Deslocados do terrorismo em Pemba: "É uma vida difícil"
DW (Deutsche Welle)
8 de agosto de 2024
Quinhentas e quarenta famílias deslocadas por causa do terrorismo em Cabo Delgado vivem em Pemba em condições difíceis. Falta de alimentos e habitações precárias são algumas das dificuldades enfrentadas diariamente.
Publicidade
Com o corte do apoio humanitário, cerca de 3300 pessoas vivem de esmolas concedidas por instituições de caridade e pessoas de boa-fé.
Antumane Sabibo é uma das vítimas de terrorismo que fugiu de Pangane, distrito de Macomia, no norte de Moçambique, em 2021, que reside atualmente no bairro municipal de Maringanha, em Pemba. Conta que os dias são duros para si e para mais quatro pessoas que constituem o seu agregado familiar.
"A vida não é normal, estou a viver por viver. Tenho ido à praia apanhar mexilhão, os que apanham peixe miúdo vendem. Como é vou comprar? É uma vida difícil", desabafa.
Apesar das condições em Pemba, que descreve como "dificílimas", Antumane nunca quis regressar a Pangane, a sua zona de origem. Tem traumas do que passou nas mãos dos terroristas quando foi capturado durante um ataque em 2021.
"Quando os terroristas me pegaram, perguntaram se eu já tinha visto alguém baleado. Como tinha muito medo de ser baleado calei-me. Então, nessa altura pegaram num militar e decapitaram-no. E ordenaram-me para que eu não tivesse pena de ninguém", narra Antumane, que questiona ainda: "Como uma pessoa não vai sentir pena vendo outros a morrerem?"
Deslocados vulneráveis
Em conversa com a DW, Mahabubi Dali, oriundo de Quiterajo, também em Macomia desde 2020, reforça o sentimento de vulnerabilidade a que os mais de dois mil deslocados de terrorismo estão sujeitos em Maringanha.
Publicidade
"Na altura que viemos aqui em Maringanha consumíamos alimentos fornecidos pelo Programa Mundial de Alimentação, mas há cerca de dois anos aquilo desapareceu", conta.
Agora, a alternativa de sobrevivência tem sido pedir esmola, relata Mahabubi Dali: "Para podermos ter alimentação é preciso sair daqui para a cidade, pedirmos apoio aos proprietários de estabelecimentos comerciais às sextas-feiras. Também temos outra instituição chamada Arco Íris que nos tem dado farinha e feijão."
Reforço da narrativa extremista para conquistar apoio?
59:48
"A vida está a andar"
Ussene Fernando, secretário do bairro que acolhe as vítimas de terrorismo, reconhece as dificuldades que vivem os deslocados acolhidos em Maringanha. Mas assegura que foram entregues materiais de pesca e terrenos baldios para desenvolvimento de pequenos campos de cultivo para assim minimizar as carências.
"Já temos associações de pesca que beneficiaram de barcos, redes e estão a começar a pescar. Outros já estão a fazer pequenas machambas naqueles terrenos baldios. Isso não chega, mas a vida está a andar", argumenta.
O próprio espaço onde cerca de 540 famílias ergueram as suas cabanas é de uma pessoa singular que decidiu estender a mão a estas vítimas de terrorismo, na sua maioria provenientes de Macomia.
Este distrito está desde o final de julho a registar confrontos pesados envolvendo helicópteros, blindados e homens armados, com relatos de tiroteios em locais considerados como esconderijos destes grupos.
Há operações levadas a cabo pelas Forças de Defesa e Segurança moçambicanas e ruandesas contra os terroristas nas matas de Mucojo, Katupa, Pangane e Quiterajo mais a sul do rio Messalo. Ainda não há informações oficiais sobre o saldo dessas operações.
O rasto do terrorismo em Macomia teima em não desaparecer
O rasto do terrorismo em Macomia teima em não desaparecer
Foto: DW
Quarta invasão
No dia 10 de maio de 2024, um grupo de terroristas invadiu Macomia, naquela que foi a quarta vez consecutiva que aquela vila de Cabo Delgado se viu entregue aos terroristas. Permaneceram na sede distrital por cerca de dois dias. Após confrontos com as tropas moçambicanas e aliados, o grupo armado abandonou a vila. Mas a destruição permanece.
Foto: DW
Rasto de destruição
Ao abandonarem o local, os terroristas deixaram edifícios públicos como registo civil, a direção de infraestruturas e a secretaria distrital completamente vandalizados. Alguns desses locais continuam de porta fechadas. O comércio vai reabrindo a conta-gotas e a medo.
Foto: DW
Agências humanitárias não escaparam
Também os escritórios e infraestruturas que albergam organizações humanitárias como a Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha, entre outras, foram arrasados pelos terroristas. Desses locais, foram subtraídos medicamentos, viaturas e outros bens.
Foto: DW
Reconstrução é urgente
Autoridades governamentais de Cabo Delgado visitaram Macomia no início de junho para avaliar os danos causados pela presença terrorista. Apesar de admitirem que é uma "prioridade repor aquelas infraestruturas para gradualmente os funcionários prestarem os serviços necessários à população", os serviços continuam a funcionar a meio-gás.
Foto: DW
Paz e medo entre os habitantes
A vila tenta regressar à normalidade, mas o clima ainda é de medo. Os residentes reativaram as atividades de autossuficiência, mas não escondem o receio de um novo ataque, preocupação que paira a todo o instante.
Foto: DW
Chitunda, em Muidumbe, sem serviços públicos
Os cerca de 11 mil habitantes que tinham saído do posto administrativo de Chitunda, em Muidumbe, devido à insegurança, voltaram a casa. Mas nenhuma escola ou hospital está neste momento a funcionar, deixando milhares de crianças fora das salas de aula e os residentes sem acesso a cuidados de saúde.
Foto: DW
Governo promete reabrir escolas e hospitais
Para aceder a cuidados de saúde, a população da aldeia de Miangaleua, no posto administrativo de Chitunda, em Muidumbe, recorre ao distrito de Macomia. Mas o governo local garante que em breve os centros de saúde e as escolas na região voltarão a funcionar.
Foto: DW
Chuvas intensas agravaram a fome
A população de Miangaleua, em Muidumbe, que regressa paulatinamente a casa está a dedicar-se à produção agrícola. Porém, as chuvas intensas que caíram entre finais de 2023 e princípios deste ano arrastaram vários hectares de campos agrícolas junto ao rio Messalo. A produção de arroz e de outras culturas perdeu-se, aumentando a fome na região.
Foto: DW
Autoridades exortam população a produzir comida
O governo local ofereceu sementes de milho e feijões, enxadas, catanas e outros materiais de produção para que os camponeses voltem a semear.
Foto: DW
Corrente elétrica em falta
Os habitantes expressam também o desejo de ver restabelecida a corrente elétrica em Macomia, uma vez que as instalações elétricas também foram afetadas pelos ataques terroristas dos últimos anos. Pequenos painéis solares garantem serviços mínimos, mas não permitem a conservação do peixe que é retirado do rio, por exemplo.
Foto: DW
Mais segurança
Os residentes da aldeia de Miangaleua, em Muidumbe, pedem o reforço da presença das Forças de Defesa e Segurança, para que nunca mais tenham de fugir das próprias terras devido ao terrorismo. Mas a ajuda tarda em chegar.