Divisões políticas ameaçam unidade social na Guiné-Bissau
Iancuba Dansó (Bissau)
8 de julho de 2020
Com o aumento da tensão política, as divergências entre os guineenses são cada vez mais notórias, sobretudo nas redes sociais. Analistas apelam à elevação do nível cívico para evitar a fragmentação da sociedade.
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Na Guiné-Bissau, a política interessa a todos e há debates sobre as questões políticas em todas as camadas da sociedade. Esse interesse aumenta sempre nas vésperas e depois de todas as eleições, levando amigos, familiares e vizinhos, em vários casos, a uma rutura.
Com a tensão a subir devido à crise parlamentar em curso, as redes sociais transformam-se em campo de batalha. E não são raras as ameaças e insultos entre os defensores de personalidades e partidos políticos.
Para o Presidente Umaro Sissoco Embaló, a solução é mesmo vigiar as comunicações entre os cidadãos. No balanço dos 100 dias da sua Presidência, esta terça-feira (07.07), o líder guineense anunciou que dentro de dez dias entrará em funcionamento um dispositivo adquirido no estrangeiro para monitorizar o que descreve como "insultos sob a capa de anonimato nos órgãos de comunicação social ou nas redes sociais". Quem prevaricar, promete, será chamado à justiça para responder pelos seus atos.
O jornalista Bacar Camará concorda com a ideia, que classifica como "pertinente", mas considera que "seria difícil um chefe de Estado designar-se para essas missões" quando se fala de "moralização da sociedade".
Também o jornalista e especialista em gestão de conflitos António da Goia defende a regulamentação das redes sociais. "Você imagina uma pessoa que escreve com perfil falso, você não sabe quem é. Mas noutros países, com a própria tecnologia, com a recomendação e a lei, há controlo sobre o Facebook", opina.
"Isto é muito perigoso, é como dar uma bomba a uma pessoa e esta não tem dia de explodir. O que assistimos nas redes sociais não tem nada a ver com a nossa convivência democrática", acrescenta o jornalista.
Com o debate político à volta da exigência do Conselho de Segurança da ONU para a formação de um novo Governo na Guiné-Bissau, os cidadãos estão ainda mais atentos à atuação no Parlamento guineense e os ânimos estão mais exaltados.
"É o nível cívico que deve ser reforçado na perspetiva educacional. Irmãos, amigos e vizinhos, que são uma família, entrando neste tipo de atitude, até de virar as costas entre eles, isso já patenteia o nível de fanatismo. Isso não ajuda. Política é política e deve ser feita com razão", afima o sociólogo Infali Donque.
Alta preocupação
A presidente do Fórum de Intervenção Social das Jovens Raparigas (FINSJOR), Genabu Candé, também demonstra preocupação.
"Se os políticos estão totalmente divididos e levam essa divisão para as famílias, as coisas tornam-se muito difíceis. Tenho que apelar a todos os guineenses para não deixarmos que as questões políticas dividam os nossos laços familiares e a unidade nacional que sempre sonhámos", sublinha.
Nas ruas de Bissau, os cidadãos ouvidos pela DW África reconhecem as consequências das querelas políticas. "Neste momento, nós, guineenses, sabemos que há muita divisão social", diz um estudante universitário. "O mais importante é que os guineenses saibam o que devem fazer antes de pensar nos políticos que trouxeram todo esse tipo de divisão. Entretanto, nós sabemos o nível académico da nossa população, e isso é aproveitado pelos políticos", conclui.
"Os guineenses devem olhar para a nação pelo sentido nacionalista e patriótico para, de facto, levarmos a cabo o progresso da Guiné-Bissau", diz, por sua vez, um professor da capital. "Os diferendos políticos são fatores estranguladores do nosso processo de desenvolvimento e devem ser eliminados de facto", considera.
Farpas e elogios: Frases das eleições na Guiné-Bissau
Principais partidos políticos, sociedade civil e comunidade internacional acompanham de perto contagem de votos na Guiné-Bissau. CNE só divulga resultados na quarta-feira (13.03), mas PAIGC já canta vitória.
Foto: Getty Images/AFP/SEYLLOU
PAIGC
O PAIGC declarou-se, na segunda-feira (11.03), vencedor das eleições legislativas de 10 de março na Guiné-Bissau. O porta-voz do partido João Bernardo Vieira garantiu que o povo conferiu ao PAIGC os destinos do país. No domingo, após votar, o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que estas eleições representam "um momento de viragem" para que, na Guiné-Bissau, "o império da lei vingue".
