Dia do Ruanda: O que a diáspora espera de Paul Kagame?
Sella Oneko | kg
5 de outubro de 2019
Milhares de ruandeses a viver na Europa reúnem-se em Bona, na Alemanha, para participar da 10ª edição do evento e acompanhar a visita do Presidente ruandês. Governo em Kigali é alvo de elogios e críticas da diáspora.
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Cerca de quatro mil ruandeses da diáspora a viver na Europa reúnem-se este sábado (05.10) na cidade de Bona, no oeste alemão, para celebrar a décima edição do Dia do Ruanda e acompanhar a visita do Presidente ruandês, Paul Kagame, que participa do evento na cidade-sede das Nações Unidas na Alemanha.
"Esta é a primeira vez que eu verei um Presidente. Eu tenho 54 anos e nunca cheguei perto de um Presidente", disse Alphonsine Kayinamura à DW. A ruandesa é presidente do Centro Alemão-Africano, com sede em Bona, que busca estabelecer mudanças de perspetivas sobre África na Alemanha.
"Companheiros africanos estão a dizer-me que eu tenho sorte que Kagame vem. Junto com o Presidente do Gana, Kagame é visto como alguém que defende a África. O Presidente é um modelo em termos de políticas ambientais e a autodeterminação de África", diz.
"Estou realmente empolgada por estar na minha comunidade, porque aqui sinto que não temos muitas pessoas do Ruanda", diz a jovem ruandesa Arlette Munyurarembo, de 24 anos, que vive na Alemanha.
Vedaste Musoni, líder da comunidade do Ruanda na Alemanha, afirma que o evento é uma oportunidade para os ruandeses constatarem o que podem fazer para o país a partir da Europa. "O Dia do Ruanda é sobre encontrar a comunidade, o nosso Governo, mas também promover encontros entre empresários que estão no Ruanda e na Europa", sublinha.
O valor da diáspora
Segundo o Banco Central do Ruanda, cidadãos a viver no exterior já enviaram mais de 165 milhões de euros a familiares que estão no país-natal entre 2016 e 2017 por meio de remessas e investimentos.
Um estudo da Organização Internacional para as Migrações (OIM) mostra que os ruandeses da diáspora estão também intimamente ligados ao desenvolvimento do setor imobiliário no Ruanda e com os negócios domésticos. Desde o primeiro Dia do Ruanda, em 2010, em Bruxelas, o país registou um aumento constante nas remessas.
"O que esperamos do Presidente é que nos diga o estado atual do Ruanda, como a economia está a andar e quais são os planos para os próximos cinco, dez anos", diz Musoni.
Kagame é visto como um parceiro político, económico e de cooperação internacional confiável. O país está a se preparar para receber até 500 africanos presos nos centros de detenção de migrantes da Líbia. A montadora alemã Volkswagen desenvolveu uma linha de montagem no Ruanda e está a testar no país um serviço de táxi semelhante ao Uber. A capital Kigali é muito limpa. O país tem uma boa reputação por causa dos seus centros de TI, startups e pela proibição do uso de sacos plásticos, que já dura uma década.
Entretanto, o Ruanda ainda está a enfrentar o legado do genocídio de 1994. O Governo de Kagame é acusado de oprimir a mídia dentro e fora do país e até de matar membros da oposição. Em abril passado, a Alemanha convocou o seu embaixador em Kigali depois que o Governo o acusou de comentários "abusivos" sobre Kagame e o país.
É difícil falar com os ruandeses que vivem no exterior sobre tais assuntos, especialmente durante uma visita presidencial. "Só posso aconselhar as pessoas a formarem suas próprias opiniões indo ao Ruanda ou até ao Dia do Ruanda para ver os desenvolvimentos no país", sublinha Musoni.
Críticas a Kagame
Embora seja uma chance de ver e ouvir Kagame, nem todos estão convencidos de que a agenda do evento é puramente social e económica.
"Os eventos do Dia de Ruanda têm um forte componente político, porque são organizados para reunir apoiadores na Europa e no norte da África. O evento é usado para identificar quem é apoiador do Governo e quem não é", diz o ativista de direitos humanos ruandês Rene Mugenzi, que vive no Reino Unido e já precisou de proteção especial devido a ameaças do Governo.
Mugenzi acredita que o evento serve para o Governo em Kigali identificar quem pode ser recrutado para o partido no poder, quem está bem conectado no país em que vive ou é ativo nas mídias sociais e talvez possa falar bem do Presidente a seus amigos e seguidores.
"As embaixadas e o Governo têm a sua rede de espiões ou informantes que coletam informações não apenas sobre outros ruandeses, mas também sobre os que estão na diáspora. Eles tentam identificar quem não apoia o Governo, especialmente jornalistas e ativistas de direitos humanos, e informam como vivem, como podem ser abordados, como podem mudar de opinião e como podem ser influenciados", afirma o ativista ao mencionar o assassinato de pelo menos quatro opositores apenas este ano.
O genocídio no Ruanda
O genocídio no Ruanda, 25 anos atrás, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo a França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: picture-alliance/dpa
O pontapé do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então Presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o Presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do Presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiraram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação Radio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura", incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura desportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. E permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo, onde representam até hoje uma ameaça para o Ruanda.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste congolês.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do Governo. Os rebeldes assumiram o controlo da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um Governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o Presidente do Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebés, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.