Dez candidatos exigem anulação das presidenciais na RCA
Lusa
6 de janeiro de 2021
Dez candidatos às presidenciais na República Centro-Africana, vencidas por Faustin Touadéra, pedem a anulação do escrutínio. Dizem que metade dos eleitores não participou no processo marcado por "irregularidades".
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Na segunda-feira (04.01), a Autoridade Nacional Eleitoral (ANE), responsável pela organização do escrutínio, declarou a reeleição de Faustin Archange Touadéra, com 53,92% dos votos, mas o resultado tem ainda de ser certificado pelo Tribunal Constitucional.
"Pedimos a anulação e a repetição das eleições" presidenciais e legislativas de 27 de dezembro, afirmaram dez candidatos da oposição numa declaração conjunta citada pela agência noticiosa France-Presse (AFP).
No dia da dupla votação, esta só pôde se realizada em cerca de metade das mesas de voto no país que enfrenta um conflito interno há oito anos e onde dois terços do território é controlado por grupos armados.
"Irregularidades e fraudes"
Os candidatos opositores apontaram "numerosas irregularidades que marcaram as eleições", incluindo isenções concedidas pela ANE - como a votação fora do círculo eleitoral - e que "de um total de 1.858.436 milhões de eleitores registados, apenas 695.019 puderam votar, correspondendo a uma taxa de participação de 37% e não de 76,31% anunciada" pela autoridade eleitoral.
"Não reconhecemos os resultados publicados pela ANE", acrescentam os signatários, entre os quais se incluem os antigos primeiros-ministros Anicet Georges Dologuélé e Martin Ziguélé, os dois candidatos mais votados depois de Touadéra.
Fugir da violência na República Centro-Africana
05:45
À AFP, o relator geral da ANE, Théophile Momokoama, afirmou que em quase metade das mesas de voto, "a votação não pôde ter lugar, ou os boletins de voto foram destruídos".
O líder da oposição, Anicet Georges Dologuelé, da União para a Renovação Centro-Africana (URCA), ficou em segundo lugar, com 21,01% dos votos, tendo considerado, ainda na segunda-feira, que os resultados são "uma farsa" e que "houve muitas irregularidades e fraudes".
"Não dou crédito a estes resultados, é uma farsa, uma vergonha para o nosso país", acrescentou Martin Ziguélé, que ficou em terceiro lugar, com 7,46%.
Thierry Vircoulon, especialista em África Central do Instituto Francês de Relações Internacionais, considerou que esta eleição "é um enorme passo atrás em relação às eleições de 2016".
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Maioria presidencial eufórica
Por seu lado, a maioria presidencial está eufórica. "Os resultados estão anunciados, só posso regozijar-me, como todos aqueles que apoiaram o Presidente, e é um voto de rejeição da violência", afirmou o porta-voz do Governo, Ange-Maxime Kazagui, que defende que as eleições são "credíveis".
A União Africana, a União Europeia, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Comunidade Económica dos Estados da África Central, que investiram milhões de dólares na organização do ato eleitoral, elogiaram "a determinação dos centro-africanos em exercer o seu direito de voto, apesar dos muitos obstáculos", numa declaração conjunta, "tomando nota dos resultados provisórios".
A Rússia, que tem sido um forte apoiante de Faustin Archange Touadéra há mais de dois anos, também ficou satisfeita: "Manifestamos a esperança de que a realização bem-sucedida das eleições contribua para a normalização da situação no país", com "todas as forças políticas" e num "espírito construtivo", comentou o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.
Em 19 de dezembro, uma coligação dos principais grupos armados, que já partilham dois terços do país, prometeu "tomar o controlo de todo o país". Touadéra disse imediatamente tratar-se de uma "tentativa de golpe de Estado", sob as ordens de François Bozizé, que foi derrubado em 2013 e cuja candidatura a estas eleições foi anulada pelo Tribunal Constitucional.
A RCA mergulhou no caos e na violência em 2013, após o derrube do então Presidente François Bozizé, por grupos armados juntos na Séléka, o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas na anti-Balaka. Desde então, o território centro-africano tem sido palco de confrontos comunitários entre estes grupos, que obrigaram quase um quarto dos 4,7 milhões de habitantes da RCA a abandonarem as suas casas.
Antigas crianças-soldado lutam agora contra o coronavírus
A guerra civil na República Centro-Africana (RCA) envolveu milhares de crianças em grupos armados. Aquelas que tiveram a sorte de escapar estão agora a ajudar vizinhos a protegerem-se da pandemia de Covid-19.
Foto: Jack Losh
Coronavírus: Um novo inimigo
Uma equipa de antigas crianças-soldados e crianças de rua cava um poço para beneficiar moradores de um bairro pobre na capital da República Centro-Africana, Bangui. Os jovens ajudam a melhorar a higiene em áreas onde moradores vivem amontoados. O projeto da UNICEF instalou poços para 25 mil pessoas e começou antes de o coronavírus chegar à região. Agora ajuda a RCA a lutar contra a pandemia.
Foto: Jack Losh
Perfuração pela paz
Um jovem pressiona um mecanismo que os seus companheiros giram manualmente para perfurar um poço. O projeto da UNICEF é também uma forma de reabilitação social, porque oferece aos adolescentes um trabalho remunerado enquanto superam o passado violento. Também encoraja a comunidade a aceitá-los de volta. O programa foi criado em 2015, e agora integra o plano de resposta ao coronavírus.
