Assinala-se esta terça-feira, 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Cuando Cubango, em Angola, vários cidadãos acusam o Estado de pisar com frequência a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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O compromisso com os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos é "sagrado", afirmou o Presidente João Lourenço em 2022. Mas a realidade em Angola está bastante distante dessas palavras.
É o que diz, em entrevista à DW, Ezequias Pelembe, secretário do sínodo provincial da Igreja Evangélica Congregacional em Angola (IECA) no Cuando Cubango. Segundo ele, "os direitos humanos ao nível desta província angolana estão em risco".
O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos define que todo o ser humano "tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis". Mas não é isso que acontece no Cuando Cubango.
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Não há "água potável"
"Digo isso porque, aqui mesmo na cidade de Menongue, fala-se de água, mas não é água potável. Se saíres, vais encontrar pessoas a consumirem água e, se forem testar em algum laboratório, nem sequer devíamos pegar nessa água. Isto coloca em risco a vida humana", nota Ezequias Pelembe.
Segundo o religioso, várias organizações da sociedade civil têm trabalhado bastante na promoção dos direitos humanos, mas ainda encontram vários entraves impostos por órgãos públicos – a começar por violações ao artigo 20 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que "todo o ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica".
Direito à manifestação
Pelembe exemplifica: "Há alguns meses, a organização Mosaiko queria fazer uma marcha pela defesa do ambiente, mas não foram autorizados, mesmo tendo tratado antes de toda a papelada".
Moradores de Luanda convivem com lixo e mau cheiro nas ruas
A época das chuvas começou e a água espalha os resíduos acumulados nas ruas para todos os cantos da capital angolana. O lixo a céu aberto aumenta o risco de paludismo, a principal causa de morte em Angola.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cidadãos deitam lixo fora logo pela manhã
Logo pela manhã, cidadãos deitam resíduos sólidos em contentores. A expectativa desses moradores é de que as operadoras de recolha do lixo façam o seu serviço durante o dia ou à noite. O que acontece, entretanto, é que o dia seguinte chega e o lixo permanece intato nos contentores ou no chão. Fala-se em dívidas de milhões de kwanzas que o Governo Provincial de Luanda teria com as empresas.
Foto: Manuel Luamba/DW
Lixo transborda nos contentores
Os poucos contentores existentes nas ruas de Luanda - quer sejam na periferia, quer sejam na cidade - estão totalmente abarrotados de lixo. Por falta de espaço, os resíduos sólidos caem no chão.
Foto: Manuel Luamba/DW
Aproveitam-se das "montanhas de lixo"
Nem todas ruas de Luanda têm contentores para o depósito de lixo. Muitos cidadãos colocam-no no chão. Algumas pessoas aproveitam-se da existência do lixo como uma espécie de esconderijo para fazer as suas necessidades. É muito comum flagrar alguns citadinos a urinar atrás das "montanhas de lixo".
Foto: Manuel Luamba/DW
Zonas privilegiadas
Há zonas onde existe uma recolha tímida de lixo. Consequentemente, os contentores destas áreas encontram-se vazios. A DW África constatou isso no Bairro Popular, junto ao famoso Hospital da Fé. Aparentemente as autoridades precisam investir mais para ampliar significativamente a recolha a fim de beneficiar toda a capital, não somente algumas poucas zonas.
Foto: Manuel Luamba/DW
Um risco para a saúde pública
O lixo visto por todos os cantos poderá se transformar num problema de saúde pública. As chuvas já começaram a cair e algumas doenças já estão cada vez mais presentes. O paludismo, por exemplo, é a maior causa de morte em Angola e o número de casos desta doença poderá aumentar em consequência do lixo nas ruas. A chuva gera pequenos charcos de água em locais onde há lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Um atentado ao meio ambiente
A inexistência ou escassez de recolha de lixo tem levado os cidadãos a uma velha prática: a queima do lixo. Ao incinerar os resíduos, o fumo acaba por se tornar nocivo à saúde e faz com que o ambiente à volta seja insuportável para alguns transeuntes. Apesar de não ser em grande quantidade, a queima de lixo não deixa de ser um atentado ao meio ambiente.
Foto: Manuel Luamba/DW
Até nas valas de drenagem
O lixo em Luanda não escolhe o local. Até nas poucas valas de drenagem que a capital angolana tem há resíduos sólidos. A vala do Kariango - que sai do município do Cazenga em direção à cidade - é um exemplo disso. O lixo acaba por obstruir o escoamento da água, o que pode provocar inundações nas ruas.
Foto: Manuel Luamba/DW
O "Senado da Câmara"
O "Senado da Câmara" é umas das maiores valas de drenagem à céu aberto de Luanda. O curso de água também é extremamente afetado pelos resíduos sólidos, que impedem o fluxo normal de água. A acumulação de poluentes neste local acaba por intoxicar o ambiente e colocar em causa a saúde pública.
Foto: Manuel Luamba/DW
Meio de sobrevivência
Se para alguns os amontoados de lixo constituem um risco para a saúde pública, para outros é um meio de sobrevivência. Idosos e jovens encontram no lixo comida, bidões e objetos para comercialização. É um sinal de que resíduos deitados nas ruas podem beneficiar as pessoas em projetos cuidadosos de reciclagem e de aproveitamento de comida. Mas aqui o lixo ainda não está relacionado à economia.
Foto: Manuel Luamba/DW
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Amadeu Lucas, membro da Sociedade Civil e Revolucionária do Cuando Cubango (SCR-CC), acusa o Estado de pisar com frequência esse direito cívico.
À DW, o ativista conta que enviou "cartas em nome do [seu] movimento cívico ao governo provincial para [informar sobre uma] possível manifestação que visava alertar para a insuficiência na distribuição de água e energia elétrica e para pedir o reforço no patrulhamento de proximidade. Estas cartas não viram um deferimento positivo, o que é preocupante".
Não são apontados só problemas quanto à liberdade de manifestação. Outro ponto sensível é a liberdade de imprensa.
Liberdade de imprensa
Este ano, a situação melhorou um pouco em Angola, de acordo com o Índice Mundial da Liberdade de Imprensa da organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF). O país subiu 21 posições. Mas continua em 104.º lugar num total de 180 países.
Para o diretor da Rádio Ecclesia de Menongue, o padre católico António Dumba, há espaço para melhorar, "uma vez que o nosso país está no quadro, na própria legislação, de um país que se diz democrático".
"Naturalmente, há uma ou outra questão ainda tem muito a desejar. Mas também devemos dizer que o tempo é mestre da vida, vamos caminhando. Já nos podemos expressar sobre algumas coisas", conclui.
Uma vida de luta pelos direitos humanos e pelas crianças