Desmatamento ilegal na Guiné-Bissau é milionário
9 de maio de 2014 A DW África flagrou o fenômeno que cresceu em proporção após o golpe militar de abril de 2012. O desmatamento é considerado criminoso pelas comunidades das tabancas e ninguém fala sobre o assunto para a imprensa com medo de ser morto ou torturado por quem está por trás do esquema.
Em meados de abril, na última semana de campanha, dezenas de caminhões com contentores faziam fila na Avenida Amílcar Cabral e se acumulavam nas ruas adjacentes. Trata-se de uma das principais vias da cidade, entre o Palácio do Governo e o porto.
Conforme ambientalistas e autoridades florestais guineenses, todos os contentores carregavam troncos de madeira para serem exportados principalmente para a China. O diretor-geral do Serviço de Floresta e Fauna, Luís Olundo Mendes, garante que a madeira sai legalmente do porto.
“Nós trabalhamos com a Guarda Nacional. Eles fiscalizam e nós certificamos a madeira. Temos hoje 13 serrações com licença para desmatar de forma controlada”, explica Mendes.
A controvérsia
A reportagem apurou que, em 2010, saíram 15 contentores de madeira do porto de Bissau. O número foi crescendo ao longo dos anos, até chegar, em 2013, a 409 – um aumento de quase 30 vezes em três anos.
O principal alvo deste negócio milionário é o Pau de Sangue - uma árvore de grande porte, que pode chegar a 30 metros de altura. Conforme informações levantadas por ativistas junto à alfândega chinesa, cada contentor com troncos desta árvore vale o equivalente a 17,7 mil euros.
Um morador de Kebu, no Sul do país, a 230 quilômetros de Bissau, afirma que muitos grupos de extratores surgem nas tabancas com alegadas licenças de corte. “As pessoas aparecem com papéis e motosserras”, diz o homem que não quer ser identificado.
Como os responsáveis pelo desmatamento apresentam documentos, os moradores não reagem. “Eles levam os contentores [com madeira] para Bissau e não podemos dizer nada.”
Os extratores vão diretamente aos chefes das tabancas. Nestas ocasiões, os delegados florestais das regiões - que por exigência legal, deveriam acompanhar a derrubada das árvores - não aparecem.
Falta de chuva
No Norte do país, a devastação se repete. A 70 quilômetros de Bissau, na região de Oio, os agricultores protestam. “Nós consideramos lamentável a forma como está sendo realizado o corte das árvores nas florestas”. Segundo o agricultor, até 40 contentores por dia são carregados.
Conforme os moradores, quando chegam na tabanca, os grupos de extratores oferecem dinheiro à população. “Se houver resistência, as pessoas são agredidas. Dão o equivalente a 75 euros para a comunidade. Cortam apenas árvores grandes, principalmente o Pau de Sangue”, explica.
Os moradores revelam o boato de que o desmatamento vai acabar depois das eleições. “Se encontrássemos pessoas que nos ajudassem, seria bom porque nosso futuro está em causa. Algumas árvores que estão sendo levadas servem para a medicina tradicional. Se todas forem levadas para a China, qual será o futuro dos nossos filhos?", pergunta outro agricultor.
Ao contrário de outras regiões, onde são identificados extratores de Conacry e da Gâmbia, no Leste do país, em Cossé, a 150 quilômetros de Bissau, moradores falam em mão de obra guineense.
“Eles dizem que já falaram com a Guarda Nacional e chegam com documentos, mas nós resistimos. Se autoridades de alto nível vierem aqui, aí vamos respeitar”, explica o chefe de uma tabanca de Cossé.
Os agricultores acreditam que a consequência do corte das árvores é a falta de chuva. “Nós somos agricultores e agricultor sem chuva não pode produzir. Mas nós vamos resistir”, diz.
Protestos silenciados
Duas semanas depois, a reportagem da DW África esteve no Leste. Apesar da resistência anunciada pela comunidade, o corte já havia começado. Um morador da zona urbana de Bafatá mostrou uma área onde havia restos de tronco que foram carregados para contentores há alguns dias.
Ele confirma que população está sendo ameaçada para não falar sobre o assunto. “Antes houve alguns protestos, mas agora as pessoas estão sendo ameaçadas. Ninguém mais fala nada nem se opõe”, diz.
