A crise e a repressão governamental afetaram os direitos humanos em Angola em 2016, conclui a Human Rights Watch no seu relatório internacional anual. Em Moçambique, as violações aumentaram devido ao conflito militar.
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Os direitos humanos em Angola foram afetados em 2016 pela "contínua repressão governamental" e pela "pior crise económica" vivida desde o fim da guerra civil, lê-se no relatório da Human Rights Watch (HRW) lançado esta quinta-feira (12.01) e relativo a 2016.
Segundo a organização, a crise provocada pela quebra da cotação internacional de petróleo pôs fim a uma década de forte crescimento do país, o segundo maior produtor de crude de África, expondo "problemas não resolvidos" provocados por "anos de corrupção, má gestão de fundos públicos e controlo político das instituições".
Como exemplo, a HRW refere que o apelo à aceleração da diversificação da economia angolana, baseada no petróleo mas com forte potencial na agricultura, está a levar a "aquisições massivas de terrenos pelo Governo e investidores privados". Por vezes com "despejos à força e outras violações, incluindo na capital", é referido no documento.
A crise afetou igualmente o setor público da saúde e acesso a cuidados médicos, com quase 3.000 mortos devido à malária apenas no primeiro trimestre do ano. As mortes por malária afetaram sobretudo crianças, recordando que Angola continua a ter uma das mais altas taxas de mortalidade infantil do mundo, em que "uma em cada cinco crianças não sobrevive até aos cinco anos".
Nesta análise ao ano passado, a organização refere igualmente que as forças de segurança continuaram a "reprimir os ativistas pró-democracia", travando protestos pacíficos cuja realização está prevista na Constituição angolana. "O Governo constantemente bloqueia protestos antigovernamentais pacíficos com intimidação e detenções e, quando os protestos pacíficos acontecem, frequentemente enfrentam força excessiva e detenções arbitrárias", lê-se no relatório da HRW.
É também recordado o caso dos 17 ativistas detidos em 2015, em Luanda, que acabaram condenados em março do ano passado por crimes de associação de malfeitores e rebelião a penas de prisão efetiva de até oito anos e meio. O grupo foi libertado em junho, quando já tinha cumprido cerca de três meses de pena, após recurso da defesa e beneficiou já em setembro de uma amnistia aprovada no Parlamento para todos os crimes com penas até 12 anos, exceto os de sangue.
Abusos em Moçambique
No caso de Moçambique, a HRW alerta que "as violações de direitos humanos aumentaram em Moçambique em 2016, devido a uma tensão crescente e confrontos armados entre o Governo e o antigo movimento rebelde, atual partido político, Resistência Nacional Moçambicana [RENAMO]".
Segundo a organização, as forças de segurança do Governo "foram credivelmente implicadas em abusos nas operações contra a RENAMO", incluindo execuções sumárias e violência sexual, que levaram milhares de pessoas a abandonar o país.
"Refugiados moçambicanos no Malaui disseram que soldados de uniforme, alguns conduzindo veículos do exército, executaram sumariamente habitantes masculinos na província de Tete em fevereiro de 2016, ou amarraram-nos e levaram-nos para locais desconhecidos", segundo testemunhos citados pela HRW, que apontaram também incêndios de casas, celeiros e campos de milho de residentes na região, acusados de alimentar os guerrilheiros da RENAMO.
A organização cita um relatório da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique, que em abril também denunciou execuções sumárias por parte das forças do Governo, mas igualmente abusos cometidos por combatentes da RENAMO contra pessoas que achavam que estavam a cooperar com a outra parte.
A HRW alerta para os "assassínios não resolvidos" de pelo menos 15 pessoas não identificadas que diz terem sido encontradas debaixo de uma ponte por residentes numa zona remota das províncias de Sofala e Manica, apesar de a descoberta ter sido realizada por um grupo de jornalistas e depois terem sido confirmados mais corpos ao abandono na mesma região.
Repressão na Guiné Equatorial
Corrupção, pobreza e repressão persistem na Guiné Equatorial, onde Teodoro Obiang Nguemaé o mais antigo Presidente do mundo, segundo um relatório da HRW, que alerta que faltam serviços básicos, apesar da enorme riqueza do país.
"Grandes receitas do petróleo proporcionam estilos de vida luxuosos a uma elite à volta do Presidente, enquanto a grande maioria da população continua na pobreza. Má gestão de fundos públicos, alegações credíveis de elevada corrupção e outros abusos sérios, incluindo tortura, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, repressão de grupos da sociedade civil e de políticos da oposição e julgamentos injustos persistem", comenta, no relatório, a HRW.
