Teófilo Nhangumele, arguido no julgamento das "dívidas ocultas", disse em tribunal que o dinheiro que recebeu foi o resultado do seu trabalho. E quer "fazer mais projetos".
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Teófilo Nhangumele é acusado de corrupção num negócio que envolveu o Estado moçambicano e a empresa Privinvest para o fornecimento de barcos de pesca e equipamento e serviços de segurança marítima. O arguido admitiu na quinta-feira que recebeu 8,5 milhões de dólares para "facilitar" o negócio, mas rejeita que o dinheiro seja ilegal.
"Eu facilitei os negócios. Facilitei as partes que estavam interessadíssimas, e essas partes estavam satisfeitas com o trabalho que eu fazia, porque era do seu inteiro interesse", declarou Nhangumele esta sexta-feira (27.08).
A Ordem dos Advogados, que assiste no julgamento das "dívidas ocultas", perguntou ao arguido se ele teria vontade ou se sentia responsável por devolver os 8,5 milhões de dólares que recebeu do Estado moçambicano. Nhangumele respondeu que não.
"Porquê?", questionou.
A Ordem suspeita que o dinheiro resulta de um esquema fraudulento. Durante a instrução preparatória, o Ministério Público acusou os réus de terem criado um grupo para se apoderarem de fundos públicos. O réu rejeita esta acusação.
"Vou fazer mais projetos"
Nhangumele garante que a sua intenção nunca foi lesar o Estado moçambicano, mas sim criar condições de segurança na costa de Moçambique, que estava a ser alvo de desmandos.
Mais do que isso, o arguido afirmou que, se tivesse outra oportunidade, voltaria a apostar num projeto semelhante para a venda de equipamentos e serviços ao Estado moçambicano.
"Devo dizer que vou fazer mais projetos. Gosto tanto do meu país que, se tiver espaço para fazer projetos, vou fazer. E devo dizer, meritíssimo juiz, que alguns projetos falham na execução, na implementação", argumentou.
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Danos financeiros
A Ordem dos Advogados de Moçambique quis saber do réu se tem a consciência dos danos financeiros que causou ao país. Teófilo Nhangumele reafirmou que fez o seu trabalho: "Agora, se as partes executaram o projeto com algumas imprecisões, com falhas ou com desentendimentos, isso não tem nada a ver comigo", declarou.
O juiz da causa, Efigénio Baptista, perguntou ao réu como é que não sabia que o Estado poderia sair lesado, pois há um e-mail seu, enviado ao negociador da Privinvest, Jean Boustani, em que se alertava para a iminência de tal acontecer. Nhangumele referiu depois que o Estado tinha garantido as dívidas e que não duvidava de que iria cumprir com a sua obrigação se, por exemplo, a empresa pública ProIndicus não pagasse o dinheiro que devia.
Sendo assim, o juiz rebateu: "Depois a ProIndicus não paga, o banco vai cobrar ao Estado porque disse que ia pagar através de garantias. E se o Estado disse que ia pagar, começa a pagar. Então, como é que o Estado não tem dano, estando a pagar algo de que não se beneficiou? Como não tem dano?", insistiu o magistrado.
O réu Teófilo Nhangumele declinou também esta responsabilidade.
"Meritíssimo, a minha primeira resposta é que tudo aquilo que foi praticado pela ProIndicus eu não gostaria nem de falar, porque as decisões que a ProIndicus tomou não têm nada a ver comigo", disse.
Desvio de dinheiro
O advogado Julião Cumbana citou a sua constituinte, a ré Ângela Leão, como tendo informações sobre o alegado esquema de desvio de dinheiro, que seria protagonizado pelo grupo que incluía o seu marido, Gregório Leão, e o próprio Teofilo Nhangumele.
"Ela disse que já sabia das vossas intenções de desviar dinheiro dos empréstimos da ProIndicus desde o primeiro momento. O que tem a dizer sobre esta matéria?"
Nhangumele respondeu: "Para ela saber das tais intenções, tinha que ser bruxa. Não tinha de saber de coisas que não existiam. Quando diz 'desde o princípio', eu nunca vi essa senhora".
Na próxima segunda-feira (30.08), o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo poderá ouvir o arguido Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente de Moçambique, Armando Guebuza.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.