Diferendo sobre barragem do Nilo ameaça segurança na região
Martina Schwikowski | rl | Lusa
24 de junho de 2020
Conversações entre Egito, Etiópia e Sudão acerca do Nilo continuam a não avançar. Em negociações há vários anos, os três países não conseguiram ainda chegar a um acordo sobre a forma como a barragem deve ser explorada.
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Nas últimas semanas, a troca de acusações entre a Etiópia e o Egito intensificou-se, tendo o Cairo pedido mesmo a intervenção do Conselho de Segurança da ONU.
Por seu lado, e sem uma solução à vista, a Etiópia anunciou, na semana passada, que vai começar a encher o reservatório da Grande Barragem do Renascimento já no próximo mês de julho – independentemente de ter o aval ou não dos outros países.
O diferendo, alertam os especialistas, está a tornar-se numa ameaça à segurança da região. "O impasse que observamos entre a Etiópia e o Egito não é uma questão que deva ser deixada apenas ao critério dos dois países. Isto terá certamente implicações na região e na segurança em África", afirma David Wolde Giorgis, do Instituto Internacional de Segurança de Addis Abeba.
Tanto o Egito como a Etiópia já insinuaram considerar a possibilidade de tomar medidas militares para proteger os seus interesses. Posições que, diz também William Davison, analista etíope do Grupo de Crise Internacional (ICG), podem levar a uma rutura nas negociações e ao início de um conflito.
"Independentemente da Etiópia começar a encher a barragem em julho ou não, é imperativo que as partes voltem à mesa das negociações e resolvam as questões pendentes”, sublinha o especialista.
Pontos de discórdia
A construção da gigante hidroelétrica na Etiópia teve início em 2010 e deve estar concluída em 2022. Em causa está o desejo da Etiópia de se tornar um importante exportador de energia na região face à preocupação do Egito de que a barragem possa limitar significativamente o seu abastecimento de água.
A cerveja do rio Nilo
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Outro ponto de discórdia é que o Egito quer incluir no acordo vários detalhes sobre possíveis litígios futuros, nomeadamente ter garantias em caso de uma seca de vários anos.
"A Etiópia está a tentar que esse acordo seja o mais aberto e dinâmico possível. É compreensível que Addis Abeba não queira assinar nada que vincule o país a quantidades mínimas, dada a evolução das coisas. No futuro, as alterações climáticas podem alterar a quantidade de água na bacia, o que afetaria negativamente estes cálculos", explica William Davison.
Sudão adverte para escalada do conflito
O Sudão, que também depende largamente do Nilo, acaba por ficar um pouco dividido na disputa entre a Etiópia e o Egito. No entanto, também já advertiu para a escalada do conflito após os sucessivos fracassos das negociações.
O litígio entre os países é também motivo de preocupação fora do continente. A União Europeia (UE) ofereceu-se recentemente para mediar o conflito e os Estados Unidos da América, que tentaram já intermediar as negociações mas sem sucesso, advertiram que a população da África Oriental depende de um acordo justo por parte da Etiópia.
Addis Abeba afirmou, recentemente, que a chegada da estação das chuvas, no próximo mês, seria a altura ideal para começar a encher a barragem. Mas o Cairo já fez saber que encher o reservatório sem um acordo violaria a declaração de princípios de 2015.
As maiores barragens de África
Nilo, Congo, Zambeze: os rios africanos guardam grande potencial para a produção de energia. Os governos reconhecem isso e apostam cada vez mais em megaprojetos. Um panorama das maiores centrais hidroelétricas de África.
Foto: William Lloyd-George/AFP/Getty Images
Grande Represa do Renascimento, na Etiópia
No sudoeste da Etiópia, está a ser erguida aquela que será a maior barragem de África. A construção da Grande Represa do Renascimento começou em 2011 e deve ser concluída em 2017. A barragem localiza-se perto da fronteira com o Sudão, no Nilo, e terá uma potência de 6.000 megawatts (MW). O reservatório será um dos maiores do continente, com capacidade para armazenar 63 quilômetros cúbicos de água.
