Na província moçambicana da Zambézia académicos aproveitaram o Dia de África para alertar sobre inexistência de uma verdadeira democracia. Consideram que os modelos de democracia em África são causadores de violência.
Publicidade
Na tarde desta sexta-feira (25.05.) , académicos e ativistas sociais participaram numa mesa redonda na cidade de Quelimane, na província central da Zambézia, para refletirem sobre a atual situação do continente Africano.
O docente universitário Cassimo Jamal, explicou que, apesar da descolonização de África ainda se verifica uma grande desordem politico-económica, que muitas vezes está na origem de conflitos. Ele dá como exemplo o facto de a população não estar a beneficiar-se da riqueza com a exploração dos recursos naturais do continente.
"As nossas democracias são autoritárias, assumimos que estamos em democracia em África, mas essas democracias são causadores de vários conflitos pós-eleitorais. Assistimos de eleição em eleição em todo continente africano conflitos que emergem logo após um processo eleitoral e isso significa que as democracias em muitos países de África não estão ainda consolidadas", considera Jamal.
E o académico citou o seu país como exemplo de um dos maiores conflitos pós-eleitorais em África: "Aqui em Moçambique somos exemplo disso porque quase todos os resultados eleitorais nunca foram aceites de forma livre pela oposição. Em outubro, após as intercalares, já estamos a contar com o ressurgimento de conflitos."
Mas Jamal lembra que "não é só em Moçambique que acontecem casos do género, temos até Presidentes africanos cujos mandatos terminam, como é o caso de Joseph Kabila, da República Democrática do Congo, mas não quer abandonar o poder." E ele questiona-se: "Que democracia estamos a construir em África?"
Descentralização é prova de falta de democracia
Dia de África: Democracia é coxa no continente
Por seu lado, o ativista social Ricardo Rabo diz que apesar de terem sido registados alguns ganhos na manutenção da paz efetiva em Moçambique, existem provas claras da falta da democratização. E cita como exemplo evidente a aprovação de novo pacote legislativo sobre a descentralização, que na sua opinião serviu unicamente para acomodar os grupos beligerantes, e não os interesses do povo.
E para reverter isso o ativista defende: "Devemos criar instituições politicas capazes de assegurar melhor a distribuição da riqueza nacional. É um passo significativo rumo a ideia de uma paz efetiva, mas há uma questão central: a partilha de poder não é uma questão sine qua non para a paz. Não basta partilhar o poder porque e sobretudo no continente africano a partilha de poder não é mais do que uma acomodação de grupos envolvidos em conflitos. Diria que é preciso que criemos condições para que tenhamos instituições capazes de assegurarem nomeadamente a redistribuição da riqueza nacional."
Para Ricardo Rabo "o que levou os deputados a aprovarem o pacote eleitoral sobre a descentralização não é uma vontade genuína interna de democratização, mas sim os efeitos provocados por um conflito violento."
Paz efetiva é o mais importante
Também participou na mesa redonda, Inês Pathula, representante em Moçambique da Comunidade de Santo Egídio. Esta organização foi obreira das conversações que culminaram com a assinatura dos Acordos de Paz, em 1992, que puseram fim a uma guerra civil de 16 anos entre a RENAMO e o Governo de Moçambique. Para Inês Pathula, o mais importante hoje em Moçambique é o alcance de uma paz definitiva.
E Pathula acrescenta: "Penso que o acordo conseguido sobre a eleição dos governadores faz parte da democracia e neste momento o mais importante e urgente é uma paz efetiva que vamos alcançar para os próximos anos".
2015 em imagens: África luta pela democracia
Presidentes que fazem de tudo para se manter no poder. Populações com sede de mudança. 2015 foi um ano marcado pela luta por mais democracia em África e uma forte resistência. Veja a retrospectiva em imagens.
Foto: picture-alliance/AA/H.C. Serefio
Contra um terceiro mandato
Milhares saíram às ruas no Burundi quando o Presidente manifestou o desejo de continuar no poder. A Constituição só permite dois mandatos seguidos, mas isso não impediu que Pierre Nkurunziza fosse reeleito em julho para um terceiro. Forças de segurança recorreram à violência para acabar com os protestos. Pessoas foram intimidadas, detidas e assassinadas. O país esteve à beira de uma guerra civil.
