O médico Hélder Martins deixa a Comissão Técnico-Científica para a Prevenção e Resposta à Pandemia da Covid-19 com uma certeza: "Uma epidemia não pode ser gerida por políticos". Mas as opiniões dividem-se.
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Após 11 meses como membro da Comissão Técnico-Científica para a Prevenção e Resposta à Pandemia da Covid-19, o médico Hélder Martins, decidiu pôr um "basta" a um acumular de acontecimentos que enumera numa extensa carta de demissão endereçada ao Presidente da República, Filipe Nyusi.
Um dos principais motivos do descontentamento do especialista em saúde pública prende-se com a não abertura da comissão quer à sociedade quer aos média.
Um ponto que também intriga a ativista Fátima Mimbire, que aplaude a decisão de Hélder Martins. "O que é que faz afinal essa comissão? Eu concordo, sim, que devia haver abertura da comissão científica", sublinha, em entrevista à DW África.
"O que acontece é que nós não sabemos o que eles fazem, que tipo de recomendações fazem, se concordam ou não com as medidas. Há um fechamento de facto, as decisões não são transparentes", critica. "A Comissão Científica devia ser exposta ao crivo público. Criar-se espaço para que os cidadãos possam interagir diretamente com a comissão, colocando até questões".
Segundo a carta do antigo ministro da saúde, a não divulgação dos trabalhos da comissão abre espaço "para que o Governo possa livremente tomar decisões sem qualquer fundamentação científica e sem que ninguém saiba quais foram as recomendações da comissão".
Uma tese que Fátima Mimbire acaba por assinar por baixo: "Os políticos querem ter a hegemonia no acesso ao público. Querem ser eles os agentes e controladores do debate público. Tornar a comissão num órgão fechado, sem interação, sem exposição mediática legitima as decisões políticas que o Governo toma e muitas vezes não são as mais certas", considera.
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Gestão politizada da pandemia
No mesmo documento, Hélder Martins sublinhou que houve uma nítida intenção de introduzir fatores políticos no combate à Covid-19 o que o levou também a distanciar-se, uma vez que uma "epidemia não pode ser gerida por políticos".
Uma posição contrariada por Elísio Macamo. Em entrevista à DW, o sociólogo moçambicano, afirma que o desafio está em tornar as decisões políticas em medidas eficazes. "A gestão da pandemia não pode ser outra coisa que não uma gestão politizada. Quem deve tomar medidas são os políticos. E essas medidas nunca vão ser tomadas apenas tendo em conta a assessoria científica. Vão ser tomadas tendo em conta fatores políticos, porque é assim", frisa.
"Os políticos têm uma melhor visão sobre todo o conjunto de fatores que ter em conta no país. O que me parece fazer falta são mecanismos governamentais de tradução da assessoria científica para a política", considera.
Discurso de racismo e ódio
A demissão de Hélder Martins não passou despercebida no país e a sua decisão tem sido motivo de discussão nas redes sociais.
Fátima Mimbire condena certas acusações e, sem mencionar nomes, associa figuras de confiança do Governo a discursos de ódio e racismo.
"Quando não temos argumentos, infelizmente a nossa sociedade resvala para esse tipo de abordagem que é assassinar o carácter das pessoas, depreciá-las, insultá-las, incitar a violência, o ódio, sempre foi assim", lamenta. "Este país vive disso, não resolve o problema, não debate a essência dos problemas. Somos sempre conduzidos a combater as pessoas que levantam os problemas, que reivindicam ou que se opõem aos problemas".
A temática do racismo ganha protagonismo depois de Julião Cumbane, presidente do conselho de administração de uma empresa pública, se ter referido a Hélder Martins como "branco" num post nas redes sociais.
"Eu esperaria que a Procuradoria Geral da República agisse desta vez, porque estamos a chegar a um nível muito grave quando começamos a incluir questões raciais. O nosso Governo e a nossa justiça toleram isso por isso é que nunca agiram contra esses indivíduos. Isso é repugnante", conclui Fátima Mimbire.
Covid-19 em Maputo: os sítios em que menos se cumpre o distanciamento social
Com o aumento dos casos positivos de Covid-19 em Maputo, crescem também as críticas aos espaços onde as medidas restritivas para conter a pandemia, como são o distanciamento social e regras de higiene, não são cumpridas.
