Presidente angolano diz que o vandalismo registado durante a paralisação dos taxistas no início da semana foi um "ato de terror" para tornar o país ingovernável. Ativista responde que o terrorismo vem do próprio regime.
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O Presidente de Angola, João Lourenço, considerou esta terça-feira (12.01) que o vandalismo registado na segunda-feira (10.01) em Luanda, durante a paralisação dos taxistas, foi um "ato de terror" para tornar o país ingovernável e "subverter o poder democraticamente instituído".
O chefe de Estado elogiou também a "contenção" da Polícia Nacional, que deteve várias dezenas de pessoas na sequência dos desacatos. Um dia que ficou marcado por distúrbios e atos de vandalismo entre os quais a destruição de um autocarro do Ministério da Saúde e de um edifício do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder.
Em entrevista à DW África, o ativista angolano Nuno Dala, um dos que fez parte do conhecido processo "15+2", critica as declarações do Presidente da Repúbllica e diz não ter dúvidas de que estes protestos mostram que Angola é uma "panela de pressão" prestes a rebentar.
DW África: João Lourenço considera que o vandalismo registado na segunda-feira em Luanda durante a paralisação dos taxistas foi um "ato de terror" para tornar o país ingovernável e "subverter o poder democraticamente instituído". Como é que comenta estas afirmações do chefe de Estado?
Nuno Dala (ND): O Presidente da República já tem estado a dar sinais na forma de discursos que procuram culpados que possam justificar o estado em que o país se encontra. E esse último pronunciamento dele enquadra-se nessa estratégia, que visa exatamente atirar as culpas da incompetência toda para uma outra entidade que possa efetivamente reconhecer as culpas. A greve dos taxistas que se verificou durante segunda e terça-feira fundamentou uma série de problemas [da classe], dos quais podemos destacar a necessidade de os taxistas terem, por exemplo uma carteira profissional.
DW África: Portanto, acha que não se tratou de um "ato de terror", mas sim o reflexo de um descontentamento popular muito grande em Angola?
ND: Primeiro, os cidadãos em Angola não têm tendência para atos de terrorismo. Agora, se há aqui algum terrorista tem sido naturalmente o regime que ao longo de mais de 46 anos tem estado a praticar terrorismo de diversas formas, na forma de assassinatos de grupos, corrupção, má governação, ou seja, isso é que tem sido terrorismo contra todos os cidadãos deste país.
DW África: Em 2015, viveu-se uma situação semelhante quando as pessoas foram para as ruas a pedir liberdade já para os "15+2", os ativistas então detidos. O protesto desta segunda-feira é sinal de que Angola é uma panela de pressão prestes a rebentar, como aconteceu nessa altura?
ND: É evidente e a situação é mais grave ainda do que em 2015. Em 2015 estávamos com o anterior Presidente [José Eduardo dos Santos], na altura a caminhar para os 40 anos de presidência, tinham-se acumulado uma série de frustrações e bem faziam as pessoas protestar daquela forma. E o nosso processo fez com que aquela frustração, aquele arrependimento, de certa forma, de boa parte de quem, por exemplo, votou no MPLA em 2012 e em 2008, acabasse por se traduzir naquelas manifestações, marchas e outras formas de expressar o descontentamento que marcaram o país naquele período. E em 2022 a situação é pior. Agora, olhando para o que aconteceu no início da semana, nomeadamente a depredação do comité de ação do MPLA, bem como a destruição do mobiliário que foi feita na data, não é possível acreditar que tenha sido ação de populares que agiram de forma espontânea. Para já, não havia ninguém nas instalações, o que não é normal num dia útil de trabalho. Não havia segurança nem privada nem na forma de policiamento. Há uma esquadra a escassos metros do comité do MPLA ali e a polícia não fez rigorosamente nada, a não ser depois que a situação assumiu contornos de segurança pública, porque aquilo pôs em causa inclusive a segurança de outras residências nos arredores. E mais do que isto, é que a própria destruição do autocarro foi feita com gasolina, ou seja, pegaram em gasolina e colocaram em um ou dois galões e incendiaram a viatura. Aquilo teve mais de planeamento do que de espontaneidade. Praticamente todos os setores sociais em Angola são unânimes em reconhecer que, efetivamente, o que se verificou naquele dia traduziu-se efetivamente numa ação concertada, por gente ligada ao poder, para depois culparem a oposição.
Luanda: Marcha contra aumento dos combustíveis em Angola
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DW África: Em ano de eleições, e tendo em conta o aumento dos receios de uma fraude eleitoral em Angola, é de esperar mais manifestações deste género nos próximos tempos?
ND: É claro que também é preciso admitir que sempre que houver situações como greves que afetem os consumidores, os cidadãos, eles acabem por descontar toda a raiva no partido da situação. Estas situações vão se repetir ao longo do ano. Em relação à fraude, não só à Frente Patriótica Unida (FPU) tem estado de facto a criar mecanismos para inviabilizar a sua ocorrência, como até os próprios cidadãos vão dando sinais até de que estariam dispostos a inviabilizar certas instituições para que a fraude efetivamente não aconteça. Uma situação leva sempre a outra. Começa com o impacto de uma greve, depois evolui para os cidadãos descontaram toda a raiva no partido e não é a primeira vez que isso acontece nesses últimos dois anos. E depois isso pode levar a outros contornos incalculáveis, pior até do que em 1992.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
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Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.