Foto: Getty Images/AFP/J. Huxta
Desentendimentos com o vizinho Ruanda
A crise no Burundi também afetou as relações com o Ruanda. O Presidente Paul Kagame (esq.) criticou Pierre Nkurunziza (meio) em público, acusando o Governo de massacrar o próprio povo. Mas Kagame também não quer deixar o poder. Como não podia recandidatar-se às eleições de 2017, porque a Constituição não permitia, resolveu alterá-la. A população aprovou a mudança em referendo.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karuma
Congo-Brazzaville: 30 anos no poder
Também Denis Sassou-Nguesso, de 72 anos, não quer deixar a liderança. Governa a República do Congo há mais de 30 anos consecutivos. O referendo sobre alterações na Constituição, em outubro, terminou em derramamento de sangue. Segundo a oposição, houve manipulação dos votos. Na vizinha República Democrática do Congo (RDC), civis protestaram contra planos semelhantes do Presidente Kabila.
Foto: picture-alliance/dpa
Mudança de Governo histórica na Nigéria
Na Nigéria, eleições em março conduziram Muhammadu Buhari ao poder. Ele é o primeiro chefe de Estado a chegar à liderança do país por vias democráticas. Ninguém acreditava que o antecessor Goodluck Jonathan desistiria do poder tão facilmente. Buhari quer acabar com a corrupção, altera chefias de cargos importantes e não esconde o seu património. O seu maior desafio é a luta contra o Boko Haram.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Alamba
100% para o Governo etíope
No final de maio, cerca de 35 milhões de etíopes elegeram um novo Parlamento. Todos os 547 assentos foram para a coligação do partido no poder, a Frente Popular Democrática Revolucionária Etíope (EPRDF). A oposição perdeu toda e qualquer representação no Parlamento e ainda foi alvo de pressões antes do escrutínio, tal como os jornalistas, criticaram observadores.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Kolli
Tanzânia: O que Magufuli faria?
Internautas africanos usaram o Twitter, com o hashtag #WhatWouldMagufuliDo (o que Magufuli faria, em português), para reunir ideias para o novo Governo. Tudo porque o novo Presidente, John Pombe Magufuli, prefere investir em novas camas hospitalares do que em banquetes para políticos. Porém, durante as eleições a oposição suspeitou de fraudes. Exigiu vitória e não reconheceu Magufuli.
Foto: Reuters/S. Said
Costa do Marfim: Apoio das mulheres
Tensa e preocupada, a população votou nas eleições presidenciais de 25.10. O último escrutínio do género, há cinco anos, tinha acabado em guerra civil. Desta vez, decorreu de forma pacífica. Alassane Ouattara é o novo Presidente. Mariame Souaré (esq.) acreditou na sua vitória muito antes de serem conhecidos os resultados. Durante a campanha, Ouattara conquistou principalmente as mulheres no país.
Foto: DW/K. Gänsler
Angola: Ativistas em tribunal
Em novembro, jovens angolanos protestaram em frente ao tribunal da capital, Luanda. No interior do edifício, 17 membros de um movimento juvenil começaram a ser julgados. Tinham-se reunido numa livraria para organizar manifestações pacíficas contra o atual Governo. São acusados de planear um golpe de Estado contra José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola há 36 anos.
Foto: Reuters/H. Corarado
A difícil pacificação do Mali
Em meados de maio, o Governo do Mali alcançou um acordo de paz com grupos armados no país. Em junho, rebeldes tuaregues também assinaram o tratado. Após longas negociações, a paz no norte do país parece possível. Mas, em agosto, grupos tuaregues rivais voltam a enfrentar-se. Em novembro, radicais islâmicos fizeram 170 reféns num hotel na capital, Bamako. Vinte pessoas morreram.
Foto: picture-alliance/Photoshot
Otimismo no Burkina Faso
Vitória surpreendente na primeira ronda das eleições: no fim de novembro, Roch Marc Christian Kaboré foi eleito Presidente. O escrutínio aconteceu um ano após Blaise Compaoré ter sido forçado a deixar o poder, depois de 27 anos. As eleições estavam planeadas para outubro, mas parte do exército perpetrou um golpe de Estado em setembro. E as tão esperadas eleições foram adiadas.
Foto: Reuters/J. Penney
Caos e violência na República Centro-Africana
A República Centro-Africana deveria ter ido às urnas em outubro. Mas as constantes desavenças violentas entre apoiantes da ex-coligação Séléka, de maioria muçulmana, e milícias cristãs anti-balaka tornaram o escrutínio impossível. A nova data é 30 de dezembro.