Do luxo à decadência
12 de novembro de 2011A festejada inauguração do Grande Hotel da Beira, a segunda maior cidade de Moçambique, em 1954, trazia o título "O Orgulho da África". O empreendimento português oferecia 110 suítes luxuosas em 12 metros quadrados.
Mas o Grande Hotel não teve muito sucesso comercial e foi abandonado pelos donos. Com a guerra civil moçambicana o empreendimento realmente entrou em decadência. O prédio foi esvaziado e veio a servir de abrigo para refugiados.
O antigo hotel já foi cenário para vários filmes como "Hóspedes da Noite", do brasileiro Licínio Azevedo, e "Grande Hotel", da belga Lotte Stoops.
O hotel está localizado na Avenida Mateus Sansão Muthemba no bairro da Ponta Gêa, quinze minutos à pé do centro da cidade. O que era o "esplendoroso" hotel hoje se trata de um esqueleto de concreto, cinza e negro. A construção ficou escurecida por todos os lados pela ação do tempo e falta de manutenção.
O Grande Hotel está hoje sob uma área abandonada, um terreno ocupado por mato e capim, onde casas de famílias compõem a vizinhança. Os parapeitos das sacadas com entradas reniformes estão desgastados. Árvores com folhagens grandes e vários arbustos crescem junto à construção. Alguns moradores coletam água que pinga de um vazamento no teto do prédio.
Viver nas escadas
Adelino Timóteo nasceu e cresceu na Beira. O escritor, artista e jornalista convive com o Grande Hotel desde a infância e acompanhou a decadência do estabelecimento. Seu mais novo romance envolve o local e, por isso, vai até o Grande Hotel para ter contato com o que sobrou o luxuoso estabelecimento.
"Se for fazer um filme sobre o que passa aqui diariamente, este filme ultrapassará a ficção. Você pega uma caneta para escrever sobre isto e pode não se sentir realizado. Isto é mais do que surreal", diz Timóteo. O foyer do hotel tem o tamanho de um ginásio de esportes. Nas extremidades, a luz entra pelas imensas janelas e crianças aproveitam para brincar no local. Uma delas se lava em uma calha com água.
O local é frio e mofado. Fuligem e madeira carbonizada podem ser vistos à volta. Nas áreas escuras do antigo hotel, lixo está acumulado. Em um desses cantos, vive uma mulher magra, chamada Teresa. Ela e seus três filhos estão prontos para mostrar a casa. Ela abre a porta que provavelmente antes tenha sido uma persiana para janela ou uma parte de uma estante e recebe a reportagem com um olhar bastante amistoso.
O lugar escolhido por Teresa é bastante escuro. Ela se instalou em uma antiga escada. Ela empilhou caixas cor de laranja, tábuas, panelas, cadeiras de plástico e outras coisas nos degraus. Quanto mais ela desce a escada, mais abarrotado e quente o ambiente fica. "É cheio de coisinhas aqui, como uma casa pequenina", define Teresa, que mora há seis anos no antigo hotel.
Teresa vive de graça no hotel com seu marido e filhos. Porém, antes de poder morar na escada rompida do prédio, eles tinham que pagar 400 Meticais, o equivalente a 11 euros, à família que tinha usado esta área do hotel como casa. "Nós não gostamos de viver aqui, mas não temos dinheiro. O governo não oferece formação", explica. As acomodações do hotel foram ocupadas clandestinamente. Não existe uma lista de espera. O Grande Hotel não é uma instituição de caridade.
O forro e a tubulação estão desmontados. O encanamento está espalhado pelo chão, com poças de água que acabam tornando o local arriscado para quem caminha na escuridão. Não há mais eletricidade. Água corrente e encanada também não existem. Na ausência de sanitário, as pessoas usam locais com areia e mato em volta do hotel.
"Nós não somos marginais nem bandidos"
No segundo andar, não muito longe da escada de Teresa, mora Carlos, apontado como o secretário do bairro. Ele é o representante do partido governista Frelimo no local, o que faz dele uma das personalidades mais influentes do antigo hotel. As pessoas dizem na Beira que o Grande Hotel agora é um ponto de criminalidade, mas ele discorda.
Conforme Carlos, de 3 mil a 4 mil pessoas vivem no que sobrou do Grande Hotel. Ele destaca que não há diferença entre as pessoas que ocupam o porão das pessoas que ocupam os outros andares. "Nós não somos marginais nem bandidos. Com não temos condições (financeiras), somos desprezados. Não tem rico aqui. Todos são miseráveis", desabafa Carlos.
Há uma espécie de conselho na comunidade do antigo hotel que se reúne uma vez por mês. As reuniões são convocadas por Carlos e servem para resolver questões pendentes entre os moradores e avaliar infrações cometidas por quem supostamente fere as regras estabelecidas previamente, como, por exemplo, atirar lixo na varanda do prédio.
Medo do futuro
Damásia abre a sua porta. Ela é esposa de um professor, uma das poucas famílias que dispõem de renda por aqui. A maioria dos moradores trabalha com biscates ou são vigilantes. A habitação de Damásia é muito mais clara do que as outras. O pequeno quarto é mobiliado. Três sofás marrons na parede, uma mesa com seis cadeiras.
A jovem mulher vive há 25 anos no local. Quase toda a sua vida. Ela chegou com seus pais do interior. Foram obrigados a fugir de onde viviam devido a guerra civil, refugiando-se no hotel abandonado. Acabou ficando no local e não enxerga isto de uma forma amistosa. Ela diz que tem medo que o prédio desabe por que, segundo ela, "a água da praia esta a comer a base do hotel".
Nelson Paulino entra no hotel. O jovem de 23 anos, elegante, veste roupas da moda. O hotel está entre as suas tarefas na prefeitura da Beira. "Se caso aparecer uma investidor que ache que pode oferecer casa para as pessoas e construir um condomínio ou aproveitar o hotel de alguma forma, nós podemos estudar e viabilizar isso", diz o funcionário da prefeitura.
"Fico porque é de graça"
Quem teria interesse pelas ruínas de um hotel que já estava decadente mesmo durante a administração portuguesa? Na verdade o município não tem planos para o hotel. O escritor Adelino Timóteo acredita que o hotel pode ser recuperado. "Se este prédio fosse recuperado, poderia se fazer escritórios municipais ou até mesmo espaço para exposições de arte", imagina.
A maioria dos moradores do Grande Hotel já perderam as suas esperanças sobre uma eventual mudança no lugar. A maioria fica no prédio abandonado devido as suas condições financeiras, como explica Damásia. "Eu já sai daqui e voltei de novo porque havia me transferido para uma casa alugada", explica o retorno motivado pelo baixo custo dos "apartamentos" do Grande Hotel.
A maioria quer sair do Grande Hotel. Talvez por isso há alguns anos Carlos junta material de construção em sua sacada, como blocos de concreto, azulejos antigos e cascalho. "A terra eu já tenho, falta apenas capital para começar a construção", diz. Talvez ainda não tenha existido alguém que realmente goste de morar no Grande Hotel. Porém, ao contrário do tempo colonial, o lugar está pelo menos lotado.
Autor: Oliver Ramme
Edição: Marcio Pessôa / Johannes Beck