Modelo alemão de descentralização pode ser inspiração para Moçambique. Segundo Eduardo Namburete, da RENAMO, na Alemanha, a autonomia dos estados é compatível com a união do país. Isso pode ser possível em Moçambique.
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Uma delegação do Parlamento moçambicano está em Berlim esta semana para colher exemplos e experiências do modelo de descentralização da Alemanha. Durante visita estão previstos encontros com parlamentares alemães, Governo e empresários.
A delegação é composta por membros de duas comissões parlamentares: da 1ª Comissão, dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade, e da 4ª Comissão, da Administração Pública e Poder Local.
A crise político-militar que Moçambique vive deve-se também à falta de descentralização no sistema governativo. Na atual negociação de paz esse é um dos assuntos críticos.
A DW África entrevistou Eduardo Namburete, deputado da RENAMO, maior partido da oposição, que integra a delegação moçambicana.
DW África:Que componentes da descentralização alemã mais interessam a Moçambique?
Eduardo Namburete (EN): Estudar como é que eles conseguem, ao mesmo tempo, compatibilizar a autonomia dos estados na federação mas sem colocar em questão a unicidade do Estado alemão. Este é um aspeto que também queremos reter no nosso processo - a descentralização não deve, em nenhum momento, colocar em questão o factor do Estado moçambicano ser um estado único e indivisível.
Eles conseguiram fazer isso aqui com sucesso e nós também acreditamos que é possível e que o processo de Moçambique não coloque em risco a unicidade do Estado.
Há também outras questões que estamos a discutir com eles: o processo da fiscalidade, como é que eles desenvolvem a questão da arrecadação dos impostos, o funcionamento das alfândegas, a questão da segurança nos estados e na nação. E a interdependência dos vários poderes, a legislação, por exemplo, ao nível dos estados e até legislação que é feita ao nível na federação.
DW África:Os parlamentares moçambicanos têm viajado com alguma regularidade para outros países também para colher experiências e buscar exemplos. O que é que há a destacar dessas visitas?
EN: Um factor comum em tudo é a convicção de que a descentralização fortalece a democracia. A descentralização traz o poder para junto da população. E isto é algo que constatámos em vários países onde estas missões têm sido organizadas. Estamos convencidos que Moçambique também não deverá ser exceção. O processo de descentralização deverá ser levado até ao máximo que se puder levar para permitir que, de facto, a democracia seja aprofundada e, por via, disso também o país seja pacificado.
DW África: Vários analistas políticos falam de uma contínua falta de confiança entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO. Um trabalho de maior proximidade e sem um terceiro elemento para manter um equilíbrio não colocaria em risco este processo ou esta discussão da descentralização?
ONLINE Descentralizacao Moc. Berlim - MP3-Mono
EN: Há uma terceira parte envolvida. Os próprios especialistas que vão estar envolvidos não são nem da RENAMO nem da FRELIMO. São uma terceira parte que vai contribuir para que este processo possa correr normalmente e com a fluidez que nós esperamos.
DW África: E eles participarão de forma contínua e permanente?
EN: Sim. Haverá uma forma de garantir que haja sempre a presença destas personalidades durante todo o percurso.
DW África:Outros partidos e a sociedade civil reclamam a participação no debate sobre a descentralização. A RENAMO não acha que é um direito deles e também de especialistas sobre o assunto tomarem parte deste debate?
EN: O debate não está vedado a ninguém. Há várias formas de participar. Mesmo durante a fase que terminou há pouco tempo houve a participação de outros partidos. Recordo-me, por exemplo, que o partido MDM teve a possibilidade de expor os seus pontos de vista sobre a descentralização no âmbito da comissão conjunta. Mesmo neste novo processo, acho que todos aqueles que têm ideias terão espaço para poder participar neste debate. O processo não está vedado. Não está a ser apenas uma questão da FRELIMO e do Governo e da RENAMO. Há formas de se colocar toda a contribuição que os outros partidos tiverem para fazer.
DW África:Os moçambicanos têm interpretado o fim das hostilidades e a boa vontade do Governo da RENAMO como sinais de esperança para a retoma da paz. Já está agendado algum acordo com vista ao fim desta crise?
EN: Não há uma data para isso. Isso será o resultado do trabalho que está sendo feito hoje. Mas posso dizer que a vontade que existe da parte da nossa liderança, e acredito que também da parte da liderança do Governo, é que o país fique definitivamente em paz. E isso tem-se demonstrado com a cessação das hostilidades que foi decretada pelo Presidente Afonso Dhlakama, primeiro por uma semana e depois por dois meses. Isto continua conforme prometido e decretado. E até este momento não há nenhum acidente reportado, o que nos leva a acreditar que se vai manter para sempre. Obviamente haverá uma declaração oficial quando todo este trabalho que está em curso terminar de forma satisfatória. Não haverá nenhuma razão de o país voltar de novo a observar confrontações.