A Guiné Equatorial, um dos cinco maiores produtores de petróleo da África subsaariana, tem, "de longe", o maior intervalo entre a riqueza 'per capita' (o PIB per capita era de 21.056 dólares em 2014) e o índice de desenvolvimento humano (138.º lugar em 188 países), revela o relatório mundial da organização de defesa dos direitos humanos, relativo a 2016.
"Apesar da riqueza do país, dada a abundância do recurso natural, a Guiné Equatorial foi incapaz de garantir serviços básicos cruciais", aponta o documento, revelando que metade da população (cerca de um milhão de habitantes) não tinha acesso a água potável e um quarto das crianças tinham má nutrição e nunca tinham sido vacinadas, em 2011. No ano passado, 42% das crianças não frequentavam a escola e apenas metade dos menores que iniciam a escola primária terminam este ciclo, acrescenta.
Quanto à liberdade de expressão, o relatório revela que os poucos órgãos de comunicação privados que existem na Guiné Equatorial estão ligados ao círculo de Obiang. "A liberdade de associação e reunião é severamente restringida" e os "poucos ativistas locais enfrentam frequentemente intimidação, perseguição e represálias", diz ainda.
2016 em imagens: O que moveu a África lusófona?
Desde a tensão político-militar em Moçambique, passando pela luta pela liberdade de expressão em Angola, até à crise política na Guiné-Bissau - 2016 foi um ano de momentos marcantes nos PALOP.
Foto: Getty Images/AFP
Angola: Febre amarela mata 370 pessoas
O primeiro caso foi conhecido no final de 2015, em Luanda. Em poucos meses, a epidemia alastra-se às 18 províncias do país e mata mais de 370 pessoas. Em fevereiro, o Governo lança a primeira fase da campanha de vacinação (na foto). Em dezembro, a Organização Mundial de Saúde afirma que não pode declarar o país livre do surto, uma vez que "ainda decorre o período de implementação da resposta".
Foto: DW/B. Ndomba
Ataques e acusações em Moçambique
A 20 de janeiro, o secretário-geral da RENAMO, Manuel Bissopo, é baleado por desconhecidos na cidade da Beira, centro de Moçambique. O político da oposição sobrevive, mas, desde o início do ano, quase diariamente, há notícias de ameaças, sequestros e mortes de dirigentes moçambicanos. A FRELIMO e a RENAMO trocam acusações. A tensão político-militar marca o ano no país.
Foto: Nelson Carvalho
Cabo Verde: Maioria absoluta para a oposição
Em março, o Movimento para a Democracia (MpD) derrota o PAICV e volta ao poder, após 15 anos na oposição. O primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva promete trabalhar pelo crescimento do país, mas, em julho, admite: Cabo Verde "não está bem". Apesar do "contexto económico, financeiro e social difícil", em novembro, o Governo prevê um crescimento de 5,5% do PIB no Orçamento de Estado para 2017.
Foto: MpD
Penas de prisão para 15+2 em Luanda
17 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião e de organização de malfeitores, são condenados em março a penas entre dois e oito anos de prisão. O julgamento fica marcado por protestos e denúncias de irregularidades e ganhara visibilidade internacional com a greve de fome de Luaty Beirão e outros ativistas contra a morosidade do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
As "dívidas escondidas" de Moçambique
Em abril, o Governo moçambicano admite a existência de dívidas não declaradas pelo Estado. A descoberta das dívidas contraídas por três empresas com garantias do Governo, sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais, levam os investidores a suspender a ajuda financeira a Moçambique. Ao mesmo tempo, o metical desvaloriza e os preços sobem: a crise económica instala-se no país.
Foto: DW/M. Sampaio
José Mário Vaz e a crise em Bissau
A 12 de maio, o Presidente guineense demite o Governo de Carlos Correia. Na Assembleia Nacional Popular reina o desentendimento após a expulsão de 15 deputados do PAIGC, partido maioritário no Parlamento. Baciro Djá é empossado primeiro-ministro sob protestos do ex-Executivo e da maioria dos deputados do PAIGC. O impasse impede debate e aprovação do programa do novo Governo.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
A polémica presidente da Sonangol
Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola, é nomeada pelo pai em junho para chefiar a petrolífera estatal. Doze advogados apresentam ao Tribunal Supremo uma providência cautelar, invocando a alegada violação da lei da Probidade Pública. A ação ainda aguarda decisão. Entretanto, a Procuradoria-Geral da República considera que a nomeação de Isabel dos Santos para a Sonangol "cumpriu a lei".
Foto: Reuters/E. Cropley
Ativistas em liberdade após lei de amnistia
Em junho, o Supremo Tribunal de Angola ordena a libertação dos ativistas angolanos a cumprirem pena de prisão por rebelião. Luaty Beirão (na foto), é um dos ativistas postos em liberdade. José Marcos Mavungo, detido em março de 2015, depois de ter organizado uma manifestação contra a má governação em Cabinda e a violação dos direitos humanos em Angola, tinha já sido posto em liberdade em maio.
