Dinheiro que saiu de África poderia pagar a dívida externa do continente
11 de março de 2011Tomemos uma família como exemplo. O que se ganha tem de ser igual ao que se gasta mais o que se poupa. O mesmo se aplica a um país, mas na verdade há muito dinheiro com destino desconhecido. 854 mil milhões de dólares – foi o que África perdeu ate 2008 em fluxos ilícitos. Ou seja, o dobro do dinheiro que chegou de fora para ajudar o continente. E que hoje pode ter já alcançado os 1.8 biliões de dólares.
Estes são os resultados do estudo “Fluxos Financeiros Ilícitos de África”, números que poderiam ser mais exactos se não houvesse dados ocultos, como explica um dos autores do estudo, Dev Kar, economista-chefe na organização "Global Financial Integrity".
Kar dafirma que tendo um sistema deste tipo, até o banco de compensações internacionais - que reúne bancos centrais de todo o mundo - é proibido, por alguns governos, de disponibilizar dados.
Este facto dificulta, aos investigadores, analisar o dinheiro que vem por exemplo de Angola e de outros países, esclarece Kar. É impossível avaliar a fortuna de grandes nomes africanos, como a do presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
O estudo analisa os fluxos financeiros ilícitos de diferentes regiões africanas ao longo de 40 anos. Um estudo prévio tinha colocado Angola em segundo lugar e Moçambique em décimo, mas a nova análise incluiu os países do norte de África. Angola passou para a nona colocação e Moçambique para a 19ª.
A Nigéria, lidera a tabela e os países exportadores de petróleo são responsáveis pela fuga de 218 milhões dólares só na última década.
A responsabilidade dos países ocidentais
Os fluxos ilícitos cresceram, em média, 12% por ano. Estes números provam que o crescimento económico africano não significa melhor distribuição de dinheiro.
Depois de trabalhar 32 anos no Fundo Monetário Internacional, Kar percebeu que a mentalidade precisa mudar: os países ocidentais não podem continuar a pensar que os problemas africanos devem ser resolvidos apenas por África.
Ele enfatizou que parte do problema é que os países industrializados têm bancos que absorvem estes capitais ilícitos. “Portanto é preciso que eles queiram controlar os seus bancos. Mas isso não acontece porque os países põem a culpa uns nos outros. Eles também estão envolvidos no processo”, explica.
O dinheiro que saiu de África poderia pagar a dívida externa total e ainda deixar 600 mil milhões de dólares para aliviar a pobreza no continente. Vale a pena lembrar que este valor não inclui dinheiro gerado pelo narcotráfico, contrabando ou tráfico humano.
Para o analista, os recentes acontecimentos no norte de África têm provado que estes fluxos ilícitos trazem instabilidade política já que, sem democracia, se transmitem livremente.
Kar termina a entrevista com um apelo: “o meu maior medo é que este vazio político atraia elementos radicais, ou seja menos liberdade ainda. Devemos torcer para que os protestos tragam democracia e transparência, mas não há garantias. Resta-nos observar e rezar pelo melhor!”.
Autora: Débora Miranda
Revisão: Bettina Riffel / António Rocha.