Uma relação especial: a Alemanha Oriental e África
A República Democrática Alemã manteve relações estreitas com os países africanos de orientação socialista. Entre eles estavam Angola, Etiópia, Moçambique e Tanzânia. A cooperação terminou com a reunificação em 1990.
Foto: Ismael Miquidade
Formação de profissionais africanos
A República Democrática Alemã (RDA), extinta após a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990, formou muitos trabalhadores vindos de países africanos socialistas. Estes angolanos participam num curso em Dresden, em 1983, no Instituto para Segurança no Trabalho. Angola estava em guerra nessa altura. O chamado "Bloco de Leste" apoiava o Governo marxista-leninista do MPLA.
Foto: Bundesarchiv/183-1983-0516-022 /U. Häßler
Ajuda ao desenvolvimento para aliados políticos
Depois do fim do colonianismo português em África, em 1975, a Alemanha Oriental (RDA) apoiou os partidos socialistas que foram conquistando o poder. A ideia era fazer desses novos Estados africanos aliados e parceiros económicos do Bloco de Leste. Aqui, o angolano Eduardo Trindade recebe formação de mecânico de máquinas agrícolas (1979).
Foto: Bundesarchiv/183-U0213-0014/P. Liebers
Formação para jornalistas africanos
Não havia só formação para profissões técnicas. A Alemanha Oriental também formava jornalistas africanos. Centenas de jornalistas, de quase todos os países de África, passaram pela Escola de Solidariedade da Associação de Jornalistas da RDA, em Berlim-Friedrichshagen. Na foto: jovens jornalistas de Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe durante o curso em dezembro de 1976.
Foto: Bundesarchiv/183-R1210-302
Cooperação no desporto
Esta foto foi tirada em setembro de 1989, em Leipzig, numa aula de atletismo da Escola Superior Alemã para Educação Física (DHfK), com treinadores de Angola, Nicarágua e Moçambique. Em Leipzig, a partir de 4 de setembro, os cidadãos começaram a exigir todas as segundas-feiras mais liberdade na RDA - primeiro eram centenas, depois dezenas de milhares. A 9 de novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim.
Foto: Bundesarchiv/183-1989-0929-019/ W. Kluge
Estudantes nas universidades da RDA
Moisés José da Costa, de Angola, fez parte de um grupo de estudantes de 34 países que frequentou a Escola Superior Técnica de Karl-Marx-Stadt em 1986. A cidade passou a chamar-se Chemnitz em 1990. Muitas ruas da Alemanha Oriental, com nomes de políticos marxistas, também foram renomeadas. Hoje, muitos estrangeiros que viveram na RDA têm dificuldade em encontrar endereços antigos.
Foto: Bundesarchiv/183-1986-1112-002/W. Thieme
"Escola da Amizade"
1983: O Presidente de Moçambique, Samora Machel (dir.), e Margot Honecker, ministra da Educação da RDA (esq.), encontram-se com a direção da "Escola de Amizade", na localidade de Staßfurt. Em 1979, ambos os países decidiram que 899 crianças moçambicanas frequentariam essa escola na Alemanha Oriental durante quatro anos. Algumas dessas crianças tinham apenas 12 anos de idade.
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-1983-0303-423/H. Link
Escola "Dr. Agostinho Neto"
Em outubro de 1981, durante uma visita do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, à Alemanha, a 26ª Escola de ensino médio da RDA "Berlim-Pankow" recebeu o nome do seu antecessor. Passou a chamar-se Escola "Dr. Agostinho Neto". Jovens da Alemanha Oriental receberam o Presidente angolano com cartazes propagandísticos, como: "Apoiando a União Soviética pela paz e socialismo."
O Presidente angolano José Eduardo dos Santos (o quinto, a partir da esq.) visitou o Muro de Berlim na Porta de Brandemburgo. O muro começou a ser construído em 1961 para impedir que a população da RDA fugisse para Berlim Ocidental, onde se tinha livre-trânsito para o Ocidente. Oficialmente, o muro era chamado de "Muralha Antifascista". Cerca de 200 pessoas morreram ao tentar fugir.
Foto: Bundesarchiv
Congresso do SED com convidados africanos
O Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) gostava de exibir os seus convidados estrangeiros. No 10° Congresso do partido, em 1981, recebeu Ambrósio Lukoki, do MPLA (atrás, à direita), e Berhanu Bayeh (atrás, o segundo à esq.), que mais tarde se tornou chefe da diplomacia da ditadura marxista-leninista etíope do Derg, período em que milhares de pessoas foram mortas.
