Moçambique: ONGs falam de um futuro desafiante para a paz
Rodrigo Vaz Pinto
21 de setembro de 2019
As eleições estão quase a chegar e uma das questões mais importantes é se será possível manter a paz e a estabilidade em Moçambique. As ONGs consideram que o país atravessa um período positivo, mas há vários desafios.
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O Dia Mundial da Paz celebra-se este sábado, 21 de setembro, em todo o mundo. Em Moçambique, este dia tem um peso maior, pois assinou-se um acordo de paz recentemente. A visita do Papa este mês veio reforçar esse espírito.
Um novo ciclo político e económico aproxima-se com as eleições do próximo dia 15 de outubro. A paz e a estabilidade são necessárias para o futuro do país. Há várias organizações que estão no terreno e tentam ajudar as populações mais necessitadas, além de acompanhar de perto a realidade fora da capital. Este acompanhamento é crucial para ter noção quais as necessidades mais prementes e se a paz é algo que está em causa.
Dia Mundial da Paz: ONGs falam de futuro desafiante em Moçambique
Dom João Carlos Nunes, presidente da Comissão de Comunicação da Conferência Episcopal, faz parte de uma entidade que sabe quais as prioridades para manter a paz, mas reconhece os desafios que isso representa.
"O momento atual de Moçambique é bastante desafiador, porque apresenta várias nuances e exige uma atenção redobrada e muito específica. Estamos a caminhar bem, mas é preciso sempre acarinhar aquilo que de bom está a acontecer, vincar esses aspetos positivos e dar propostas para superar aquilo que eventualmente possa minar o processo todo", afirmou.
A Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) também trabalha para promover a paz e a solidariedade. Joaquim Oliveira, diretor de advocacia desta organização, considera que estão criadas as bases para uma nova fase e que as eleições são o ponto de partida.
"Eu penso que as condições estão criadas para haver mais estabilidade. Ainda há problemas de nível estrutural que têm de ser considerados, nomeadamente, o resultado, a forma como as eleições vão ser conduzidas até agora e depois divulgadas, portanto a transparência. A justeza das eleições e a sua transparência serão determinantes", comentou Oliveira.
O desafio da RENAMO
O acordo de paz assinado entre a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e o atual Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) foi um passo fundamental para garantir a paz, contudo nem tudo depende do Governo central.
A força da RENAMO em Moçambique ainda tem um peso determinante na estabilidade moçambicana, como afirma Joaquim Oliveira. "Os consensos dentro da RENAMO serão determinantes para uma maior estabilidade", sublinha.
A autoproclamada "Juntar Militar" da RENAMO procura também um processo de reintegração e isso pode ser fundamental para trazer maior estabilidade, como explica Dom João Carlos Nunes.
"Os homens continuam lá e apresentaram as suas revindicações a aquilo que eles não concordam, mas ainda não apareceu uma proposta em relação a eles e como vai ser integração", disse o porta-voz da Conferência Episcopal.
Mensagem do Papa
Um dos momentos mais marcantes em Moçambique nestes últimos meses foi a visita do Papa Francisco que esteve no país nos dias 4, 5 e 6 de setembro. A mensagem de paz foi reforçada e Dom João Carlos Nunes salientou a forma positiva como o Papa falou aos moçambicanos.
"Eu penso que surpreendeu pela positiva, porque o Papa veio vincar o aspecto de povo que somos, nação que se está a reconstruir, que está a buscar caminhos de paz e reconciliação", realçou Dom João Carlos Nunes.
O momento de quase pré-campanha levantou algumas dúvidas em relação ao se o momento da visita do Papa era o ideal, mas Joaquim Oliveira, da FDC, também destacou as palavras do Santo Padre.
"Foi muito benéfica. Muito mais benéfica ainda não só pela mensagem daquelas três palavras que encerram uma magia para a solução aos problemas que Moçambique tem. Paz, esperança e reconciliação: Essa é uma mensagem muito simples, mas muito significativa. E não podia chegar num momento melhor, na altura da assinatura do terceiro acordo de paz e num momento em que estamos a começar as eleições", sublinhou Joaquim Oliveira.
Todo o processo de paz é mais complexo do que muitas notícias deixam transparecer, mas Joaquim Oliveira comenta que um dos caminhos para alcançar esta estabilidade é descentralizar este processo para que a paz chegue a todos os moçambicanos.
"Eu penso que é necessário em primeiro lugar descentralizar os processos de paz e reconciliação e não centralizar. Não colocar ao nível dos dois principais contendores. Eu penso que é preciso descentralizar, é preciso criar maior apropriação com os próprios moçambicanos independentemente das suas cores políticas para abraçarem e sentirem-se donos dos processos. É preciso também alargar a base de inclusão, não se cingir apenas naquelas comissões, que são formadas essencialmente por membros que representam dois partidos políticos", sugeriu Oliveira.