Foto: DW/P. Borralho
São Tomé e Príncipe: eleições controversas
Evaristo de Carvalho vence a primeira volta das presidenciais, em julho, mas a Comissão Eleitoral anuncia uma alteração do resultados: afinal, nenhum candidato reúne mais de 50% dos votos. O Presidente cessante Manuel Pinto da Costa, o segundo mais votado na primeira volta, desiste da corrida e Evaristo de Carvalho concorre sozinho à segunda. É eleito Presidente com 54% de abstenção.
Foto: DW/R. Graça
Saída em 2018?
Em março, José Eduardo dos Santos anuncia que vai abandonar a vida política em 2018. Mas, em agosto, é reconduzido na liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Os moldes exatos da sua saída da política ainda não são conhecidos. Após a independência em 1975, Angola apenas teve dois Presidentes: Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979.
Foto: picture alliance/dpa/P.Novais
Diálogo em Moçambique
Em setembro, são retomadas as negociações entre o Governo e a RENAMO em Maputo, que estão sob mediação internacional desde julho. Governo e RENAMO estão há meses sem chegar a um entendimento. Mediadores propõem cessar-fogo, mas os confrontos continuam. As divergências mantêm-se até ao fim do ano de 2016, altura em que a descentralização do poder está no centro do debate.
Foto: DW/L. Matias
Ataques a dirigentes políticos em Moçambique
Armindo Nkutche, membro da Assembleia Provincial de Tete pela RENAMO, é morto a tiro em setembro. Jeremias Pondeca, representante da RENAMO nas negociações de paz (à direita, na foto), é morto a tiro em outubro. No mesmo mês, desconhecidos matam o chefe da bancada da RENAMO na Assembleia Provincial de Sofala, Juma Ramos. Multiplicam-se os ataques a membros do partido da oposição e da FRELIMO.
Foto: DW/L. Matias
Continuidade em Cabo Verde
O Presidente Jorge Carlos Fonseca vence as eleições de 2 de outubro, mas a abstenção histórica de 64% levanta críticas da oposição. Na tomada de posse do seu segundo mandato (na foto), o Presidente cabo-verdiano defende o reforço da segurança do país a partir de investimentos em tecnologia e formação de agentes.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Moçambique não consegue pagar dívidas
Em novembro, o Governo assume oficialmente a incapacidade financeira para pagar as próximas prestações das dívidas das três empresas públicas com empréstimos ocultos (EMATUM, ProIndicus e MAM), defendendo uma reestruturação dos pagamentos e uma nova ajuda financeira do FMI. Comissão Parlamentar de inquérito para investigar contornos das dívidas conclui que o Executivo violou a Constituição.
Foto: Leonel Matias
Correspondente da DW detido
Arcénio Sebastião, correspondente da DW África na Beira, em Moçambique, é detido durante 34 dias no distrito do Dondo, acusado de injúria e difamação contra um agente da polícia. Um caso "incomum", segundo a defesa e o Instituto para a Comunicação Social da África Austral - MISA. O jornalista aguarda julgamento em liberdade, depois do pagamento de uma fiança de 20 mil meticais (mais de 230 euros).
Foto: DW/A. Sebastiao
Nosso Banco fecha as portas em Moçambique
O terceiro maior banco de Moçambique, com capitais maioritariamente nacionais, encerra ao público em novembro, na sequência do cancelamento da sua licença pelo Banco Central (na foto), perante os problemas financeiros da instituição. O caso causa indignação e juristas sugerem que o Banco de Moçambique pode ser alvo de responsabilização civil por negligência. Outros bancos estão sob vigilância.
Foto: DW/J.Beck
Guiné-Bissau: 5 Governos em menos de 3 anos
Em novembro, José Mário Vaz demite o Governo de Baciro Djá e dá posse a um novo primeiro-ministro: Umaro Sissoco. O PAIGC, vencedor das últimas legislativas, não aceita integrar o novo Governo, empossado em dezembro, por considerar que este resulta de uma iniciativa presidencial contrária ao acordo de Conacri, assinado pelos dirigentes guineenses em outubro e mediado pela CEDEAO.
Foto: DW/B. Darame
João Lourenço: o candidato do MPLA?
O ato central das comemorações do 60º aniversário da fundação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a 10 de dezembro, decorre sem a presença do presidente do partido, José Eduardo dos Santos. O ministro da Defesa, João Lourenço, é tido como o sucessor à liderança do partido, mas o MPLA não o confirma oficialmente.