Credores dizem que Maputo não tem de pagar empréstimos
Leonel Matias (Maputo)
30 de junho de 2017
Os detentores dos títulos da dívida de Moçambique consideram que o Governo não é obrigado a pagar os empréstimos contraídos pelas empresas estatais. RENAMO e analista lembram que ainda é preciso responsabilizar culpados.
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O grupo de detentores da dívida de Moçambique considera que as conclusões da recente auditoria internacional independente realizada pela consultora Kroll, da Comissão Parlamentar de Inquérito e do relatório do Tribunal Administrativo isentam o Governo da garantia estatal dada aos empréstimos.
"Rejeitar estas garantias e liquidar a ProIndicus, a Moçambique Asset Management (MAM) e a Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) é a reestruturação adequada para limpar o sistema, isolar a balança de pagamentos de mais responsabilidades e reestruturar o acesso ao financiamento externo", lê-se numa declaração dos credores, citada pela Bloomberg.
As três empresas contraíram empréstimos com garantias do Estado sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais, em 2013 e 2014, num valor calculado em cerca de dois mil milhões de dólares.
Estima-se que com a decisão dos detentores dos títulos da dívida, o Governo teria um aumento de capacidade financeira para servir a dívida no valor de 850 milhões de dólares nos próximos cinco anos. A perda seria suportada por quem emprestou o dinheiro às referidas empresas moçambicanas.
Responsabilizar os culpados
O deputado António Muchanga, porta-voz da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o maior partido da oposição, disse à DW África que, a ser verdade, esta seria uma boa decisão, mas não é suficiente.
"O que eu gostaria era de ouvir o Credit Suiss e a VTB [os dois bancos que concederam os empréstimos] a dizer que Moçambique já não tem dívidas", afirma António Muchanga, "e que eles próprios se responsabilizam em arranjar o comprador das sucatas que mandaram vir para Moçambique e resolvam o problema com os aldrabões, sem a entrada do Governo".
30.06.2017 Moçambique:Detentores da dívida.... - MP3-Mono
A confirmar-se , afirma o analista Alexandre Chiure, "seria um grande presente para o povo moçambicano, que já está cheio de dificuldades". Seria "um grande alívio para o bolso do cidadão e também para o próprio país, que neste momento se ressente muito desta situação do ponto de vista de crescimento económico", sublinha.
António Muchanga defende que, independentemente de qualquer desenvolvimento que se possa registar em relação ao pagamento das dívidas ocultas, a justiça moçambicana deve prosseguir com as investigações sobre os contornos dos empréstimos. "Aqueles que usaram o bom nome da República de Moçambique devem ser chamados à responsabilidade", sublinha o deputado da RENAMO.
Alexandre Chiure concorda que é preciso deixar a justiça continuar a fazer o seu trabalho. O analista lembra a que a perda de confiança por parte dos parceiros internacionais não se repara com uma declaração como a que acaba de ser feita pelos detentores dos títulos da divida moçambicana.
"É preciso penalizar as pessoas para que sirva de exemplo àqueles que estão neste momento à frente do país", defende ainda o especialista. "As coisas têm de ser feitas como mandam as regras", conclui.
Moçambique: centenas de pessoas marcham contra a situação política e económica
Centenas de moçambicanos marcharam no dia 18 de junho de 2016 em Maputo contra a situação política e económica do país. A manifestação foi convocada pela sociedade civil para exigir esclarecimentos ao Governo.
Foto: picture alliance/dpa/A. Silva
Pela Avenida Eduardo Mondlane rumo à Praça da Independência
"Pelo direito à esperança" foi o mote da manifestação que reuniu centenas de pessoas no centro de Maputo, no sábado dia 18 de junho de 2016. Os manifestantes exigem o fim do conflito político-militar entre o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o esclarecimento da dívida pública e mais liberdade de expressão.
Foto: picture alliance/dpa/A. Silva
"A intolerância política mata a democracia"
Em entrevista à DW África, Nzira de Deus, do Fórum Mulher, uma das organizações envolvidas, afirma que a liberdade dos moçambicanos tem sido muito limitada nos últimos meses. "É preciso deixar de intimidar as pessoas, deixarem as pessoas se expressarem de maneira diferente, porque eu acho que é isso que constrói o país. Não pode haver ameaças, não pode haver atentados", diz Nzira.
Foto: DW/L. Matias
De preto ou branco, manifestantes pedem paz
Com camisolas pretas e brancas e cartazes com mensagens de protesto, centenas de moçambicanos mostram o seu repúdio à guerra entre o Governo e a RENAMO, às dívidas ocultas e às valas comuns descobertas no centro do país. Num percurso de mais de dois quilómetros, entoaram cânticos pela liberdade e pela transparência.
Foto: DW/L. Matias
"Valas comuns são vergonha nacional"
Recentemente, foram descobertas valas comuns na zona central de Moçambique. Uma comissão parlamentar enviada ao local para averiguações nega a sua existência. Alguns dos corpos encontrados foram sepultados sem ter sido feita uma autópsia, o que dificulta o conhecimento das causas das suas mortes.
Foto: DW/L. Matias
"É necessário haver um diálogo político honesto e sincero"
Nzira de Deus considera que a crise política que Moçambique enfrenta prejudica a situação do país e defende que “haja um diálogo político honesto e sincero e que se digam quais são as questões que estão em causa". Para além da questão da dívida e da crise política, os manifestantes estão preocupados com as liberdades de expressão e imprensa.
Foto: DW/L. Matias
Ameaças não vão amedrontar o povo
No manifesto distribuído ao público e lido na estátua de Samora Machel, na Praça da Independência, as organizações da sociedade civil exigiram à Procuradoria-Geral da República uma auditoria forense à dívida pública. "Nós queremos que o ex-Presidente [Armando Guebuza] e o seu Governo respondam por estas dívidas", declarou Alice Mabota, acrescentando que as ameaças não vão "amedrontar o povo".
Foto: DW/L. Matias
Sociedade Civil presente
A manifestação foi convocada por onze organizações da sociedade civil moçambicana. Entre as ONGs que organizaram a marcha encontram-se a Liga dos Direitos Humanos (LDH), o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o Observatório do Meio Rural, o Fórum Mulher e a Rede HOPEM.