Foto: Romeu da Silva/DW
Mercados, maiores focos
A propagação do novo coronavírus na cidade de Maputo está aumentar. Na capital moçambicana, os locais onde há menos distanciamento social são apontados como os maiores focos de propagação do vírus. Os mercados são um destes lugares, como podemos ver nesta imagem do mercado informal de "Xikeleni".
Foto: Romeu da Silva/DW
Filas nos bancos
O mesmo acontece nos bancos. O Presidente da República Filipe Nyusi criticou, na sua comunicação à nação, o atendimento neste serviço. Como mostra esta imagem, continua a ser comum as filas à porta dos bancos. As pessoas aglomeram-se não cumprindo o distanciamento de dois metros determinado pelo governo.
Foto: Romeu da Silva/DW
Cidadãos cansados
Também nas ATM o distanciamento social não é cumprido, algo que pode ser justificado com o desgaste dos cidadãos em ficar muito tempo na fila à espera da sua vez para levantar o dinheiro. Aqui, não é só o distanciamento que preocupa. Não existe também sabão para a lavagem ou desinfeção das mãos após a utilização da máquina.
Foto: Romeu da Silva/DW
Escolas
Também nas escolas, é difícil falar em distanciamento, apesar de chefe de Estado ter elogiado a postura destes estabelecimentos no combate à pandemia. No entanto, nos intervalos, as crianças continuam aos abraços, muitas vezes sem máscaras ou viseiras, o que pode propiciar a propagação do vírus.
Foto: Romeu da Silva/DW
Transportes coletivos
Diversos círculos sociais criticam os operadores dos transportes semicoletivos a quem acusam de estar a violar as orientações do governo, segundo as quais, em cada banco devem sentar-se apenas três pessoas. No entanto, e por causa da receita, alguns "chapeiros" violam a regra. A polícia municipal, ao que tudo indica, não está a conseguir controlar a situação.
Foto: Romeu da Silva/DW
Número de passageiros mantém-se
A mesma crítica estende-se aos chamados "Smart kikas" que continuam a transportar mais de cem pessoas, quando deviam reduzir para metade. Em Maputo, estes sãos os meios de transporte preferidos porque levam pessoas desde o centro da cidade até à periferia. Nas horas de ponta, o cenário de aglomeração é arrepiante. Não há desinfeção das mãos à entrada, nem mesmo do próprio autocarro.
Foto: Romeu da Silva/DW
Paragens sem distanciamento
Outro cenário muito comum na capital moçambicana são as filas, sem distanciamento, nas paragens de transporte semi-coletivo. O cenário piora quando chega o transporte, pois há "guerra" pelo assento, ninguém quer viajar de pé.
Foto: Romeu da Silva/DW
Terminais de autocarros
Os terminais são tidos também como focos de propagação do coronavírus. Nestes locais, desaguam diariamente vários "chapas" provenientes de quase toda a periferia. Ao já acentuado movimento de passageiros, juntam-se os vendedores informais, o que dificulta ainda mais o cumprimento do distanciamento social.
Foto: Romeu da Silva/DW
Fila numa padaria
Observamos também alguma falta de distanciamento nas filas para a compra de pão em algumas padarias de Maputo. No interior dos estabelecimentos, o controlo é eficaz, pois entra apenas um cliente de cada vez. Mas no exterior, a realidade é diferente como se pode ver nesta fotografia tirada no bairro da Malhangalene, fronteira entre a cidade de cimento e os bairros periféricos.
Foto: Romeu da Silva/DW
Difícil mas não impossível
Os supermercados são também estabelecimentos com muita procura. Para além do entra e sai, muitos dos clientes mexem nos produtos sem desinfetar as mãos. O distanciamento social é também um problema, no entanto, tem vindo a melhorar em muitos dos espaços. Aos fins de semana, os gestores preferem deixar alguns cliente de fora do estabelecimento para evitar aglomerados no interior.
Foto: Romeu da Silva/DW
Serviços públicos
Diariamente, são muitas as pessoas que precisam de se dirigir aos serviços públicos para tratar de assuntos variados. Às repartições de registo criminal, por exemplo, acorrem todos os dias muitos candidatos que procuram empregos nas instituições do estado. Apesar da afluência, a rapidez no atendimento acaba por minimizar o risco, e aumentar o distanciamento social.
Foto: Romeu da Silva/DW
Tradição inimiga da prevenção
As cerimónias familiares, por exemplo funerais, estão limitadas, atualmente, a 20 pessoas. No entanto, e porque culturalmente este tipo de eventos costuma ter muito mais gente, continuam a existir funerais com o dobro do número permitido.