Cabo Verde: PR pede maior participação da sociedade civil
Lusa
13 de janeiro de 2019
"A democracia nasce da sociedade e na sociedade", lembrou Jorge Carlos Fonseca na sessão solene do Dia da Liberdade e da Democracia na Assembleia Nacional de Cabo Verde. Deputados sublinham que ainda há muito por fazer.
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O Presidente da República de Cabo Verde defendeu este domingo (13.01) uma maior participação da sociedade civil, a par de um sistema de partidos, capaz de propiciar espaços de liberdade, transparência de procedimentos e afirmação e realização da cidadania.
Jorge Carlos Fonseca falava na Assembleia Nacional de Cabo Verde, durante a sessão solene do Dia da Liberdade e da Democracia, em que recordou que "a democracia nasce da sociedade e na sociedade". O Dia da Liberdade recorda a data em que, pela primeira vez, em 1991, os cabo-verdianos exerceram o seu direito de voto nas primeiras eleições multipartidárias, após 16 anos em regime de partido único.
"Não é novidade para ninguém que há já algum tempo em Cabo Verde vozes a clamar contra a centralização excessiva do poder político, senão contra a sua fulanização, e a pugnar por uma cada vez maior localização ou regionalização do poder, forma mais eficaz de diagnosticar e resolver os problemas das comunidades e assegurar um desenvolvimento equilibrado e justo das diferentes parcelas do território nacional", disse o chefe de Estado.
Jorge Carlos Fonseca considera que, "num Estado de direito democrático, a necessária concorrência entre os partidos políticos e outras instâncias ou organismos da sociedade civil não deverá traduzir-se numa qualquer ideia de extinção dos partidos ou, mesmo, no apagamento do essencial de sua função de representação política da comunidade e de participação no exercício do poder político".
"Haverá ainda sociedade e Estado e necessidade de mediação entre uma e outro. E nessa mediação o papel do que são hoje os partidos políticos mantém-se, bem que com configuração, extensão e visibilidade diferentes", disse, acrescentando que "a competição entre o sistema partidário e outros sistemas ou subsistemas da sociedade civil poderá exprimir-se e resolver-se numa constante partilha e recomposição de espaços e territórios, definidas não só normativamente, mas através de mecanismos naturais de compressão e descompressão".
Parlamentares pedem mais em tempos complexos
Na mesma sessão, o presidente da Assembleia Nacional de Cabo Verde disse que é preciso estar atento aos "sinais e alertas" e encontrar "respostas às inquietações de uma sociedade civil cada vez mais atuante e ciosa dos seus direitos e aspirações".
Para Jorge Santos, vivem-se "tempos complexos, de constantes ameaças e incertezas, em quase todos os continentes". "A relação entre os representantes e os representados, ganha relevância crucial para a sobrevivência do sistema democrático e para a paz social", disse.
António Monteiro, da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID), foi o primeiro deputado a falar nesta sessão, referindo-se à data que se celebra como "o desfecho de um processo que deu ao povo cabo-verdiano o seu destino" e que "abriu o caminho da democracia". O parlamentar reconheceu, contudo, que "ainda há muito por fazer, além do que foi feito". E sobre o desenvolvimento do país, tantas vezes referido no Parlamento, o deputado disse que é ainda "pouco sentido pelo povo".
Por seu lado, Rui Semedo, líder parlamentar do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), recordou o percurso que antecedeu a realização destas primeiras eleições, uma "data tão emblemática para a República". O deputado homenageou no seu discurso o comandante Pedro Pires. Centrando-se depois no presente, Rui Semedo reconheceu que, "não obstante os ganhos, há coisas que não vão bem e que precisam urgentemente ser corrigidas". E enumerou falhas nos mecanismos de transparência e prestação de contas, nos direitos da oposição democrática, no controlo e fiscalização do executivo, respeito pelas conquistas da liberdade de imprensa, entre outras.
Rui Figueiredo, líder parlamentar do Movimento pela Democracia (MpD), disse que esta evocação ganha particular significado nos tempos hodiernos, marcados por incertezas quanto ao devir da democracia e da liberdade no mundo e turvados por ameaças populistas e extremistas". Recordando as classificações que Cabo Verde tem alcançado em vários rankings internacionais, reconheceu, contudo, que "persistem problemas a ser resolvidos", mas que tal facto não deve impedir a celebração dos ganhos conseguidos.
Tarrafal: O Campo da Morte Lenta
O Campo de Concentração do Tarrafal foi, nas palavras do cabo-verdiano Pedro Martins, "um sítio planificado para fazer sofrer as pessoas". Os presos políticos que por aí passaram recordam-no como "Campo da Morte Lenta".
Foto: DW/Madalena Sampaio
Bastião de tortura
Construído numa das regiões mais agrestes de Cabo Verde, o Campo de Concentração do Tarrafal foi, nas palavras do então preso político cabo-verdiano Pedro Martins, “um sítio planificado, desenhado e construído para fazer sofrer as pessoas”. Para os detidos que por aí passaram, o local ficará para sempre nas suas memórias como o “Campo da Morte Lenta" devido ao regime a que eram submetidos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Colónia para desterrados
Situada no concelho do Tarrafal, na ilha cabo-verdiana de Santiago, começou por chamar-se Colónia Penal. Entre 1936 e 1954 recebeu presos políticos portugueses desterrados pelo Governo do Estado Novo. Reabriu em 1961 para aí serem internados militantes anti-regime das colónias portuguesas de Angola, Cabo Verde e Guiné.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Inspirado nos campos nazis
O modo de funcionamento do Tarrafal e a forma como eram tratados os presos eram semelhantes aos de outros campos de concentração existentes no mundo. Castigos, tortura, trabalhos forçados, má alimentação e falta de assistência médica faziam parte do dia-a-dia dos detidos. A maior parte das detenções era feita de forma arbitrária.