Esperança, paz e reconciliação na visita do Papa Francisco a Moçambique
O líder da Igreja católica foi recebido em festa pelo país inteiro. Mas houve críticas ao alegado aproveitamento político da visita em vésperas de eleições.
Foto: DW/M. Sampaio
Moçambique em festa
Volvidas mais de três décadas sobre a última visita de um Papa a Moçambique, esta quarta-feira, 4 de setembro, foi a vez do Papa Francisco levar aos moçambicanos uma mensagem de paz, justiça e reconciliação. Por poucos momentos, o país esqueceu as dificuldades políticas, económicas e sociais que atravessa para celebrar o sumo pontífice.
Foto: DW/M. Sampaio
Danças e cantares para o Papa
A festa começou logo à chegada do Papa Francisco no fim da tarde. Muitos moçambicanos têm esperança que o chefe da Igreja católica dê um novo ímpeto ao processo de reconciliação, numa altura em que o acordo de paz assinado entre a RENAMO e a FRELIMO há poucas semanas volta a ser posto em causa por milícias armadas.
Foto: DW/M. Sampaio
Aproveitamento político?
O Papa Francisco foi recebido com as devidas honras pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, mas dos partidos da oposição choveram críticas ao alegado aproveitamento político da visita pelo partido no poder, a FRELIMO. Tanto mais que o país está em vésperas de eleições gerais, marcadas para 15 de outubro.
Foto: DW/Ricardo Franco
Suspensão da campanha eleitoral
A campanha eleitoral em Maputo foi interrompida pela duração da visita. A decisão não convenceu os partidos da oposição. O porta-voz do MDM, Sande Carmona, levantou mesmo a suspeita de que a visita do Papa "seja uma oportunidade para a lavagem de dinheiro dos cofres do Estado, para financiar a campanha eleitoral da FRELIMO". A visita do Papa terá custado ao Estado o equivalente a 300 mil euros.
Foto: DW/M. Sampaio
Apelo aos direitos humanos
A Amnistia Internacional (AI) pediu ao Papa que na sua deslocação a Moçambique aborde com o Presidente Nyusi a situação da violação dos direitos humanos. Uma carta subscrita pela AI e mais 11 organizações moçambicanas e internacionais expressa enorme preocupação "com a crescente intimidação e perseguição aos defensores dos direitos humanos, ativistas, organizações da sociedade civil e média"
Foto: DW/M. Sampaio
Nação abençoada
"Moçambique é uma nação abençoada e vós especialmente sois convidados a cuidar desta bênção", disse o Papa no seu primeiro discurso em Moçambique. Mas Francisco também frisou que "sem igualdade de oportunidades" não há paz duradoura. Francisco criticou "a pilhagem e espoliação" no país.
Foto: DW/Ricardo Franco
Encontro com os jovens de Moçambique
Jovens de todas as confissões foram convidados a encontrar-se com o Papa no Pavihão de Maxaquene em Maputo. O pavilhão encheu para escutar a mensagem de Francisco. Que foi clara: "Estejam atentos àqueles que querem dividir e fragmentar". Uma alusão também a movimentos obscuros de cariz islamita suspeitos de estarem na origem de violência no norte do país.
Foto: DW/M. Sampaio
Alegria ecuménica
Nas redes sociais circularam apelos de proveniência incerta contra a participação de jovens muçulmanos na festa em torno do Papa. Mas muitos muçulmanos foram ouvir a mensagem de paz e reconciliação que lhes foi igualmente dirigida. "A alegria de viver, como se pode sentir aqui, a alegria partilhada e celebrada, reconcilia", declarou Francisco.
Foto: DW/M. Sampaio
A 47ª visita do Papa ao exterior
Jorge Mário Bergoglio é o segundo Papa a escalar Moçambique depois de João Paulo II em 1988. O lema da visita é "Esperança, Paz e Reconciliação". Moçambique é o sétimo país que Francisco visita em 2018, e o 47° desde que chegou ao Vaticano em 2013. De Moçambique o líder católico segue para o Madagáscar e as Ilhas Maurícias.
Foto: DW/Ricardo Franco
Atentos às palavras do Papa
O Estádio Nacional do Zimpeto encheu na manhã de sexta-feira (06.09) para a celebração da missa e homilía pelo Papa Francisco. A missa, que colocou um ponto final na visita papal, foi celebrada no dia em que se assinala um mês da assinatura de um acordo de paz - o terceiro desde 1992 - entre o Governo e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO).
Foto: DW/M. Sampaio
Apelo ao combate contra a corrupção e pela paz
Durante a homilía, o Papa Francisco fez um apelo para o combate à corrupção: "Moçambique possui um território cheio de recursos naturais e culturais", disse, mas apesar destas riquezas, "uma quantidade enorme de população vive abaixo do nível de pobreza". Numa alusão à situação de violência armada em Cabo Delgado, o Papa pediu ainda que se amem os inimigos, sem lhes responder com violência.