Para o investigador Joseph Hanlon, mais importante que um acordo entre RENAMO e FRELIMO para eleger governadores provinciais é a integração dos militares da oposição no exército, "uma questão ainda não resolvida".
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Há um ano e meio não se via o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, em aparições públicas. Mas no sábado (23.09) ele reapareceu anunciando ter um acordo com a FRELIMO para a eleição directa dos governadores provinciais, hoje nomeados pelo Governo, e que representaria um passo importante para alcançar a paz no país.
Segundo o líder da oposição, o projeto de descentralização deverá ser aprovado na Assembleia da República, onde a FRELIMO tem maioria.
Entretanto, a descentralização do poder no país não será um problema maior, explicou à DW África o jornalista e professor na Universidade Aberta do Reino Unido, Joseph Hanlon. Integrar membros da RENAMO no exército será uma opção tática da FRELIMO, e estrategicamente correta, para diminuir o conflito no país.
Quanto mais oficiais de diferentes orientações forem eleitos, mais democrático o país será, explicou o especialista. Porém, Joseph Hanlon diz não saber o que Dhlakama quer dizer quando afirma que "quer ser mais democrático", a pensar o acordo para eleição de governadores nas províncias.
"Já há eleições para o Parlamento nacional, parlamentos provinciais, Presidente, prefeitos. Mas ele [Afonso Dhlakama] não tem feito outras demandas sobre formas de descentralização, senão insistir nas eleições para Governadores", explicou.
Descentralização: "problema resolvido"
"A descentralização já parece estar resolvida. Entretanto, uma questão não resolvida, penso, diz respeito à integração militar da RENAMO no exército militar nacional. O Presidente Filipe Nyusi fez um discurso aos militares dizendo-lhes que deverão aceitar mudanças maiores. Isso implica que o Governo está preparado para aceitar alguma integração de militares da RENAMO”.
Segundo o especialista, Dhlakama tem enfatizado que quer ver cargos “suficientes” para os seus membros dentro das Forças Armadas. O objetivo é garantir a sua segurança. "Há dois anos houve pelo menos dois atentados militares contra ele", explicou.
Certo é que o único inimigo que o Governo tem hoje é a RENAMO, diz o jornalista. "Se integrar a RENAMO no exército, já não há mais inimigo", explica Hanlon.
Mas o interesse das partes parece ir além dos acordos de paz. Diz respeito também ao acesso ao dinheiro que os dois partidos podem obter ao desfrutarem de poder. "O principal interesse é a paz, mas compra-se a paz dando aos membros da RENAMO cargos estratégicos dentro do exército, dando-lhes dinheiro", disse.
"Sempre foi assim, como em 1994. A paz teve de ser comprada. Comprou-se a participação da RENAMO nas eleições. Comprou-se o acordo da RENAMO na guerra. As Nações Unidas têm isso claro. Eles compram a oposição, e assim será de novo".
Acordo Geral de Paz
Em 1992, o Governo e a RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz. Um segundo acordo foi assinado em 2014 para cessar hostilidades militares. Mesmo assim, Moçambique vive surtos de violência cíclicos. A oposição alega fraude eleitoral e nega-se a aceitar os resultados eleitorais.
Só que os membros da oposição também fazem parte da máquina eleitoral, diz Hanlon. "A RENAMO teve todos os seus pedidos atendidos durante as eleições. Foi parte do processo. Nada aconteceu sem que membros desse partido estivessem presentes. Quem poderá dizer se os seus não serão corruptos ou agiram impropriamente?”, questiona.
25.09 Moçambique: Acordo governadores/integração militares - MP3-Mono
Por sua vez, após as declarações do líder da oposição Dhlakama sobre o acordo com a FRELIMO para a eleição dos governadores provinciais a partir de 2019, António Niquice, secretário para a mobilização da FRELIMO, pronunciou-se:
"Queremos saudar esses esforços e enaltecer também o papel que a liderança da RENAMO e de outras forças vivas da sociedade têm estado a desencadear em apoio às iniciativas de Filipe Nyusi.", disse António Niquicem, o secretário para a mobilização da FRELIMO.
Já os partidos mais pequenos ficaram aparentemente de fora do acordo anunciado por Afonso Dhlakama. Joseph Hanlon cita o caso do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) que "deverá continuar como um partido pequeno", mesmo que a eleição directa dos governadores provinciais venha a ser aprovada.
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.