Foto: DW/Madalena Sampaio
“Não estou aqui para curar”
Doenças como o paludismo e a biliose ceifaram muitas vidas no Tarrafal. O pequeno posto de socorro aí existente, dividido em duas salas, também servia de casa mortuária. “Não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito”, afirmava Esmeraldo Pais Prata, o médico do campo que tinha a alcunha de “Tralheira”. Gostava de assistir aos espancamentos e a dor dos presos deixava-o indiferente.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Ala dos presos cabo-verdianos
Os primeiros presos políticos de Cabo Verde foram internados no Tarrafal em 1968. O espaço onde estavam detidos era de tal modo exíguo que se tinham de acomodar "como sardinhas enlatadas”, recorda Pedro Martins, que foi detido quando tinha apenas 19 anos. Ao fundo da sala ficava a casa-de-banho, onde através de um transístor clandestino escutavam várias emissoras. Era a famosa "rádio retrete".
Foto: DW/Madalena Sampaio
Sobreviver à alimentação
Era nesta cozinha que eram preparadas as refeições dos presos. Segundo os detidos, a alimentação era “péssima” e muito pouco diversificada. “Cachupa com uns vestígios de atum era-nos servida diariamente”, descreve Pedro Martins no livro “Testemunho de um Combatente”. Quando se recusavam a comer peixe estragado, “que nem os cães seriam capazes de comer”, o diretor mandava cortar-lhes as refeições.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Quotidiano duro
Nos dias de faxina, os detidos eram obrigados a carregar água em latas suspensas por um fio de arame. E também tinham de carregar a água para lavar as suas roupas para as tinas de betão armado. “Às vezes escasseava a água e tínhamos que a racionar”, lê-se no livro “Testemunho de um Combatente”. Nos meses mais quentes, a temperatura nas celas facilmente ultrapassava os 40 graus.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Testemunhos de sobreviventes
Na antiga cela dos presos políticos angolanos, uma exposição dá a conhecer os rostos de quem sobreviveu ao “Campo da Morte Lenta”. E testemunhos de Angola, Moçambique e Cabo Verde. “A ideia principal era: vim para aqui e não sei se sairei daqui”, lê-se no poster do angolano Vicente Pinto de Andrade, que esteve aqui encarcerado entre 1970 e 1974, juntamente com o seu irmão Justino Pinto de Andrade.
Foto: DW/Madalena Sampaio
A temida "Frigideira"
Também conhecida como “câmara de torturas”, a “Frigideira” era uma caixa rectangular em cimento armado, dividida ao meio, com proporções para conter dois homens. Tinha uma porta em chapa de ferro com cinco pequenos furos na base, em cada divisória, e uma pequena grade de ferro no topo esquerdo. A temperatura aqui podia chegar aos 60 graus, segundo os detidos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Tortura na “Holandinha”
No lugar da “Frigideira” foi construída outra cela disciplinar, "pouco mais alta que um homem em pé", com uma pequena janela de grades. Segundo os presos, era um “autêntico forno” onde não tinham capacidade de movimentos. A este cubículo de cimento, que ficava dentro de um espaço anexo à cozinha, deu-se o nome de “Holandinha”, numa referência ao país para onde partiam muitos cabo-verdianos.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação entre presos
A muito custo, os nacionalistas africanos das colónias conseguiam, por vezes, comunicar entre si. Com a ajuda de alguns guardas “infiltrados”, os presos cabo-verdianos enviavam bilhetes aos angolanos que estavam do outro lado do campo, a quem também procuravam aliviar o sofrimento quando estes eram enviados para a “Holandinha”. Tudo feito sob uma “pressão enorme”, recordam hoje os presos.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Estudar atrás das grades
No recinto existia também esta biblioteca, cuja instalação foi autorizada ainda na década de 40. Muitos camponeses aprenderam a ler e a escrever no Tarrafal. Segundo o cabo-verdiano Pedro Martins, quase todos os detidos na sua ala passaram a estudar e organizavam-se até horários de estudo. Os presos com mais instrução chegaram a dar formação política aos restantes companheiros.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Vítimas mortais
A detenção no Tarrafal custou a vida a 36 presos políticos: 32 portugueses, dois angolanos e dois guineenses. Entre as vítimas mortais de origem lusa inclui-se Bento Gonçalves, então secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP). Entretanto, vários outros morreram já depois da sua libertação, em consequência dos maus tratos e das condições de vida no campo de concentração.
Foto: DW/Madalena Sampaio
O dia da libertação
Foi por aqui que saíram os últimos presos do Tarrafal, no dia 1 de maio de 1974, uma semana depois da Revolução dos Cravos em Portugal. “O Tarrafal era uma prisão para o resto da vida. Se não fosse o 25 de Abril iríamos morrer todos lá”, afirmou o angolano Joel Pessoa. Nessa altura, a libertação dos presos políticos era uma das principais exigências da população.
Foto: DW/Madalena Sampaio
Espaço meio abandonado
O campo do Tarrafal só foi definitivamente extinto em 1975. Acabaria por ser transformado em Museu da Resistência, em 2009. Atualmente, o espaço-símbolo da resistência anticolonialista encontra-se em estado de semi-abandono e sem grandes cuidados. Entretanto, o Governo cabo-verdiano constituiu uma comissão para preparar a candidatura do campo a Património Mundial da UNESCO.