Foto: Bundesarchiv/183-Z0041-138/M. Siebahn
Visitas a congressos partidários africanos
O contrário também era comum. Konrad Naumann (na segunda fila, à dir.), membro do SED, participou do 3° Congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) em Bissau, em novembro de 1977. O evento foi realizado sob o lema "Independência, Unidade e Desenvolvimento".
Foto: Bundesarchiv/Bild 183-S1118-026/Glaunsinger
Acampamentos de verão para crianças e adolescentes
Também durante o período de férias, a RDA tentava educar as crianças de acordo com os ideais comunistas. E convidavam-nas para acampamentos de verão. Aqui também vinham convidados estrangeiros. Na foto, dois membros da organização juvenil da Alemanha Oriental "Pioneiros" explicam a uma criança da República Popular do Congo uma matéria do jornal "Die Trommel".
Foto: Bundesarchiv/183-T0803-0302
Fim-de-semana em casa de família alemã
As crianças estrangeiras que, em 1982, participaram no acampamento dos "Pioneiros" também passaram um fim-de-semana com famílias alemãs para conhecer o dia-a-dia na Alemanha Oriental. Elas foram de comboio até à cidade de Schwedt, na fronteira com a Polónia. Sandra Maria Bernardo, de Angola, foi recebida pela sua "mãe-anfitriã" Ingeborg Scholz e a filha Petra.
Foto: Bundesarchiv/183-1982-0731-010 /K. Franke
Solidariedade militar
1973: Combatentes do MPLA marcham durante o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que teve lugar no estádio da Juventude Mundial, no leste de Berlim. A RDA solidarizou-se com a luta do MPLA contra o poder colonial português. Os outros dois movimentos de libertação de Angola, a UNITA e a FNLA, foram apoiados pela África do Sul e EUA.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-M0814-0734/F. Gahlbeck
Hora do adeus
Depois de formados na RDA, namibianos despedem-se no aeroporto Berlim-Schönefeld. De 1981 a 1984, eles estiveram a receber formação na Alemanha Oriental. No entanto, não puderam regressar às suas casas porque a Namíbia só se tornou independente da África do Sul em 1990. Por isso, voaram para Angola, para trabalhar como técnicos de silvicultura, canalizadores ou mecânicos de automóveis.
Foto: Bundesarchiv/183-1984-0815-031/A. Kämper
A ajuda chega de avião
Na foto, uma aeronave da companhia aérea Interflug, pertencente à extinta RDA, no aeroporto de Luanda. A bordo: material escolar para crianças angolanas. Em 1978, além de Angola, o Comité de Solidariedade da Alemanha Oriental enviou donativos à Etiópia, Moçambique, Vietname, República Popular do Iémen e às organizações de libertação do Zimbabwe (ZANU), da Namíbia (SWAPO) e da África do Sul.
Foto: Bundesarchiv/183-T0517-0022/R. Mittelstädt
Tratores para aliados socialistas
Doação de máquinas agrícolas da fábrica de tratores Schönebeck (da RDA) para a Etiópia. Os tratores do tipo "ZT 300-C" eram comuns na Alemanha Oriental e foram exportados para 26 países. Incluindo Angola e Moçambique. (1979)
Foto: Bundesarchiv/183-U1110-0001/Schulz
Máquinas têxteis da RDA para a Etiópia
Fábrica têxtil na cidade de Kombolcha, na província etíope de Amhara (foto de novembro de 2005). Esta fábrica processa algodão para fazer lençóis e toalhas. Foi construída em 1984 com o apoio da RDA e da hoje extinta Checoslováquia. Quase todas as máquinas foram produzidas pelo consórcio TEXTIMA, na antiga cidade de Karl-Marx-Stadt, hoje Chemnitz.
Foto: picture-alliance/dpa
Construções pré-fabricadas da RDA em Zanzibar
Ainda hoje, é possível ver prédios, construídos a partir de elementos pré-fabricados, em Zanzibar, com os quais a Alemanha Oriental apoiou a Tanzânia socialista criada em 1964 sob o Presidente Julius Nyerere. Os materiais chegaram de navio e tiveram apenas de ser montados. "Michenzani" é o nome do projeto com mais de 1,5 km de comprimento.
Foto: cc-by-sa/Sigrun Lingel
RDA - Nostalgia em Maputo
Cerca de 15 mil moçambicanos trabalharam na Alemanha Oriental no final dos anos 80. A maioria voltou ao seu país de origem após a reunificação da Alemanha, a 3 de Outubro de 1990. Em casa, são chamados de "Madgermanes", uma palavra derivada de "Made in Germany". Até aos dias de hoje, eles reúnem-se com frequência no Jardim 28 de Maio, em Maputo, para reivindicar os seus direitos.