Muitas das publicações são de defensores do Estado ou de entidades governamentais, segundo Ferosa Zacarias, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique.
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Em Moçambique, a demissão de Hélder Martins da Comissão Técnico-Científica para a Prevenção e Resposta à Pandemia da Covid-19 abriu espaço para uma onda de indignação, acusações e até discursos racistas nas redes sociais contra o médico.
Se para alguns, a decisão do especialista em saúde pública foi vista como "ousada" e "corajosa", para outros tantos, o facto de o médico ter trazido à discussão fragilidades da Comissão Científica da qual foi membro nos últimos 11 meses, foi motivo de discórdia. Nas redes sociais não tardaram a multiplicar-se posts insultuosos dirigidos ao antigo ministro da saúde.
Ferosa Zacarias, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, sublinha que são comportamentos "inadmissíveis" perpetuados por "pessoas que se camuflam por detrás do Estado".
"Fica muito difícil de responsabilizar porque essas pessoas fazem em defesa do Estado ou entidades governamentais e nada acontece contra elas. Se deixarmos coisas destas acontecerem, significa que estamos a abrir espaço para que em Moçambique de facto o racismo venha a ditar as regras. Está a acontecer e vai continuar a acontecer porque as pessoas estão protegidas pelo Estado", explica em entrevista à DW África.
Cargos públicos devem ser repensados
O tema "racismo" ganhou palco depois de Julião Cumbane, presidente do conselho de administração de uma empresa pública, ter se referido a Hélder Martins como "branco" num post no Facebook.
Para a jornalista e ativista Fátima Mimbire, é "repugnante" que a discussão resvale para esse tipo de abordagem. "Não sei onde é que esses indivíduos encontram tanta energia e incentivos para ocuparem um tempo em que deveriam estar a buscar soluções para o desenvolvimento deste país - inclusive para a Covid-19 - para ficarem nas redes sociais a incitar a violência, ódio e o racismo", critica.
"É importante que a nossa justiça ponha cobro à situação e leve à barra da justiça os indivíduos de modo a que eles possam ser responsabilizados. Alguma coisa tem que se fazer para travar esses indivíduos porque são nefastos para a nossa sociedade", defende Fátime Mimbire.
Ferosa Zacarias vai mais longe e sugere que, tratando-se de indivíduos com cargos públicos, estes deviam ser repensados. "Não pode ficar impune no nosso país. Até se possível, tendo em conta o que eles representam na estrutura do Governo, devia ser um caso para mexer mesmo com o próprio cargo da pessoa. Não podemos ter dirigentes ou representantes a comportarem-se dessa forma e a ficarem impunes".
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Inoperância da SERNIC
A presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique alerta ainda que, para que haja uma penalização, primeiro é preciso que entidades governamentais venham a público distanciar-se desses comportamentos.
A advogada critica a inoperância do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) nestes casos.
"Desde que seja discriminar alguém ou cometer um crime, supostamente em defesa de uma entidade do Estado ou do Governo, a SERNIC nem tem nenhum trabalho aí, já sabe… a pessoa é um réu confesso. A própria SERNIC não toma medidas, não inicia ação processual. Quando inicia uma ação nunca tem o seu desfecho. Mas aparecem um ou dois cidadãos a falar mal ou insultar o presidente da República, vemos a SERNIC a agir", lamenta.
A DW tentou um parecer junto do Serviço Nacional de Investigação Criminal, mas não obteve resposta até à publicação desta reportagem.
Em Moçambique, "cipaios digitais" ou "milicianos digitais" é como são chamados os indivíduos que se posicionam na internet como defensores acérrimos do Governo da FRELIMO e o seu Presidente, Filipe Nyusi. Não é a primeira vez que a sociedade civil se insurge contra estes movimentos.
Covid-19 em Maputo: os sítios em que menos se cumpre o distanciamento social
Com o aumento dos casos positivos de Covid-19 em Maputo, crescem também as críticas aos espaços onde as medidas restritivas para conter a pandemia, como são o distanciamento social e regras de higiene, não são cumpridas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Mercados, maiores focos
A propagação do novo coronavírus na cidade de Maputo está aumentar. Na capital moçambicana, os locais onde há menos distanciamento social são apontados como os maiores focos de propagação do vírus. Os mercados são um destes lugares, como podemos ver nesta imagem do mercado informal de "Xikeleni".
