Deslocados em Gorongosa queixam-se de falta de assistência
Arcénio Sebastião (Beira)
10 de fevereiro de 2017
Reassentados acusam ala juvenil da FRELIMO de direcionar bens para membros e simpatizantes do partido no poder em Moçambique. Secretário do bairro admite dificuldades e diz que o Governo está a ajudar, "mas não basta".
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A situação dura há dois meses, de acordo com as famílias reassentadas no centro de Nhantaca 2, na vila sede do distrito de Gorongosa, província de Sofala. Os deslocados queixam-se que deixaram de receber alimentação de distribuição gratuita e a pouca que antes chegava era distribuída pelos jovens da Organização da Juventude Moçambicana (OJM).
Segundo as denúncias, a ala juvenil da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) estará a favorecer os membros e simpatizantes da organização, a quem alegadamente entregavam comida. As restantes famílias seriam obrigadas a pagar algum valor para receber alimentos.
Biscates para sobreviver
A situação obriga alguns deslocados a realizar pequenos trabalhos. "Andamos de casa em casa a pedir biscates e trabalho nas machambas dos nativos na região para sermos pagos em "vembe" (melancia) ou "macaca" (pepino) para comermos. Para termos força para voltar para outras machambas e trabalhar", conta Mauta Bento Francisco.
Deslocados em Gorongosa queixam-se de falta de assistência alimentar e médica
A situação desagrada a quem está no centro por causa do conflito militar. Domingos Chuva diz que estão a viver "à rasca”.
"Percebemos que veio comida do Programa de Alimentação Mundial, mas a comida, da forma que está a ser distribuída não é boa, devia ser distribuída pela estrutura local”, ou seja, pelo chefe da povoação ou secretário do bairro, defende Chuva.
A DW África tentou obter uma reação da OJM às denúncias feitas. O secretário provincial, Lino Chioza, diz apenas que a organização só está no centro de deslocados para prestar apoio na construção de acampamentos e balneários. Segundo Chioza, a distribuição de alimentos é da responsabilidade do Instituto Nacional de Gestão das Calamidades (INGC).
Autoridades confirmam problemas
Avelino Miquitaio, secretário do bairro de reassentados, embora sem falar detalhadamente sobre a distribuição de alimentos, confirma a falta de comida no centro de refugiados. "Estamos a viver bem, mas a fome está a ameaçar-nos. Sabemos que o Governo está a ajudar-nos, mas não basta”.
A assistência médica é também um problema: "Não temos hospital perto do reassentamento. Só temos aquele hospital que está lá na vila."
O porta-voz do Governo Provincial de Sofala, Élcio Canda, adianta que "em que em alguns distritos havia má-fé por parte das instituições que estão ligadas a este processo". Segundo Canda, depois de verificada a situação, "houve um comando para todos os governos distritais assumirem com rigor este processo de modo a garantir que os produtos que estão a ser canalizados aos centros, onde temos esta população, possam ser distribuídos”.
Ainda assim, o porta-voz deixa uma garantia: "Dentro daquilo que é o trabalho que estamos a realizar, asseguramos que as comunidades recebem aquilo que está a ser canalizado."
Fontes ligadas ao INGC revelaram à DW África que uma comitiva da instituição partiu esta semana para a Gorongosa com mantimentos para abastecer o distrito, sob orientação da governadora provincial, Maria Helena Taipo.
Durante o conflito de 2013 a 2014, o centro de deslocados de Nhataca 2 albergou mais de 200 famílias. O número cresceu no final de 2016 devido a novos confrontos com maior enfoque no posto administrativo de Vunduzi e em outros pontos do distrito de Gorongosa.
Há cada vez mais deslocados no centro de Moçambique
Cerca de 6.000 pessoas estão alojadas em centenas de tendas distribuídas por quatro centros de acomodação do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INCG) nos distritos de Gondola, Vanduzi, Mossurize e Báruè.
Foto: DW/B. Jequete
Fugir à guerra
Mais de mil pessoas chegaram em setembro e outubro de 2016 ao novo centro de acolhimento de Vanduzi, na província de Manica, onde se avolumam as queixas. Fogem do conflito que opõe as forças governamentais aos homens armados da RENAMO, por medo de serem atingidas pelas hostilidades. Dezenas de cidadãos ficaram sem casa na sequência de incêncios provocados por grupos rebeldes.
Foto: DW/B. Jequete
Deslocados de todas as idades
As autoridades abriram o centro de acolhimento de Vanduzi recentemente face ao número crescente de ataques armados na região. Aqui, vivem adultos, idosos, jovens e crianças que foram obrigados a abandonar a escola. Feniasse Mateus está a faltar às aulas. "Viemos para aqui com a família, estou há um mês sem estudar", lamenta.
Foto: DW/B. Jequete
Sem água potável
Em Vanduzi, onde foi acolhida, Fátima Saíde queixa-se das fracas condições, nomeadamente pela inexistência de água potável. "Estamos a sofrer por causa da água, estamos a beber água suja, cheia de capim e de bichos. Têm-nos dado cloro para pormos na água e bebermos". Segundo esta deslocada, a água é retirada de furos tradicionais e charcos.
Foto: DW/B. Jequete
Risco de doenças
A falta de água própria para consumo a somar à falta de condições de higiene preocupa estes milhares de deslocados. Fátima Saíde, teme por exemplo, a eclosão de doenças como a cólera e os surtos de diarreia aguda. Por outro lado, a seca na região agrava as dificuldades.
Foto: DW/B. Jequete
Mais de uma centena de famílias deslocadas em Vanduzi
Os deslocados do novo centro de Vanduzi, criado no início de outubro inicialmente com 125 famílias, são provenientes de Nhamatema, Punguè Sul, Chiuala, Honde, Guta, Mucombedzi, Pina, cruzamento de Macossa, Mossurize, Dombe e Chemba, zonas críticas e agora despovoadas, onde são frequentes relatos de confrontos entre as forças governamentais e o braço armado do principal partido da oposição.
Foto: DW/B. Jequete
Uma fuga pela defesa e segurança
Joaquim Abril Jeque condena o clima de terror no centro do país que, na sua opinião, é culpa dos homens armados da RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). "Achámos conveniente fugir à procura de defesa", conta este deslocado. Segundo ele, as ameaças da RENAMO são constantes. "Ameaçam-nos com armas, matam os nossos animais, levam a nossa comida, agridem as nossas mulheres", exemplifica.
Foto: DW/B. Jequete
"Toneladas" de bens de apoio a caminho
Cremildo Quembo, porta-voz do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), diz que as autoridades estão a ajudar como podem as famílias deslocadas, em Vanduzi. "De salientar que este processo de assistência às famílias é contínuo e já estão a entrar toneladas [de bens de apoio] para todos os distritos afetados", garante o responsável.
Foto: DW/B. Jequete
Falta de espaço
Devido à insuficiência de tendas, duas ou mais famílias são obrigadas a conviver na mesma barraca de seis metros quadrados. Rostos tristes e lábios rasgados denunciam a pobreza e a fome. A maioria destes deslocados dependem apenas da distribuição de alimentos do INGC, que definem no entanto como "irregular".
Foto: DW/B. Jequete
Faltar à escola
Para além do trauma e do medo constante, a escalada do conflito interno em Moçambique terá outras consequências no futuro das crianças do centro do país. Chinaira José é uma de várias centenas de estudantes que ao serem obrigados a sair da sua zona de residência têm de faltar às aulas, pondo em risco a sua formação escolar.