Foto: Jack Losh
Trabalho sujo
Crianças-soldados agacham-se para retirar a terra à mão. Existem mais de 3,9 mil casos confirmados de coronavírus na RCA, embora a limitação de testes no país leve a crer que o número real seja maior. O grupo de trabalho de escavação de poços acelera a instalação de novos tubos e furos a nível nacional. Quase 80% dos lares na RCA não dispõem de instalações para lavagem das mãos.
Foto: Jack Losh
Corações e mentes vencedoras
Crianças reúnem-se para observar a escavação dos poços. As antigas crianças-soldados enfrentam rejeição - o que pode aumentar as suas hipóteses de serem novamente recrutadas. As intervenções que promovem a aceitação são cruciais. Como explicou uma delas: "Este trabalho pode mudar a minha vida. Finalmente tenho algum dinheiro. E estou a ajudar estas comunidades e o meu país".
Foto: Jack Losh
Terra marcada
Sepulturas não marcadas na periferia de Bossangoa, no noroeste da RCA. Civis massacrados no conflito foram enterrados aqui. Após décadas de instabilidade, a guerra eclodiu em 2013, quando uma aliança principalmente muçulmana de grupos rebeldes, a Séléka, varreu o país e derrubou o Presidente. Em resposta, comunidades cristãs e animistas mobilizaram-se para formar as milícias "anti-balaka".
Foto: Jack Losh
Acordo de paz desgastado
Um soldado rebelde da "FPRC" fica de guarda num posto de controlo no norte da RCA. Os rebeldes controlam grande parte do país e - apesar da assinatura de um acordo de paz em fevereiro passado entre o governo e 14 grupos armados - a instabilidade persiste. Nos últimos meses, intensificaram-se confrontos entre grupos armados rivais pelo controlo da zona rica em minerais.
Foto: Jack Losh
"Crianças, não soldados"
Uma placa de sinalização da UNICEF em Bossangoa alerta contra o recrutamento de crianças em conflitos armados. Entre 2014 e 2019, mais de 14,5 mil crianças-soldado foram libertadas das milícias da RCA. No entanto, estima-se que 5,550 crianças permaneçam nas mãos de grupos armados. Muitas são vítimas de abuso sexual, outras são combatentes e outras servem como cozinheiras, guardas ou mensageiras.
Foto: Jack Losh
Educação contra estatísticas
Crianças reúnem-se dentro de uma sala de aula improvisada debaixo de lonas, num acampamento para famílias deslocadas pelo conflito em Kaga Bandoro. Mais de 1,3 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Em média, uma em cada cinco crianças não frequenta a escola. Mas nas áreas mais afetadas, o número chega a quatro em cada cinco.
Foto: Jack Losh
Civis sitiados
Uma força de manutenção da paz da ONU dirige-se em patrulha por um campo de deslocados na cidade de Bria, no leste, capturada por rebeldes. Uma placa à entrada adverte guerrilheiros sobre a entrada de armas. As condições apertadas e insalubres de campos como estes também aumentam o risco de propagação do coronavírus.
Foto: Jack Losh
Resiliência face à guerra
Os civis sentam-se na parte de trás de um camião enquanto conduzem através do território detido pela facção FPRC no nordeste da RCA. A ONU adverte que o país está muito mal preparado para fazer face a um surto de coronavírus. O conflito complexo e sectário devastou o fraco sistema de saúde da RCA e forçou o pessoal médico a fugir. Atualmente, metade da população depende do apoio humanitário.
Foto: Jack Losh
Uma luta penosa
Uma criança leva água e passa por um soldado das forças de manutenção da paz perto de um campo de deslocados em Bria, uma área controlada por rebeldes. O ACNUR está a instalar pontos de água nos campos e explica aos residentes a importância da lavagem das mãos. Encarregados pela ajuda humanitária advertiram que há pouco recurso para satisfazer as necessidades da população.
Foto: Jack Losh
Tentar manter a paz
Mulheres passam por um veículo blindado da ONU, que foi retido por rebeldes em Kaga Bandoro. Há receios de que a Covid-19 intensifique as tensões entre as comunidades, gerando aumento de preços e paralisando o fornecimento de ajuda. Com as eleições presidenciais marcadas para dezembro, este é um ano crucial para a RCA. Observadores temem que as hostilidades aumentem na campanha eleitoral.
Foto: Jack Losh
Atacar violadores
Os adolescentes jogam futebol num campo de terra, numa área para deslocados em Kaga Bandoro. Embora os números possam ser muito mais elevados, mais de 500 violações graves dos direitos da criança foram relatadas no ano passado. Estão em curso esforços para levar os senhores da guerra à justiça, mas a corrupção generalizada torna tudo mais difícil.
Foto: Jack Losh
Um lampejo de esperança
Antigas crianças-soldados terminam a perfuração do seu novo poço em Bangui. A terapia profissional está fora do alcance de muitos por aqui. Mas projetos como este ajudam a lidar com sentimentos de vergonha e de culpa e a criar uma sensação de normalidade. Embora não seja de modo algum uma solução perfeita, iniciativas de base como esta oferecem às crianças da RCA um pouco mais de esperança.