Reação do painel do "Revista Nacional" que abandonou o programa em direto no domingo, face a aparente imposição de comentador no debate. Fátima Mimbire acredita que o Governo quer aniquilar o debate independente.
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Era praticamente o único espaço de debate político composto por um painel crítico e independente na comunicação social moçambicana, mas logo à nascença, na sua terceira edição, o "Revista Nacional" da TV Sucesso deu sinais de não conseguir resistir à "força da mudança" da FRELIMO, o partido no poder em Moçambique.
Este domingo (14.03), o canal substituiu, antes do programa, o painelista residente Alexandre Chivale, advogado do ex-Presidente Armando Guebuza, por Egídio Vaz, tido como propagandista da FRELIMO e do Presidente da República, Filipe Nyusi. A justificação: o direito de resposta ou a chance de esclarecer pronunciamentos anteriores de Chivale.
"A partir do momento em que há uma quebra do acordo que estabelecemos, sinto-me também no direito de tomar as providências que achar necessário. E o que me foi dito é que essa pressão vinha de um dirigente da Assembleia da República, do lado do partido FRELIMO, obviamente. Se esse é um direito de resposta eu não sei, eles é que podem responder", critica Alexandre Chivale.
Programa sem comentadores
Em direto, os outros painelistas residentes, Fátima Mimbire e Ivan Mazanga, abandoram o programa, seguindo o adágio popular citado pela própria comentadora: "Nunca lutes com um porco, ficas todo sujo e ainda por cima o porco gosta", disse à DW África.
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"Sem dúvida foi essa a mensagem que tentámos traduzir, mas isso também foi muito direcionado ao grupo de assessores [não oficiais do regime]. E mais do que isso é dizer ao regime que não vamos dar corda a um regime ditatorial, vamos sim dar as [nossas] costas", garante.
"Entrar em debate com o Egídio Vaz significava dizer ao partido FRELIMO, às pessoas que o impuseram, que não nos importamos, que podem trazer as suas pessoas na hora e como quiserem, que estamos dispostos a debater. Mas temos de dizer que não interagimos com esse tipo de stakeholders, porque ele não está em linha com os interesses que seguimos como país", defende.
"Demonstrar a esse individuos que eles são a escória da sociedade e nós não nos misturamos com a escória da sociedade", garante Mimbire.
A reação dos painelistas foi bastante aplaudida nas redes sociais, que olham para a atitude como uma resposta democrática à ditadura. Para muitos internautas, ficou claro que o objetivo, ao impor Egídio Vaz, era aniquilar o espaço de debate que mais afeta o regime da FRELIMO.
"Isso é um sinal muito claro de que estamos a deixar a ditadura entrar e a ditadura entra primeiro através do controlo dos órgãos de comunicação de massas", alerta Fátima Mimbire.
"Desviar atenções"
A DW África procurou insistentemente ouvir o responsável da TV Sucesso e também o deputado Gabriel Júnior, membro da bancada da FRELIMO no Parlamento, mas sem sucesso.
A comentadora e ativista Fátima Mimbire desconfia que os temas incómodos que iriam a debate, como as dificuldades do Governo em lidar com o terrorismo em Cabo Delgado, as mortes por causa da fome em Nampula ou a soltura dos arguidos no caso das dívidas ocultas, impulsionaram o regime a sabotar a discussão, desviando assim a atenção do essencial.
"Mas esses assuntos não morrem... Enquanto houver redes sociais, nós vamos continuar a falar sobre estas questões e vamos chegar aos cidadãos. A nossa voz vai ouvir-se. Não nos vão calar, isso não vão conseguir", asseverou.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.