Direitos humanos em Moçambique "deixam muito a desejar"
Lusa | ms
19 de julho de 2018
Moçambique registou melhorias na área dos direitos humanos nos últimos 20 anos, mas "há ainda muito por fazer", defende o bastonário da Ordem dos Advogados. Sobrelotação das cadeias é um dos principais problemas.
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"A situação dos direitos humanos Moçambique ainda deixa muito a desejar", disse o bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), à margem do lançamento do relatório dos direitos humanos no país de 2016.
Entre os principais desafios, Flávio Menete destacou a sobrelotação das cadeias, que atingiu os 222,1% em 2017, segundo os últimos dados da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A OAM entende que a sobrelotação dos estabelecimentos penitenciários é provocada por uma tendência de dar prioridade à prisão preventiva, considerando que se os moldes de aplicação da pena preventiva fossem alterados as cadeias teriam apenas metade da população que possuem no momento.
"Encontramos uma série de concidadãos nossos que estão ilegalmente na prisão em virtude de terem extrapolado os prazos de prisão preventiva ou na situação de ter sido instruído o processo, mas não ter sido possível realizar o julgamento em tempo útil", acrescentou o bastonário.
No relatório, a OAM recomenda que se decrete a prisão preventiva exclusivamente nas situações em que a lei assim define ou que seja necessário para garantir os interesses do processo. "Temos de ser rigorosos na aplicação da prisão preventiva, só quando necessário. Isso irá descongestionar os estabelecimentos penitenciários", declarou o bastonário.
Indústria extrativa
A questão da indústria extrativa também é citada no relatório, que aponta situações de violação de direitos humanos, com destaque para o não cumprimento das regras do reassentamento. "Não são cumpridas as regras do reassentamento e algumas vezes há mesmo violência contra os membros das comunidades nas zonas onde ocorre esta actividade", lembra Flávio Menete.
Na área da saúde, segundo a OAM, o país continua com os desafios de infraestrutura e recursos humanos para assistência das populações, além do défice de medicamentos, "embora relatórios oficiais digam o contrário".
O ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Joaquim Veríssimo, citado pelo jornal "O País", admitiu que o Governo está ciente dos desafios na área dos direitos humanos, mas sublinhou que tem havido avanços nesta matéria, resultantes da implementação do plano quinquenal do Governo.
O dia a dia dos reclusos de Manica
A Penitenciária Regional Centro, na província moçambicana de Manica, é temida por quem passa por aqui. No entanto, os reclusos aprendem vários ofícios para facilitar a sua integração na sociedade após cumprirem as penas.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Estabelecimento exemplar
A Penitenciária Regional Centro de Manica, também conhecida por "Cabeça do Velho", é considerada uma das melhores do país. E é temida por quem passa por aqui. Tentativas de fuga não têm sido bem sucedidas devido ao forte esquema de segurança. Também a disciplina é uma das regras entre os reclusos. Os "frutos amargos do desacato" recaem sobre os próprios infratores, contam.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Tempo para estudar
Os reclusos têm direito a continuaros seus estudos na prisão. E para quem nunca frequentou uma sala de aula há programas de alfabetização e educação de adultos. A oferta vai desde a alfabetização até ao nível básico do primeiro ciclo. Alguns presidiários contam que, ao serem presos, tinham apenas a 5ª ou a 6ª classe. Agora, muitos deles já concluíram a 10ª classe.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Aprender para empreender
A penitenciária promove diversos cursos de curta duração. O objectivo é passar conhecimentos sólidos para que, em liberdade, os detidos possam integrar-se na sociedade e não voltem a cometer outros crimes.
Foto: DW/Bernardo Jequete
A arte da cestaria
Os trabalhos de cestaria e tapeçaria são os mais visíveis na cadeia de Manica. Em pouco tempo, os jovens aprendem rapidamente a fazer ou trançar chapéus, cestos, tapetes e outras peças. Os reclusos que beneficiaram dos cursos profissionalizantes costumam ter bastante trabalho para se ocupar.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Trabalho bem feito
Este conjunto de mesa e cadeiras foi produzido pelos reclusos. Os detidos afirmam que estão preparados para enfrentar os desafios do ramo de empreendedorismo, quando forem libertados depois do cumprimento da pena.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Viagens garantidas após libertação
O dinheiro conseguido com a venda de móveis e outros produtos serve para custear as despesas de viagem quando os presidiários regressam às suas zonas de origem. O gesto, segundo eles, é bastante gratificante. Antigamente, não tinham como regressar às suas províncias depois do cumprimento da pena.
Foto: DW/Bernardo Jequete
"Somos especialistas"
Os jovens reclusos já se sentem especialistas no ofício da carpintaria. E dizem-se lisonjeados pela oportunidade que lhes foi dada. Garantem que, depois de serem soltos, não vão abandonar a profissão.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Bons carpinteiros
Alguns reclusos encaram as capacitações com seriedade. Já existem bons carpinteiros que estão apenas a aguardar a liberdade para prosseguircom a formação. Dizem que, apesar de terem cometido um crime, o Governo sai a ganhar com a prisão. Porque eles constrOem, produzem a comida na machamba e fazem outras atividades em prol da penitenciária.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Cozinhar as próprias refeições
Os reclusos também cozinham as suas refeições. Há uma escala a ser seguida na cozinha. Segundo os detidos, a comida fica boa quando é feita por eles. O Estado gasta mais de dois milhões de meticais por mês só para a alimentar os cerca de dois mil reclusos.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Refeição especial
Aos doentes, é oferecida uma refeição diferente da que é servida aos restantes reclusos: sopa de esparguete com tomate, óleo, cebola e outros temperos. Para os saudáveis, a comida basta ter "água e sal, não há problemas", conta um dos detidos.
Foto: DW/Bernardo Jequete
Hora de distração
Para além dos trabalhos desenvolvidos na penitenciária, os reclusos também têm direito a momentos de distração - uma forma de respeitar os direitos humanos. No entanto, dizem que se trata de "um refrescamento de memória". Muitos aproveitam a oportunidade para respirar ar puro, tomar banho de sol e até dançar.