Foto: Romeu da Silva/DW
Filas nos bancos
O mesmo acontece nos bancos. O Presidente da República Filipe Nyusi criticou, na sua comunicação à nação, o atendimento neste serviço. Como mostra esta imagem, continua a ser comum as filas à porta dos bancos. As pessoas aglomeram-se não cumprindo o distanciamento de dois metros determinado pelo governo.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cidadãos cansados
Também nas ATM o distanciamento social não é cumprido, algo que pode ser justificado com o desgaste dos cidadãos em ficar muito tempo na fila à espera da sua vez para levantar o dinheiro. Aqui, não é só o distanciamento que preocupa. Não existe também sabão para a lavagem ou desinfeção das mãos após a utilização da máquina.
Foto: Romeu da Silva/DW
Escolas
Também nas escolas, é difícil falar em distanciamento, apesar de chefe de Estado ter elogiado a postura destes estabelecimentos no combate à pandemia. No entanto, nos intervalos, as crianças continuam aos abraços, muitas vezes sem máscaras ou viseiras, o que pode propiciar a propagação do vírus.
Foto: Romeu da Silva/DW
Transportes coletivos
Diversos círculos sociais criticam os operadores dos transportes semicoletivos a quem acusam de estar a violar as orientações do governo, segundo as quais, em cada banco devem sentar-se apenas três pessoas. No entanto, e por causa da receita, alguns "chapeiros" violam a regra. A polícia municipal, ao que tudo indica, não está a conseguir controlar a situação.
Foto: Romeu da Silva/DW
Número de passageiros mantém-se
A mesma crítica estende-se aos chamados "Smart kikas" que continuam a transportar mais de cem pessoas, quando deviam reduzir para metade. Em Maputo, estes sãos os meios de transporte preferidos porque levam pessoas desde o centro da cidade até à periferia. Nas horas de ponta, o cenário de aglomeração é arrepiante. Não há desinfeção das mãos à entrada, nem mesmo do próprio autocarro.
Foto: Romeu da Silva/DW
Paragens sem distanciamento
Outro cenário muito comum na capital moçambicana são as filas, sem distanciamento, nas paragens de transporte semi-coletivo. O cenário piora quando chega o transporte, pois há "guerra" pelo assento, ninguém quer viajar de pé.
Foto: Romeu da Silva/DW
Terminais de autocarros
Os terminais são tidos também como focos de propagação do coronavírus. Nestes locais, desaguam diariamente vários "chapas" provenientes de quase toda a periferia. Ao já acentuado movimento de passageiros, juntam-se os vendedores informais, o que dificulta ainda mais o cumprimento do distanciamento social.
Foto: Romeu da Silva/DW
Fila numa padaria
Observamos também alguma falta de distanciamento nas filas para a compra de pão em algumas padarias de Maputo. No interior dos estabelecimentos, o controlo é eficaz, pois entra apenas um cliente de cada vez. Mas no exterior, a realidade é diferente como se pode ver nesta fotografia tirada no bairro da Malhangalene, fronteira entre a cidade de cimento e os bairros periféricos.
Foto: Romeu da Silva/DW
Difícil mas não impossível
Os supermercados são também estabelecimentos com muita procura. Para além do entra e sai, muitos dos clientes mexem nos produtos sem desinfetar as mãos. O distanciamento social é também um problema, no entanto, tem vindo a melhorar em muitos dos espaços. Aos fins de semana, os gestores preferem deixar alguns cliente de fora do estabelecimento para evitar aglomerados no interior.
Foto: Romeu da Silva/DW
Serviços públicos
Diariamente, são muitas as pessoas que precisam de se dirigir aos serviços públicos para tratar de assuntos variados. Às repartições de registo criminal, por exemplo, acorrem todos os dias muitos candidatos que procuram empregos nas instituições do estado. Apesar da afluência, a rapidez no atendimento acaba por minimizar o risco, e aumentar o distanciamento social.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tradição inimiga da prevenção
As cerimónias familiares, por exemplo funerais, estão limitadas, atualmente, a 20 pessoas. No entanto, e porque culturalmente este tipo de eventos costuma ter muito mais gente, continuam a existir funerais com o dobro do número permitido.