"Dia de Indignação" em Moçambique contra as dívidas ocultas
Leonel Matias (Maputo)
4 de fevereiro de 2019
População foi convocada a usar roupas brancas e pretas em protesto contra o pagamento das chamadas "dívidas ocultas" pelo povo moçambicano. Atividade foi organizada pelo Centro de Integridade Pública (CIP).
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Em Moçambique, foi observado esta segunda-feira (04.02) um dia contra o pagamento das dívidas ocultas contraídas ilegalmente pelo governo. Uma iniciativa do CIP, organização não-governamental que tem como objetivo promover a transparência, a anti-corrupção e a integridade.
O CIP apelou a todos os moçambicanos que vestissem roupa branca ou preta como sinal de paz e de luto, respetivamente. A roupa podia ter ainda inscrita a frase "Eu não pago as dívidas ocultas”.
Num montante estimado em mais de dois mil milhões de dólares, as dívidas ocultas foram contraídas por três empresas, com garantias do estado, sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais. "Na prática os valores envolvidos beneficiaram um grupo de privilegiados", escreve o CIP num manifesto em que apelou ao que designou de dia de "indignação nacional”.
Manifestação pacífica
Segundo Fátima Mimbire, do CIP, na sequência de uma auditoria internacional e da acusação feita pelas autoridades judiciais norte-americanas ao ex-ministro moçambicano das Finanças, Manuel Chang, ficou a saber-se que as referidas dívidas não só eram ocultas como ilegais e criminosas.
"A ideia é os cidadãos levantarem-se e de forma pacífica expressarem a sua indignação em relação a esta situação que colocou o país numa situação penosa que dura há mais ou menos três anos. Por outro lado, alertar as autoridades que nós como moçambicanos estamos a acompanhar a situação e estamos preocupados", relata Mimbire.
A iniciativa acontece duas semanas depois de a ONG ter iniciado a distribuição de mil camisetas com a frase "Eu não pago as dívidas ocultas”. Algumas das camisetas foram confiscadas pela Polícia, que alegou ser uma forma de manifestação ilegal.
A intervenção policial foi alvo de condenação por parte de vários segmentos da sociedade, incluindo a Ordem dos Advogados, que apelou ao respeito das liberdades de expressão e de pensamento consagradas na Constituição da República.
"Quem contraiu a dívida que pague"
"Dia de Indignação" em Moçambique contra as dívidas ocultas
"Não fizemos nenhuma dívida porque não beneficiou nenhum bolso do moçambicano e nem está a beneficiar aos moçambicanos. Então os que foram contrair a dívida que paguem eles", protesta João Pedro.
Hélio Mangue reage na mesma linha: "Quando alguém faz uma dívida que não é do domínio público, não é justa. Acho que é necessário que se criem condições de o povo não pagar a dívida". Leonardo Machava tem a mesma opinião: "Não pode ser o povo a pagar as dívidas. Se há pessoas que devem ser responsabilizadas, o nosso estado deve ir atrás".
O CIP não soube informar quantas pessoas participaram da manifestação. Mas Fátima Mimbire afirma que a organização civil está satisfeita com o nível de adesão.
"Pelo feedback que temos estado a receber por via das redes sociais, as fotografias que são partilhadas connosco via WhatsApp e por aí fora, vemos que algumas pessoas manifestaram de facto a sua indignação", diz.
Impacto da crise na vida dos moçambicanos
Trabalhadores em Maputo relatam as dificuldades que enfrentam todos os dias, com o país mergulhado numa crise financeira. Alguns ainda conseguem pequenos lucros, enquanto outros tentam estratégias para atrair clientes.
Foto: DW/Romeu da Silva
Novos tempos, menos lucros
Ana Mabonze tem uma loja de gelados há pouco mais de sete anos e diz que os rendimentos não têm sido bons ultimamente. Por dia, lucra apenas o equivalente a cerca de dois euros. O negócio é feito na ponte cais, também conhecida por Travessia. Nestes dias, os lucros baixaram porque os automobilistas que iam de ferryboat para Katembe agora usam a nova ponte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"Boa cena"
O negócio de transferência de dinheiro por telefone conhecido por Mpesa está a alimentar muitas famílias. É o caso de Angélica Langane, que na sua banca "Boa Cena" diz ter clientes frequentemente, porque muitos estão preocupados em transferir dinheiro, seja para pagar dívidas, fazer compras ou apenas para ter a sua conta em dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
O dinheiro não aparece
Numa das ruas de Maputo também encontramos Dulce Massingue, que montou a sua banca de venda de fruta. Para ela, este negócio não está a dar lucros. Diz que o pouco que ganha apenas serve para pagar o seu transporte. Nestes dias de crise, Dulce pensa em mudar de negócio, mas tudo depende do dinheiro que não aparece.
Foto: DW/Romeu da Silva
Trabalhar para pagar o transporte?
O trabalho de Jorge Andicene é recolher garrafas plásticas para serem recicladas pelos chineses. Sem ter revelado quanto ganha por este negócio, Jorge diz que não chega a ser bom, porque o mercado está muito apertado. Os preços de vários produtos subiram, por isso também os lucros são apenas para pagar o transporte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"As pessoas comem menos na rua"
A dona desta barraca não quis ser identificada, mas confessa que por estes dias o negócio baixou bastante. Vende hambúrgueres e sandes. As pessoas agora preferem trazer as suas refeições de casa para poupar dinheiro, diz. O negócio rende-lhe por dia o equivalente a dois euros, dinheiro que também deve servir para comprar outros bens para as crianças.
Foto: DW/Romeu da Silva
Costureira também não vê lucros
O arranjo de roupas é outro negócio pouco rentável, mesmo nos tempos das "vacas gordas". É oneroso transportar todos os dias esta máquina, por isso Maria de Fátima decidiu ficar num dos armazéns na cidade de Maputo, pagando um determinado valor. São poucos os clientes que a procuram para arranjar as suas roupas.
Foto: DW/Romeu da Silva
Negócio já foi mais próspero
Um dos negócios que tinha tendência de prosperar na capital era a venda de acessórios de telefones. Mas como há muitas pessoas que fazem este negócio, a procura agora é menor e o lucro baixou muito. O que salva um pouco estes empreendedores é o facto de cada dia haver novos tipos de telefones.
Foto: DW/Romeu da Silva
Poder de compra reduzido
Nesta oficina trabalham jovens mecânicos especializados na reparação de radiadores. Não quiseram ser identificados, mas afirmam que durante anos este negócio lhes rendia algum dinheiro para pagar a escola. Mas com a crise que se vive agora, a situação agravou-se. São poucos os clientes que os procuram e alegam que muitos moçambicanos perderam poder de compra.
Foto: DW/Romeu da Silva
Nada de brilho
O negócio de engraxador é outro que já não está a render, segundo os profissionais. Os únicos indivíduos que os procuram são estrangeiros de origem europeia, sobretudo portugueses. Os nacionais, diz Sebastião Nhampossa, preferem fazer o serviço por conta própria em casa. Com esta crise, é normal os engraxadores serem visitados apenas por um ou dois clientes por dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
Estratégias para atrair o cliente
Quando as atividades da Inspeção Nacional das Atividades Económicas (INAE) trouxeram à tona a real situação de higiene nos restaurantes, muitos cidadãos passaram a não frequentar estes locais. Como forma de deleitar a clientela, o dono deste pequeno restaurante promove música ao vivo de cantores da velha guarda e ten uma sala de televisão para assistir a jogos de futebol.