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"Devemos opor-nos à praga do racismo"

Marcel Fürstenau | Reuters | cvt
30 de maio de 2018

Há 25 anos, cinco raparigas nascidas na Turquia morreram num incêndio, no oeste da Alemanha. Extremistas de direita atearam fogo à casa onde viviam. Autoridades recordaram a tragédia esta terça-feira.

Foto: Imago/Tillmann Pressephotos

Há 25 anos, a xenofobia tirou a vida a cinco pessoas na Alemanha. Cinco raparigas de origem turca, com idades entre os quatro e os 27 anos, morreram num incêndio em Solingen, no estado da Renânia do Norte-Vestefália. Durante a noite, a 29 de maio de 1993, extremistas de direita atearam fogo à sua casa.

Mevlüde Genç sobreviveu. Mas 25 anos depois, ainda sente muita dor pela perda de duas filhas, duas netas e uma sobrinha.

"Num mundo de luz, vivo no escuro porque a minha dor é muito grande. Eu tinha 49 anos quando aconteceu e perguntava-me se a dor diminuiria com o passar do tempo. Mas a dor não alivia. Quanto mais se envelhece, mais ela cresce no coração", disse Genç esta terça-feira (30.05) durante um evento em memória do ocorrido.

O ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Mevlüt Cavusoglu, também participou nas cerimónias na Alemanha. No seu discurso, foi conciliador apesar das tensões políticas entre Berlim e Ancara.

"Temos de trabalhar em conjunto pela integração. A nossa tarefa é tirar a lição certa desta catástrofe. Devemos opor-nos à praga do racismo e fazer tudo o possível para tomar medidas eficazes contra a xenofobia", afirmou.

Segundo a chanceler alemã, Angela Merkel, "os limites da liberdade de expressão são testados deliberadamente com demasiada frequência, quebra-se despreocupadamente tabus, que são usados como instrumento político".

"Não é provocação, é brincar com o fogo. Porque quem semeia violência com palavras arrisca-se a colher violência", frisou Merkel.

Memorial a vítimas de incêndio de 1993 em SolingenFoto: DW/B. Özay

Onda de xenofobia nos anos 90

Solingen foi o ponto alto de uma onda de ataques nos anos 90 contra estrangeiros na Alemanha e aconteceu três dias depois de o Parlamento alemão restringir o direito de asilo no país.

Na altura, a coligação governamental dos conservadores (CDU/CSU) e dos liberais (FDP) mudou a Constituição com o apoio dos social-democratas (SPD), na oposição. Com base no Artigo 16º da Constituição, existia, até então, um direito ilimitado de asilo na Alemanha. E, com a sua abolição, os partidos responderam ao aumento maciço do número de requerentes de asilo desde o final dos anos 80.

Durante muito tempo, esse número ficou muito abaixo dos 100 mil. Em 1990, foram feitos quase 200 mil pedidos e, dois anos depois, mais do que o dobro (438.191).

A onda de xenofobia cresceu em várias partes da Alemanha. As causas foram múltiplas. No leste do país, na área da antiga República Democrática Alemã (RDA), a economia, controlada anteriormente pelo Estado, entrou em colapso após a reunificação.

Milhões de pessoas ficaram desempregadas ou sentiam-se como cidadãos de segunda classe e muitos encaravam os cidadãos estrangeiros com desconfiança, incluindo cidadãos que vieram nos tempos da República Democrática Alemã (RDA) como trabalhadores contratados.

Mevlüde Genç (centro) na cerimónia em memória das vítimas do incêndio de SolingenFoto: picture-alliance/dpa/M. Becker

Ataques

Os ataques de motivação racista, muitas vezes mortais, eram frequentes. Por exemplo, um cerco a um prédio onde viviam estrangeiros, na sua maioria vietnamitas, na cidade de Rostock, em agosto de 1992, fez manchete em todo o mundo. Sob o aplauso de uma multidão, centenas de extremistas atearam fogo ao prédio. Que ninguém tenha morrido, foi pura sorte.

Anetta Kahane, diretora da Fundação Amadeu António, uma organização que luta contra o racismo baseada em Berlim, encontra paralelos com os dias de hoje.

"O debate sobre quantos refugiados podem entrar [na Alemanha] está relacionado com a questão de saber se já não existe muita rejeição. Essa mistura e o facto de que os refugiados eram vistos como intrusos, estrangeiros, corpos estranhos e assim por diante tem envenenado muito os ânimos", afirma.   

Apenas algumas semanas após a reunificação alemã, esse clima de xenofobia também custou a vida de Amadeu António, que dá nome à fundação.

"Devemos opor-nos à praga do racismo"

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Nascido em Angola, Amadeu António foi espancado até a morte em novembro de 1990 por um grupo de jovens extremistas de direita, armados com tacos de basebol, em Eberswalde, nos arredores de Berlim. Cinco dos autores foram condenados a um máximo de quatro anos de prisão; alguns livraram-se da condenação.

Os juízes aplicaram penas mais duras após o incêndio criminoso de Solingen, há 25 anos. Os atacantes, entre os 16 a 23 anos de idade, foram rapidamente identificados e sentenciados em 1995 a penas de prisão de dez a 15 anos por homicídio triplo, tentativa de assassinato e incêndio especialmente grave.

"Solingen vai incidir como o ponto alto da xenofobia nos livros de história da Alemanha do pós-guerra", disse o advogado Rainer Brüssow, que representou a família Genç.

Anetta Kahane, da Fundação Amadeu António, gostaria que os partidos não tivessem alterado os direitos de asilo, em 1993.

"As coisas funcionaram assim: se as pessoas reagem de forma tão racista aos migrantes, então é preciso garantir que não entram tantos. E isso foi um sinal muito mau", conclui.

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