Foto: DW/F. Tchumá
MADEM-G15
Após o anúncio do PAIGC, o Movimento para a Alternância Democrática frisou que ninguém ganhou as eleições com maioria absoluta e que também fará parte do próximo Governo do país. As declarações de Braima Camará no domingo, dia das eleições, foram das mais críticas, pois o líder do MADEM-G15 acusou o primeiro-ministro de "usar dinheiro público para corromper líderes de opinião no dia de reflexão".
Foto: DW/J. Carlos
PRS
O Partido da Renovação Social disse, esta terça-feira, que "é falsa a informação da maioria folgada que o PAIGC sustenta para semear a confusão"."Nenhuma das forças políticas atingiu sequer a barra dos 40 deputados", disse Vítor Pereira. No domingo, depois de votar, Alberto Nambeia, líder do PRS, disse que esta votação constitui um "balão de oxigénio" para o povo, que quer mudanças no país.
Foto: DW/B. Darame
FREPASNA
Baciro Djá considera que era o candidato com mais experiência nestas eleições e, por isso, o justo vencedor. No entanto, esta segunda-feira, o líder do partido Frente Patriótica para a Salvação Nacional (FREPASNA) foi o primeiro a reconhecer a derrota no pleito. "Consideramos que o nosso resultado foi péssimo e a responsabilidade máxima é minha, enquanto presidente do partido", disse.
Foto: Presidency of Guinea-Bissau
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Pouco depois do arranque do pleito, no domingo, José Pedro Sambú, presidente da CNE, disse aos jornalistas que o processo estava a decorrer num "clima de transparência e sem sobressaltos". O mesmo cenário foi reportado pela porta-voz da comissão, ao final do dia. Felizberta Vaz garantiu ainda que os "pequenos problemas" que surgiram foram resolvidos. A CNE divulga os resultados esta quarta-feira.
Foto: CNE
Presidente da República
Em declarações aos jornalistas, depois de votar, no domingo, José Mário Vaz garantiu que os observadores estavam "surpresos" pela positiva com a Guiné-Bissau. O Presidente guineense pediu à imprensa para que passasse lá para fora essa "grande imagem" da Guiné-Bissau como um país onde "não há problemas". "Considero a Guiné-Bissau hoje campeã da liberdade", disse.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
Primeiro-ministro guineense
Também no domingo, o primeiro-ministro guineense disse estar emocionado com a concretização de um processo eleitoral "difícil e intenso", no qual foi "necessária a intervenção da comunidade internacional". Aristides Gomes acrescentou ainda que, apesar das dificuldades, este foi um processo cheio de "pedagogia".
Foto: Präsidentschaft von Guinea-Bissau
Organização das Nações Unidas
David McLachlan-Karr, enviado das Nações Unidas à Guiné-Bissau, tem estado a reportar, com frequência, o ambiente vivido no país nestas eleições, nas redes sociais. Esta segunda-feira, o representante da ONU deu os parabéns à população guineense que, "em todo o país, saiu [às ruas] para votar pacificamente e com muito orgulho cívico".
Foto: DW/B. Darame
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na pessoa de Luiz Villarinho Pedroso, acompanhou de perto a votação. No domingo, dia da eleição, o chefe da missão da CPLP disse que estas eleições foram um "exercício cívico exemplar", que decorreu com a "maior tranquilidade e normalidade". O balanço preliminar do escrutínio será feito ao longo desta terça-feira (12.03).
Foto: DW/N. dos Santos
CEDEAO
À semelhança da ONU e da CPLP, também a CEDEAO deu nota positiva às eleições guineenses. Numa conferência de imprensa, esta segunda-feira (11.03), Kadré Désiré Ouedraogo, chefe da Missão de Observação da CEDEAO, disse que as legislativas no país decorreram "de forma pacífica e transparente". Acrescentou ainda que espera que "todos [os partidos] aceitem os resultados".
Foto: DW/B. Darame
União Africana
Após o encerramento das urnas na Guiné-Bissau, Rafael Branco, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Africana destacou a forma tranquila com que decorreu o processo e salientou a "participação cívica notável".
Foto: DW/Nélio dos Santos
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Também as organizações locais fizeram chegar elogios. À semelhança do que foi dito pela CNE, Augusto Mário da Silva, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, disse ter havido registo de "algumas falhas", mas "que foram imediatamente supridas". Tirando os atrasos na abertura das urnas em algumas mesas e trocas de cadernos eleitorais, "o processo decorreu de forma regular", disse.
Foto: DW/B. Darame
Sociedade Civil
Por último, a Célula de Monitorização do Processo Eleitoral salientou, esta segunda-feira, que "os eleitores compareceram em massa para exercer o seu direito de voto". Este grupo de monitorização das eleições, composto por 420 pessoas, espalhadas por todo o país, saudou também "a boa presença das forças de segurança nos centros de votação observados".