bem preservados. Quando voltarão a poder ser usados como antigamente não se sabe bem. As Nações Unidas estimam que irá demorar entre 25 e 30 anos até Ogoniland ficar limpa do petróleo.