Foto: William Lloyd-George/AFP/Getty Images
Represa Alta de Assuão, no Egito
A Represa Alta de Assuão é atualmente a barragem mais potente de África. Está localizada perto da cidade de Assuão, no sul do Egito. O lago atrás da barragem pode armazenar até 169 quilómetros cúbicos de água. Seu maior afluente é o Rio Nilo. As turbinas têm uma capacidade de 2.100 megawatts. A construção durou onze anos e a inauguração foi em 1971.
Uma das maiores barragens do mundo está localizada na província de Tete. A hidroelétrica Cahora Bassa, no rio Zambeze, tem uma potência de 2.075 megawatts, pouco menos que a Represa Alta de Assuã, no Egito. A maior parte da energia gerada é exportada para a África do Sul. No entanto, sabotagens durante a guerra civil impediram a produção de eletricidade por mais de dez anos, a partir de 1981.
Foto: DW/M. Barroso
Represa Gibe III, na Etiópia
A barragem Gilgel Gibe III fica 350 quilômetros a sudoeste da capital etíope, Addis Abeba. Foi concluída em 2016 e pode gerar um máximo de 1.870 megawatts, tornando-se a terceira maior barragem em África. A construção durou quase nove anos e foi financiada a 60% pelo Banco de Exportação e Importação da China, China Exim Bank.
Foto: Getty Images/AFP
Kariba, entre a Zâmbia e o Zimbabué
A barragem de Kariba fica na garganta do rio Zambeze, entre a Zâmbia e o Zimbabué. Tem 128 metros de altura e 579 metros de comprimento. Cada país tem sua própria central eléctrica. A estação norte, da Zâmbia, tem capacidade total de 960 megawatts. A estação sul, do Zimbabué, tem capacidade total de 666 megawatts. As obras de expansão em 300 megawatts começaram em 2014 e devem terminar em 2019.
Foto: dpa
Inga I e Inga II na RDC
As barragens Inga consistem de duas represas. Inga I tem capacidade para produzir 351 megawatts e Inga II, 1424 megawatts. Foram encomendadas em 1972 e 1982, como parte do plano de desenvolvimento industrial do ditador Mobutu Sese Seko. Mas, atualmente, atingem apenas 50% de seu potencial energético.
Foto: picture-alliance/dpa
Inga III
Inga I e Inga II localizam-se perto da foz do rio Congo e ligadas às cataratas Inga. O governo congolês já planeia o lançamento de Inga III, com custo de 13 mil milhões de euros e capacidade de 4.800 megawatts. Juntas, as três barragens seriam a central hidroelétrica mais potente de África.
Merowe no Sudão
O Sudão também depende fortemente de energia eólica com duas grandes barragens no país: Merowe no Rio Nilo (na foto) tem uma capacidade de 1.250 MW e foi construída por uma empresa chinesa. Ainda maior é a barragem de Roseires no Nilo Azul, que desde a sua construção em 1966 foi várias vezes ampliada e conta atualmente com turbinas que têm uma potência total de 1.800 MW.
Foto: picture-alliance/dpa
Akosombo, no Gana
A oitava maior barragem de África é Akosombo, no Gana. Construída na garganta do Rio Volta, a represa teve como resultado o Lago Volta - o lago artificial do mundo, com área de 8.502 quilómetros quadrados. As seis turbinas têm uma capacidade combinada de 912 megawatts. Além de gerar eletricidade, a barragem também protege contra inundações.
Foto: picture-alliance / dpa
Represa Tekezé, na Etiópia
Outra represa grande de África está localizada na Etiópia. A barragem Tekeze encontra-se entre as regiões de Amhara e Tigré. Apesar de seus impressionantes 188 metros de altura, a capacidade máxima da hidrelétrica é de 300 megawatts e, assim, apenas um vigésimo da potência da Grande Represa do Renascimento. A represa entrou em funcionamento em 2009.