Direção de Combate à Corrupção em Angola "não é solução"
21 de março de 2018O Executivo de João Lourenço anunciou a criação da Direção de Combate aos Crimes de Corrupção em Angola. Mas já se levantam dúvidas sobre a eficácia do organismo que vai funcionar sob a alçada do Serviço de Investigação Criminal.
"Não me parece que seja a solução", afirma o analista luso-angolano Orlando Castro em entrevista à DW África. Para o jornalista, a questão não está na criação de organismos, o problema reside no facto de "a corrupção em Angola ser uma instituição nacional".
DW África: João Lourenço anunciou a criação de uma nova Direção de Combate aos Crimes de Corrupção. Esta nova Direção é, na sua opinião, a solução para finalmente combater a corrupção em Angola?
Orlando Castro (OC): Não, não parece que seja porque, aliás, a ideia de haver uma Direção de Combate à Corrupção nem sequer é nova. Já em dezembro do ano passado, o então, julgo, sub-procurador-geral da República falava na Direção Nacional de Combate à Corrupção da Procuradoria-Geral da República (PGR). Portanto, a questão não está na criação de qualquer organismo nem sequer na dotação técnica e humana dessa direcção que venha a ser criada. O problema todo reside no facto de a corrupção em Angola ser uma instituição nacional. Este sistema gerou e corrupção e a corrupção estendeu os tentáculos a toda gente. Não são chamadas para esta tarefa pessoas de facto independentes. São todas pessoas criadas neste sistema, que têm telhados de vidro maiores do que o próprio país.
DW África: Não concorda com o que disse o ministro das Finanças angolano, que esta direção poderá colmatar as falhas da PGR. Na sua ótica, o que devia acontecer era uma "limpeza" aos magistrados que atualmente estão nestas funções?
OC: É evidente que sim, porque não chega termos um organismo tecnicamente bem dotado, com um número suficiente de técnicos, se esses técnicos não quiserem ou não puderem ir ao fundo das questões. A elite da sociedade angolana viveu toda neste sistema. Repare nisto: o Presidente João Lourenço chegou agora à vida política angolana? Não, é uma figura do regime e é impossível fazer com que um jacaré vire vegetariano. O jacaré é carnívoro, os filhos são carnívoros, os netos são carnívoros e portanto isto vai levar gerações.
DW África: O que seria preciso fazer para João Lourenço mostrar de facto que está preocupado em pôr fim à corrupção em Angola?
OC: Para já, precisava de demonstrar que ele próprio, enquanto cidadão, enquanto vice presidente do MPLA, enquanto ex-ministro, que não tem telhados de vidro, para incutir confiança na sociedade. E depois, teria de se rodear de gente capaz – que existe em Angola – mas que não fosse gente do sistema, gente do MPLA. Como é que é possível mudar as raposas de uma parte do galinheiro para outra e querer dizer que elas estão ali para defender as galinhas? Por muito boa vontade e honestidade intelectual que tenha, não consegue, se não forem criados organismos, eventualmente até com ajuda internacional, de gente que de facto não tenha nada a ver com este sistema.
DW África: Relativamente ao caso dos 500 milhões de dólares, que estão agora de regresso a Angola, o facto de estar envolvida a unidade internacional de corrupção é garantia de que os responsáveis por esta alegada burla não ficarão impunes?
OC: Garantia não é. João Lourenço, para além de exonerações e nomeações de comissões, pouco mais tem feito de concreto. É evidente que ele tem necessidade de julgar algumas pessoas, de prender algumas pessoas, para que tudo continue na mesma. Os angolanos depositaram tantas esperanças nesta luta de João Lourenço que querem ver algo mais concreto e, portanto, ele tem de pôr algumas pessoas dentro da cadeia. Mas daí a combater-se o mal pela raíz vai ser extremamente difícil. Ele vai sacrificar algumas pessoas para que publicamente se fique a ideia de que esta a combater a corrupção. Isto é fundamental e João Lourenço ainda não conseguiu, ou não o deixaram, ou não quis rodear-se de gente e de organismos que fosse suficientemente independentes para ultrapassarem todas as pressões que sofrem.
DW África: Ainda sobre este caso dos 500 milhões de dólares, a PGR constitui arguido o ex-governador do BNA Valter Filipe. Este é um exemplo de mostrar trabalho do Governo de João Lourenço?
OC: É, mas Valter Filipe foi constituído arguido e não pode sair do país. Agora falta é saber se ele não vai por a boca no trombone sobre o que sabe. Muitas destas pessoas que estão a ser sacrificadas são pessoas que tinham ligação a José Eduardo dos Santos e o povo gostou. Mas José Eduardo dos Santos, para além de ser o presidente do MPLA, tem as suas influências. Ainda vamos ver como é que as pessoas que José Eduardo dos Santos onsiderou válidas e que agora passaram de bestiais a bestas, vão reagir, se não vão levar por arrasto outras pessoas ligadas ao atual executivo de João Lourenço.
DW África: Portanto, este sacrifício de pessoas poderá ser favorável à transparência do que realmente se passou em Angola nos últimos anos?
OC: Sacrificar estas pessoas denota alguma preocupação em lutar pela transparência, pela justiça, por criminalizar quem cometeu crimes e isso é bom. Mas não chega. Vamos ver qual vai ser a reação destas pessoas. Podem muito bem dizer: eu vou cair, mas vou levar mais alguém comigo. Eu caio, levo o vizinho do lado. O vizinho do lado vê que vai cair, vai levar também o outro vizinho do lado e entramos aqui num ciclo vicioso do qual pouca gente vai escapar. Começa a cheirar a um ajuste de contas mais político do que económico ou financeiro. João Lourenço vai entrar na fase de dar um passo a frente e depois dar um passo atrás. Fica-se com a sensação de que se está a progredir mas quando pararmos para analisar o que foi feito, chegamos a conclusão que estamos no mesmo sítio, nalguns casos até com retrocesso.
DW África: Na sua opinião, para haver esses avanços concretos o que era necessário? Uma condenação exemplar?
OC: Era necessário o tal organismo tecnicamente bem dotado e com magistrados e outras personalidades não ligadas ao regime, pessoas independentes e concluírem quem são os principais responsáveis. Não podemos ficar no meio-termo de criminalizar os quadros que estão a meio para dar a entender que estamos a combater a corrupção e deixarmos impunes os chefes desses quadros. Claro que isto é idealismo porque nenhuma comissão, por mais independente que seja, vai dizer ou tentar provar que Presidente da República é corrupto. Mas há exemplos desses, como se está a ver agora com Nicholas Sarkozy em França. Mas aí estamos a falar de outras realidades.