Filme sobre colonização da Guiné Equatorial na Berlinale
Cristiane Vieira Teixeira (Berlim)
24 de fevereiro de 2020
"Anunciaron Tormenta" tenta reconstruir uma parte da história da colonização espanhola no seu único território na África subsaariana, hoje a Guiné Equatorial. A independência "não aconteceu", afirma participante.
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"Anunciaron Tormenta", do realizador espanhol Javier Fernández Vásquez, teve a sua estreia mundial este domingo (23.02), na mostra Forum da Berlinale, dedicada a produções alternativas.
Neste documentário, o realizador Javier Fernández Vásquez tenta esclarecer as circunstâncias da morte de Ësáasi Eweera, o último líder Bubi que se opôs ao domínio espanhol.
Baseia-se em documentos históricos para abordar o "modus operandi" do sistema de repressão colonial espanhol.
"Submetiam um território, cometendo crimes que permaneciam impunes ou encobertos. A leitura cronológica desses textos, que se vê no filme, dá pistas sobre como se produz esta operação de incursão e a modelagem dos factos", relata.
Documentário de Javier Fernández sobre colonização da Guiné Equatorial estreia na Berlinale
Ësáasi Eweera morreu em 1904, após ser detido por guardas coloniais e levado a um hospital. Segundo os registos oficiais, os guardas teriam encontrado o chefe Bubi já bastante doente. Esses textos são, entretanto, confrontados com relatos orais atuais que os contradizem e defendem que o rei Bubi foi torturado e assassinado pelos colonizadores.
"Nenhum dos textos espanhóis fala do período em que esteve encarcerado e como chega ao hospital. Todos os relatos bubis que ouvi falam do encarceramento. Há muitos outros pontos, o que nos leva a pensar que houve muito mais violência do que se conclui do que se lê nos textos espanhóis", considera.
Resgatar a memória
Para o realizador, era necessário resgatar a memória oral dos acontecimentos.
"Ao contrário dos documentos escritos, que permanecem nos arquivos para que alguém os recupere e os estude, as histórias orais, quando se perdem, são irrecuperáveis. Numa situação colonial como esta, na qual o poder reside numa parte - neste caso, nas autoridades e nas elites coloniais - há um perigo maior que isso se perca", avalia o realizador.
Com o seu documentário, Javier Fernández quis confrontar também o vazio provocado pela indiferença generalizada em relação ao passado colonial espanhol. No filme, isso é expresso por meio da sobreexposição das imagens à luz.
"Precisamente, a jogar mais luz, deformava a imagem - convertia-a em linhas e manchas. Algo que vês num momento e é efémero e às vezes não se pode chegar a entender o todo. Para mim, isso é também o que é esta investigação, a impossibilidade de poder estabelecer a veracidade dos factos", afirma.
Dificuldades nas filmagens
Na Guiné Equatorial, as filmagens de "Anunciaron Tormenta" foram feitas em 2014 e 2018. O realizador espanhol diz que, na última vez que esteve no país, teve dificuldades para gravar as imagens.
"É muito complicado. Não diria que a forma do filme foi influenciada por isso. Mas não é fácil mover-se pelo país, há muitos controles militares, é sempre considerado suspeito quando se tem uma câmera - mesmo que seja pequena como a que levava comigo. Nesse sentido, é difícil e creio que seja uma razões pela qual haja tão pouca informação e poucas imagens da Guiné Equatorial", considera o realizador, que acrescenta ter recebido apoio da Associação Cinemaográfica da Guiné Equatorial (ACIGE) para realizar o trabalho.
A acompanhar Javier Fernández Vásquez na Berlinale está Justo Bolekia Boleká. Nascido na Guiné Equatorial, Boleká vive atualmente em Espanha onde é professor na Universidade de Salamanca. É também escritor e trabalha em dicionários da língua Bubi. No filme, aparece a ler um poema de sua autoria. Defende que a situação no país seria diferente se o rei do seu povo não tivesse sido morto.
"Os espanhóis não teriam ido buscar o povo Fang. Ao colocá-los no Exército, Espanha ensinou-os a tratar mal e a controlar os bubis e é o que continuam a fazer agora", acredita.
Consequências do colonialismo
Bolekia Boleká participa também em organizações políticas que lutam pela instauração de um Estado de Direito na Guiné Equatorial, que, segundo ele, permanece refém do colonialismo.
"Não existe um Estado de Direito na Guiné Equatorial. O Presidente [Teodoro Obiang] toma o país como um património pessoal. A independência da Guiné Equatorial não aconteceu. Saímos da colonização para a neocolonização e converteram Obiang e os seus governantes em capatazes da colonização", critica. Uma situação que Justo Bolekia Boleká não acredita que irá mudar sem interferência internacional, em relação à qual se mostra cético.
"Porque o Presidente sabe: o que manda é o dinheiro. Se dá cinco milhões de dólares à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), ou três milhões de dólares à UNESCO, ou dois milhões de dólares quando a Catedral de Notre Dame pegou fogo, então toda a gente dirá: 'Essa é uma boa pessoa'", conclui.
O documentário está a ser exibido em quatro sessões da mostra Forum até ao próximo sábado (29.02). A Berlinale termina a 1 de março.
