Desabamento numa lixeira mata 17 pessoas em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
19 de fevereiro de 2018
Pelo menos dezassete pessoas morreram e outras cinco ficaram feridas na madrugada desta segunda-feira (19.02), na capital moçambicana, Maputo, na sequência do desabamento de parte de uma lixeira.
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O incidente na lixeira do Hulene foi provocado pela chuva intensa que caiu durante a madrugada desta segunda-feira (19.02) na cidade de Maputo. O lixo acumulado no local desabou sobre residências, onde muitas famílias pernoitavam.
Durante a tarde, o Serviço Nacional de Salvação Pública prosseguia com as buscas e admitia a possibilidade de serem encontradas mais vítimas debaixo dos escombros.
"Pela informação que recolhemos das autoridades locais, o número de pessoas que habitavam naquelas residências supera o número dos óbitos registados. Então os trabalhos continuam com vista a verificar se realmente existem outros casos de óbitos ou não", afirmou o porta-voz, Leonildo Pelembe.
Várias famílias que residem nas proximidades do local abandonaram as suas casas, devido ao risco de acontecer outro desabamento, uma vez que no terreno são visíveis rachas no lixo acumulado.
Realojamento dos afetados
O Conselho Municipal de Maputo anunciou que vai criar um centro provisório para acomodar os sobreviventes da tragédia. Segundo David Simango, Presidente do Conselho Municipal, 32 famílias ficaram sem teto. Além destas, "outras 60 famílias terão que ser movimentadas dali por razões de segurança".
A coordenadora de emergência no Conselho Municipal de Maputo, Yolanda Manuela, lamentou o sucedido, mas notou que, devido ao risco que o lixo acumulado representava, muitas famílias já tinham sido retiradas do local.
"As pessoas foram reassentadas e receberam material de construção para as suas novas habitações, mas retornaram. Muitas delas voltaram, porque fazem o negócio aqui", afirmou.
Desabamento numa lixeira mata 17 pessoas em Moçambique
Fonte de sobrevivência
A lixeira do Hulene situa-se a cerca de sete quilómetros do centro da cidade de Maputo e é uma fonte de sobrevivência para centenas de catadores de lixo, que procuram material reciclável como plástico, papelão, vidro e metais.
Estima-se que cerca de 300 pessoas vão diariamente à procura do lixo naquele local, que, segundo testemunhos, chegam a render cerca de dez mil meticais, o equivalente a 140 euros mensais por pessoa.
A Livaningo, uma organização da sociedade civil, já tinha lançado vários apelos às autoridades municipais e ao Governo para o encerramento da lixeira do Hulene. Ainda em dezembro último, a Livaningo promoveu uma exposição fotográfica denominada "O Drama Ambiental e Social da Lixeira do Hulene", em que alertava para o perigo que esta representa para a saúde pública devido a deposição de resíduos sólidos a céu aberto naquele local.
Mas o Conselho Municipal de Maputo vem adiando há vários anos o encerramento da lixeira de Hulene, alegando a falta de fundos para a construção de um outro aterro sanitário.
Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Isto causa diversos problemas ambientais e sociais.
Foto: DW/Marta Barroso
Resíduos sólidos sem tratamento adequado
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Este modelo de gestão do lixo traz consigo graves problemas de diversa ordem. Entre outros a possível poluição do ar, da terra e da água. A queima descontrolada dos resíduos também causa maus cheiros e problemas respiratórios na vizinhança.
Foto: DW/Marta Barroso
Cidades cheias
Desde a independência, a urbanização em Moçambique tem sido rápida e desordenada. Em meados dos anos 1970, nem 10% da população residia em zonas urbanas. A guerra civil empurrou comunidades inteiras para os centros urbanos. Hoje, o número de citadinos é quatro vezes mais alto e em 2025, calcula-se, mais de metade dos moçambicanos viverá em zonas urbanas. Aumentam os problemas com o lixo.
Foto: DW/Marta Barroso
Crescimento desordenado
Em Maputo, o custo de vida aumentou de tal forma que muitos se viram empurrados para a periferia e a cidade foi-se espalhando de forma desordenada. Tal como noutras zonas urbanas, o crescimento da capital não foi acompanhado por serviços públicos. Uma das áreas com graves deficiências é o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
Foto: DW/Marta Barroso
Invisíveis perante a lei
Mais de metade da população ativa de Moçambique trabalha no sector informal. Também em Hulene, a lixeira é, para muitos residentes do bairro, a única fonte de rendimento. Lá dentro, os catadores são tolerados, mas para lá dos muros, permanecem à margem da sociedade que os vê como gente falhada. Excluídos das políticas e estratégias nacionais, os catadores permanecem invisíveis aos olhos da lei.
Foto: DW/Marta Barroso
Poucos avanços na separação do lixo
A Política Nacional do Ambiente, de 1995, define a gestão do ambiente urbano e a gestão de resíduos domésticos e hospitalares como prioridade de intervenção, visando melhorar o sistema de coleta, tratamento e deposição de lixo. Mas apesar de esta legislação ter sido adotada há quase vinte anos, poucos avanços se fizeram na separação do lixo.
Foto: DW/Marta Barroso
Lugar de tudo
De tudo um pouco se procura, se reforma e se vende em Hulene: restos de comida, alimentos enlatados fora do prazo, retirados dos supermercados da cidade, objetos de ferro, alumínio, latão e estanho, fio de cobre de eletrodomésticos avariados, garrafas de vidro e plástico, madeira, cartão, papel, pedras, filtros de cigarro, mobília danificada, algodão, borracha, lixo hospitalar e informático.
Foto: DW/Marta Barroso
Sem espaço para reciclagem
Em Moçambique, a reciclagem é feita de forma muito limitada, normalmente no âmbito de projetos ou iniciativas individuais. Um entrave à promoção da reciclagem no país prende-se com a escassez de indústrias que usem material reciclado e, consequentemente, a escassez de mercados para a sua compra. Muitos materiais têm de ser exportados, daí que este ainda não seja um negócio sustentável.
Foto: DW/Marta Barroso
Recicla, Fertiliza e Amor
Apesar disso, há alguns projetos de reciclagem no país. Recicla, Fertiliza e Amor são alguns exemplos. O primeiro produz paletes de plástico para venda em fábricas locais de utensílios domésticos, o segundo faz adubo a partir de lixo orgânico e o último compra lixo reciclável em ecopontos na capital, Maputo.
Foto: DW/Marta Barroso
Encerramento adiado
A última previsão de encerramento da lixeira marcava o ano de 2014 como prazo para transformar Hulene em espaço verde. Agora diz-se que a lixeira só será encerrada depois de construído um aterro sanitário que deverá ser partilhado tanto pela cidade de Maputo como pela vizinha Matola e custará aos dois municípios, ao Governo e a doadores mais de 20 milhões de dólares.
Foto: DW/Marta Barroso
E o lixo aqui continuará
Até a lixeira de Hulene ser encerrada, o lixo continuará a acumular-se aos montes. Montes que, segundo o Conselho Municipal de Maputo, chegaram já a atingir os 15 metros de altura. Mesmo depois de fechada, a decomposição dos resíduos aqui depositados ao longo de tantas décadas irá levar muitos anos.