Desorganização e falhas no petróleo levam Angola à recessão
Ana Tereza May
14 de outubro de 2021
Falta de sinergia entre programas de recuperação, dependência do petróleo e desperdício de potencial: esta terá sido a receita para a queda da economia angolana prevista pelo FMI, segundo o economista Alves da Rocha.
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A falta de interligação dos programas governamentais de recuperação da economia é uma das razões pelas quais Angola continua com crescimento negativo, explica o economista Manuel José Alves da Rocha. Segundo as previsões do FMI divulgadas esta semana, o país terá uma queda de 0.7% na economia. A confirmar-se, será o sexto ano consecutivo de recessão.
Em 2020, Angola já tinha registado um crescimento negativo de 5.4%, apesar do aumento do valor do barril de petróleo, sendo este o principal produto exportado pelo país.
Segundo o pesquisador do Centro de Estudos da Universidade Católica de Angola, o Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição (PRODESI), o Projecto de Apoio ao Crédito (PAC), o Programas de promoção da empregabilidade (PAPE) e o Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) entre outros, não funcionam em conjunto, o que implica a "perda de muitos recursos financeiros" e uma "desorganização” administrativa que não gera resultados positivos à economia.
Alves da Rocha explica ainda que apesar de o preço do barril do petróleo estar a aumentar e desse continuar a ser o principal produto exportado pelo país, a economia angolana não deve recuperar tão cedo. Angola, diz o economista, continua dependente do petróleo, mas não conseguiu acompanhar o valor de venda no mercado internacional, porque "a produção tem vindo a diminuir, as petrolíferas não fizeram investimentos de exploração e de investigação [...] o que faz com que Angola não consiga aproveitar todo o seu potencial".
Diversificação do mercado energético
Segundo o relatório do Angola Fórum 2020: Sustentabilidade e Inclusão na Recuperação e Reforma Económica, promovido pelo centro de pesquisa Chatham House, a principal fonte de energia do país não são os combustíveis fósseis. O documento ressalta que o país tem "potencial significativo para um melhor aproveitamento de energia renovável, particularmente capacidade de energia solar, eólica e hídrica", mas que isso depende de investimento do Governo.
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Alves da Rocha lembra que apesar de os projetos implementados pelo Executivo, como o PAC, o PAPE, o PIIM, o PRODESI visarem diversificar a economia, essa ainda não é uma realidade no país. "São projetos cujos efeitos catalizadores e sobre o crescimento económico vão demorar a aparecer", salienta.
O FMI prevê um crescimento de 2.4% da economia angolana em 2022, apesar do baixo investimento privado nacional e do crescimento da pobreza e desemprego. O relatório do Angola Fórum destaca que é preciso repensar a economia e os programas que não geram impacto na vida da população, buscando gerar diálogo e estrutura para que isso aconteça.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".