Os chefes de Estado há mais tempo no poder
São presidentes, príncipes, reis ou sultões, de África, da Ásia ou da Europa. Estes são os dez chefes de Estado há mais tempo no poder.
Foto: Jack Taylor/Getty Images
Do golpe de Estado até hoje - Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo assumiu a Presidência da Guiné Equatorial em 1979, ainda antes de José Eduardo dos Santos. Teodoro Obiang Nguema derrubou o seu tio do poder: Francisco Macías Nguema foi executado em setembro de 1979. A Guiné Equatorial é um dos países mais ricos de África devido às receitas do petróleo e do gás, mas a maioria dos cidadãos não beneficia dessa riqueza.
Foto: DW/R. Graça
O Presidente que adora luxo - Paul Biya
Paul Biya é chefe de Estado dos Camarões desde novembro de 1982. Muitos dos camaroneses que falam inglês sentem-se excluídos pelo francófono Biya. E o Presidente também tem sido alvo de críticas pelas despesas que faz. Durante as férias, terá pago alegadamente 25 mil euros por dia pelo aluguer de uma vivenda. Na foto, está acompanhado da mulher Chantal Biya.
Foto: Reuters
Mudou a Constituição para viabilizar a reeleição - Yoweri Museveni
Yoweri Museveni já foi confirmado seis vezes como Presidente do Uganda. Para poder concorrer às eleições de 2021, Museveni mudou a Constituição e retirou o limite de idade de 75 anos. Venceu o pleito com 58,6% dos votos, reafirmando-se como um dos líderes autoritários mais antigos do mundo. O candidato da oposição, Bobi Wine, alegou fraude generalizada na votação e rejeitou os resultados oficiais.
Foto: Getty Images/AFP/I. Kasamani
"O Leão de Eswatini" - Mswati III
Mswati III é o último governante absolutista de África. Desde 1986, dirige o reino de Eswatini, a antiga Suazilândia. Acredita-se que tem 210 irmãos; o seu pai Sobhuza II teve 70 mulheres. A tradição da poligamia continua no seu reinado: até 2020, Mswati III teve 15 esposas. O seu estilo de vida luxuoso causou protestos no país, mas a polícia costuma reprimir as manifestações no reino.
Foto: Getty Images/AFP/J. Jackson
O sultão acima de tudo - Haji Hassanal Bolkiah
Há quase cinco décadas que o sultão Haji Hassanal Bolkiah é chefe de Estado e Governo e ministro dos Negócios Estrangeiros, do Comércio, das Finanças e da Defesa do Brunei. Há mais de 600 anos que a política do país é dirigida por sultões. Hassanal Bolkiah, de 74 anos, é um dos últimos manarcas absolutos no mundo.
Foto: Imago/Xinhua/J. Wong
Monarca bilionário - Hans-Adam II
Desde 1989, Hans-Adam II (esq.) é chefe de Estado do Liechtenstein, um pequeno principado situado entre a Áustria e a Suiça. Em 2004, nomeou o filho Aloísio (dir.) como seu representante, embora continue a chefiar o país. Hans-Adam II é dono do grupo bancário LGT. Com uma fortuna pessoal estimada em mais de 3 mil milhões de euros é considerado o soberano europeu mais rico.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Nieboer
De pastor a parceiro do Ocidente - Idriss Déby
Idriss Déby (à esq.) foi Presidente do Chade de 1990 a 2021. Filho de pastores, Déby formou-se em França como piloto de combate. Apesar do seu autoritarismo, Déby foi um parceiro do Ocidente na luta contra o extremismo islâmico (na foto com o Presidente francês Macron). Em abril de 2021, um apenas dia após após a confirmação da sua sexta vitória eleitoral, Déby foi morto num combate com rebeldes.
Foto: Eliot Blondet/abaca/picture alliance
Procurado por genocídio - Omar al-Bashir
Omar al-Bashir foi Presidente do Sudão entre 1993 e 2019. Chegou ao poder em 1989 depois de um golpe de Estado sangrento. O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em 2009 um mandado de captura contra al-Bashir por alegada implicação em crimes de genocídio e de guerra no Darfur. Em 2019, foi deposto e preso após uma onda de protestos no país.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
O adeus - José Eduardo dos Santos
José Eduardo dos Santos foi, durante 38 anos (de 1979 a 2017), chefe de Estado de Angola. Mas não se recandidatou nas eleições de 2017. Apesar do boom económico durante o seu mandato, grande parte da população continua a viver na pobreza. José Eduardo dos Santos tem sido frequentemente acusado de corrupção e de desvio das receitas da venda do petróleo. A sua família é uma das mais ricas de África.
Foto: picture-alliance/dpa/P.Novais
Fã de si próprio - Robert Mugabe
Robert Mugabe chegou a ser o mais velho chefe de Estado do mundo (com uma idade de 93 anos). O Presidente do Zimbabué esteve quase 30 anos na Presidência. Antes foi o primeiro-ministro. Naquela época, aconteceram vários massacres que vitimaram milhares de pessoas. Também foi criticado por alegada corrupção. Após um levantamento militar, renunciou à Presidência em 2017. Morreu dois anos mais tarde.