Deslocados abandonam plano agrário do Governo em Moçambique
Lusa
1 de abril de 2017
Atrasos na entrega de sementes levam ao fracasso de projeto-piloto de sustentabilidade alimentar para os deslocados no campo de Vanduzi, em Manica.
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O projeto-piloto de sustentabilidade alimentar começou por envolver 79 famílias (583 pessoas) deslocadas das suas casas em 2016 na sequência no conflito político-militar entre o Governo e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o maior partido da oposição.
Segundo o gestor do centro de acolhimento de Vanduzi, Domingo Janeiro, as famílias receberam porções de um hectare de terra para produzir comida nas vésperas da campanha agrícola 2016/17, mas só receberam as sementes este mês, já na fase de colheitas.
Do grupo inicial, 69 agregados deixaram o projeto do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) com várias críticas.
"Das 79 famílias que tinham recebido machambas, 69 abandonaram o plano de produzir por causa da distância aos campos (quintas) e também por falta de sementes e distribuição tardia pelo Governo" disse Domingo Janeiro, sustentando que as sementes só chegaram na semana passada aos deslocados, já fora da época para agricultura de sequeiro.
A ameaça da fome
Os deslocados entendem que as oito horas diárias que percorrem entre o centro de acomodação aos campos de cultivo e a distribuição, pelo Governo, de semente fora da época, tornam insustentável a campanha agrícola.
"A fome ainda assola de forma severa os deslocados" declarou Domingo Janeiro, admitindo que, com a distribuição tardia das sementes, não se pode esperar nenhuma produção, sobretudo de milho, o que faz com que os deslocados estejam totalmente dependentes do apoio do Governo.
A última distribuição de alimentos foi feita a 15 de fevereiro e até a 24 de março. Os deslocados não haviam sido reabastecidos pelo programa de apoio do INGC, que também não disponibiliza água há mais de um mês.
Entretanto, os deslocados justificam a desistência com a inconsistência do programa agrário do Governo. "Além dos campos estarem demasiado longe, ninguém produz milho nesta época", disse Abel João, que desde setembro de 2016 está no centro com seis membros da sua família.
Milhares de deslocados de guerra, nos seis centros de acomodação abertos na província de Manica continuam indecisos quanto ao regresso a casa, em zonas hostilizadas pelo conflito, enquanto o país vive o segundo prolongamento de dois meses da trégua, até 4 de maio.
Há cada vez mais deslocados no centro de Moçambique
Cerca de 6.000 pessoas estão alojadas em centenas de tendas distribuídas por quatro centros de acomodação do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INCG) nos distritos de Gondola, Vanduzi, Mossurize e Báruè.
Foto: DW/B. Jequete
Fugir à guerra
Mais de mil pessoas chegaram em setembro e outubro de 2016 ao novo centro de acolhimento de Vanduzi, na província de Manica, onde se avolumam as queixas. Fogem do conflito que opõe as forças governamentais aos homens armados da RENAMO, por medo de serem atingidas pelas hostilidades. Dezenas de cidadãos ficaram sem casa na sequência de incêncios provocados por grupos rebeldes.
Foto: DW/B. Jequete
Deslocados de todas as idades
As autoridades abriram o centro de acolhimento de Vanduzi recentemente face ao número crescente de ataques armados na região. Aqui, vivem adultos, idosos, jovens e crianças que foram obrigados a abandonar a escola. Feniasse Mateus está a faltar às aulas. "Viemos para aqui com a família, estou há um mês sem estudar", lamenta.
Foto: DW/B. Jequete
Sem água potável
Em Vanduzi, onde foi acolhida, Fátima Saíde queixa-se das fracas condições, nomeadamente pela inexistência de água potável. "Estamos a sofrer por causa da água, estamos a beber água suja, cheia de capim e de bichos. Têm-nos dado cloro para pormos na água e bebermos". Segundo esta deslocada, a água é retirada de furos tradicionais e charcos.
Foto: DW/B. Jequete
Risco de doenças
A falta de água própria para consumo a somar à falta de condições de higiene preocupa estes milhares de deslocados. Fátima Saíde, teme por exemplo, a eclosão de doenças como a cólera e os surtos de diarreia aguda. Por outro lado, a seca na região agrava as dificuldades.
Foto: DW/B. Jequete
Mais de uma centena de famílias deslocadas em Vanduzi
Os deslocados do novo centro de Vanduzi, criado no início de outubro inicialmente com 125 famílias, são provenientes de Nhamatema, Punguè Sul, Chiuala, Honde, Guta, Mucombedzi, Pina, cruzamento de Macossa, Mossurize, Dombe e Chemba, zonas críticas e agora despovoadas, onde são frequentes relatos de confrontos entre as forças governamentais e o braço armado do principal partido da oposição.
Foto: DW/B. Jequete
Uma fuga pela defesa e segurança
Joaquim Abril Jeque condena o clima de terror no centro do país que, na sua opinião, é culpa dos homens armados da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). "Achámos conveniente fugir à procura de defesa", conta este deslocado. Segundo ele, as ameaças da RENAMO são constantes. "Ameaçam-nos com armas, matam os nossos animais, levam a nossa comida, agridem as nossas mulheres", exemplifica.
Foto: DW/B. Jequete
"Toneladas" de bens de apoio a caminho
Cremildo Quembo, porta-voz do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), diz que as autoridades estão a ajudar como podem as famílias deslocadas, em Vanduzi. "De salientar que este processo de assistência às famílias é contínuo e já estão a entrar toneladas [de bens de apoio] para todos os distritos afetados", garante o responsável.
Foto: DW/B. Jequete
Falta de espaço
Devido à insuficiência de tendas, duas ou mais famílias são obrigadas a conviver na mesma barraca de seis metros quadrados. Rostos tristes e lábios rasgados denunciam a pobreza e a fome. A maioria destes deslocados dependem apenas da distribuição de alimentos do INGC, que definem no entanto como "irregular".
Foto: DW/B. Jequete
Faltar à escola
Para além do trauma e do medo constante, a escalada do conflito interno em Moçambique terá outras consequências no futuro das crianças do centro do país. Chinaira José é uma de várias centenas de estudantes que ao serem obrigados a sair da sua zona de residência têm de faltar às aulas, pondo em risco a sua formação escolar.