Ao longo da rodovia que liga Bafatá a Bissau, podem ser percebidos os vestígios da pressa para a extração e exportação dos troncos ainda antes das eleições. Até contentores estão caídos à beira da rodovia.
Em outro ponto da estrada, um caminhão está parado no meio do asfalto. O motor fundiu e a cabine incendiou quando retornava do porto para buscar mais madeira no interior do país. No centro de Bissau, os caminhões fazem fila para deixar contentores no navio.
Os troncos das árvores não ficam à mostra, mas o cheiro do produto pode ser sentido ao longo da Avenida Amílcar Cabral.
Prazo para a venda
Um ex-funcionário de um serviço de investigação do Estado conta que o ritmo intenso da extração de troncos antes das eleições tem uma explicação.
“O Estado atual da Guiné-Bissau não é legal. A intensificação do corte se deve ao enriquecimento rápido que eles querem alcançar enquanto estão no governo. Este corte abusivo de madeira começou com os militares. Todos os troncos são enviados para a China”, diz o ex-agente.
O diretor-geral do Serviço de Floresta e Fauna, Luís Olundo Mendes, muitas comunidades escondem as pessoas que derrubam as árvores. “Os próprios cidadãos guineenses são culpados pelo desmatamento ilegal. Apreendemos no ano passado 100 contentores ilegais”, diz.
Licenças alugadas
Hoje em dia, quem quer cortar madeira na Guiné-Bissau pode alugar uma licença. Um cidadão com conexões com o governo revelou à reportagem que não conseguiu pagar pelo empréstimo de uma licença.
Ele disse que é necessário pagar uma quantia para o dono da licença e também pagar os cortadores no mato para participar do negócio.
“Mas eu comecei a hesitar entrar no negócio porque surgiu um alerta que, seja o corte legal ou ilegal, mais cedo ou mais tarde, a justiça vai pegar os envolvidos. Além disso, já é tarde. Pode ser que o próximo governo pare com isto.”
A mesma fonte da reportagem diz que a venda de dois contentores garante o sustento de uma família na Guiné-Bissau por alguns meses. “Muitos que entraram no negócio irregular estão ricos”, diz.
Para ele o corte ilegal está tão elevado devido ao momento que o país vive. “Não há controle, não há Estado. Cada um faz o possível para sobreviver. Só quem tem serração pode conseguir esta licença. Mas agora todo mundo está no mato”, salienta.
Ele diz que quem não tem licença, às vezes, pode ter cobertura até de “um alto dirigente” para fazer a extração dos troncos.
“Se consegue ter um parceiro que tenha uma licença de corte, é só você procurar a sua zona onde tenha pó de sangue, a madeira mais procurada. Ele te dá a cobertura e depois você pode cortar. Até três contentores já é um bom negócio, os chineses vem e compram”, explica.
Conforme pessoas que tentaram, mas não conseguiram entrar no esquema, os cortadores ganham até três euros por tronco. “Dois contentores cheios de troncos vale o equivalente a 11,4 mil euros. Se for levado até o porto vale quase o dobro. Se conseguir exportar é muito mais dinheiro”, explica a fonte.
Os apelos
O embaixador da China na Guiné-Bissau, Yan Banghua, disse que a China não vai fazer negócios ilegais com o país africano. “Temos que respeitar todas as leis e regras vigentes neste país. Sempre mantemos boa cooperação com o governo, com as autoridades e com este povo para trabalharmos juntos.”
A mídia guineense se calou por medo de represália. Alguns cidadãos, no entanto, coletaram informações e lançaram no fim de março um panfleto anônimo sobre o desmatamento ilegal de troncos.
Conforme o documento, o negócio gerou em 2013 mais de 7,2 milhões euros – um montante que poderia pagar parte dos quatro meses de salários atrasados dos servidores públicos.
O representante do secretário-geral da ONU, José Ramos-Horta, visitou um local onde as madeiras estão sendo cortadas. Ele acredita que a comunidade internacional vãi se levantar contra a questão.
“Em particular, organizações não-governamentais especializadas na área de proteção do meio ambiente, com as quais eu já estou em contato. Vamos fazer uma campanha internacional para denunciar esta barbaridade que está a acontecer contra a natureza na Guiné-Bissau.”