Direitos humanos em Angola em foco no Parlamento Europeu
Maria João Pinto
11 de janeiro de 2017
O ativista angolano José Marcos Mavungo esteve esta quarta-feira (11.01) no Parlamento Europeu, a convite da eurodeputada portuguesa Ana Gomes, numa audição pública sobre os direitos humanos no país.
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Em entrevista à DW África, a eurodeputada Ana Gomes afirma que há "reservas” quanto aos últimos desenvolvimentos no país, em ano de presidenciais e após o anúncio da saída de José Eduardo dos Santos da política. Ana Gomes e o ativista angolano José Marcos Mavungo afirmam que é preciso "ver para crer” no anunciado afastamento do Presidente angolano.
Esta quarta-feira (11.01), o ativista de Cabinda aproveitou para sublinhar as "grandes responsabilidades” da comunidade internacional em relação ao que se passa em Angola, convidando-a a fazer pressão sobre Luanda.
DW África: Em que contexto surge esta audição e porquê levar agora Marcos Mavungo ao Parlamento Europeu?
Ana Gomes (AG): Encontrei-o recentemente em Lisboa, soube que vinha a Bruxelas e achei que era uma boa oportunidade. Ele foi referenciado na resolução do Parlamento Europeu que também se pronunciou sobre os "revús”, quando estava preso. Eu própria fiz diligências para a sua libertação quando estive em Angola, em 2015, e, portanto, achei que era uma oportunidade de outros colegas poderem falar com ele e de termos mais informações sobre a situação em Angola e, especificamente, em Cabinda. Também à luz dos últimos desenvolvimentos, com as eleições que estão previstas e com o anúncio por parte do Presidente José Eduardo dos Santos de que se afastaria. É um anúncio que não é novo, já foi feito outras vezes e não se concretizou, mas, neste caso, já indicou um novo possível sucessor. Neste contexto, achámos que era particularmente interessante ter esta discussão.
DW África: Com as eleições presidenciais previstas para 2017, espera alguma mudança na situação dos direitos humanos em Angola?
AG: Antes de mais, espero para ver se, de facto, essas eleições terão lugar e se serão feitas em condições de liberdade. Obviamente, para haja condições de liberdade, terá de haver observação eleitoral independente. Quando estive em Filadélfia, na Convenção do Partido Democrata, encontrei a senhora Federica Mogherini [chefe da Política Externa europeia], e apresentei-a ao líder da UNITA, Dr. Samakuva, e o da CASA-CE, o Dr. Chivukuvuku. Os dois, à minha frente, pediram à senhora Mogherini que a União Europeia enviasse observação eleitoral às eleições deste ano. A senhora Mogherini mostrou toda a disponibilidade, mas, naturalmente, precisa de um convite formal e de uma responsabilização por parte da sociedade angolana de que respeita as regras de independência que regulam todas as missões de observação eleitoral da União Europeia. Até hoje, não tive notícia de que esse convite tivesse chegado e espero que venha. Vai-se fazendo tarde, dependendo da época em que as eleições vão ter lugar em 2017. Quanto à concretização da indicação dada pelo Presidente de que não se voltaria a apresentar e que o candidato do MPLA poderia ser o General João Lourenço, cá estaremos para ver. O próprio Dr. Mavungo diz que quer ver para crer, tendo em conta que, no passado, muitas vezes essas sugestões foram feitas por parte do Presidente e não se concretizaram. Também outros ativistas com quem tenho falado expressaram o mesmo tipo de posição reservada em relação ao que vai ser a realidade.
DW África: Neste contexto de debate da situação dos direitos humanos em Angola, ouvindo Mavungo e outros ativistas, poderá ser tomada alguma posição oficial?
AG: Estamos a obter informações e é essa uma parte normal do processo no Parlamento Europeu: obter informações através das instituições das entidades europeias, mas também diretamente dos ativistas dos direitos humanos, na medida em que eles vêm à Europa e podem vir aqui ao Parlamento. Nós teremos as portas abertas e temos muito interesse em ouvi-los, como aconteceu hoje, na presença de vários deputados, nomeadamente muito focados nas questões europeias e africanas.
DW África: Depois de obter estas informações, qual deve ser o papel da União Europeia?
AG: O Dr. Marcos Mavungo sublinhou as grandes responsabilidades que os europeuse outros têm em relação ao que se passa em Angola por causa dos investimentos angolanos que há na Europa, por causa dos empréstimos que são concedidos a Angola através do FMI e do Banco Mundial. Os europeus não se podem isentar da responsabilidade de monitorizar as relações económicas e outras com Angola e a forma como o Governo gere, em proveito próprio ou contra o povo esses recursos.
DW África: Com este foco nos direitos humanos no país, espera alguma reação por parte das autoridades angolanas?
AG: Não (risos), não espero nenhuma reação. Só espero, por parte da sociedade civil angolana, que perceba que no Parlamento Europeu há muito interesse em ouvi-la e que não partirá de ninguém senão dos próprios angolanos mudar a sua situação interna. Cá fora podemos ouvi-los, atuar e pressionar, mas tudo depende do próprio povo angolano, dos seus líderes e dos ativistas pelos direitos humanos e democracia.
11.01 Entrevista Ana Gomes - MP3-Mono
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.