Doentes angolanos queixam-se de falta de condições em Lisboa
Lusa | nn
17 de novembro de 2018
"Os colchões de há 15 anos continuam a ser os colchões de hoje" e "a alimentação é paupérrima", alerta o presidente de uma associação de doentes angolanos em Portugal.
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Gabriel Tchimuco, presidente da Associação de Apoio aos Doentes Angolanos em Portugal (ADAP), diz que as pensões que acolhem estes doentes "nunca foram restauradas, recuperadas e apetrechadas", preocupações que gostariam de fazer chegar ao chefe de Estado angolano, João Lourenço, que entre 22 e 24 de novembro realiza uma visita oficial a Portugal. As pensões em causa estão a cargo do executivo angolano.
"As camas de há 15 anos continuam a ser as camas de hoje, os colchões de há 15 anos continuam a ser os colchões de hoje. A alimentação dos doentes é paupérrima", lamentou.
Para Gabriel Tchimuco, o setor de Saúde é o "principal culpado" do estado atual: "O que se está a passar é que o setor de Saúde não paga ao proprietário das pensões, há quase três anos". "Não se fazem omeletes sem ovos", salientou Tchimuco que critica ainda a qualidade das refeições. "Estamos a falar de um almoço pobre e de um jantar que se reduz a uma simples sopa", acrescentou.
Dívida de cinco milhões
O presidente de direção da Junta Nacional de Saúde de Angola, Augusto Lourenço, admitiu em julho último, em Luanda, que o Estado angolano deve mais de cinco milhões de euros ao setor de Saúde de Portugal, de despesas com pacientes abrangidos pela Junta Médica. O responsável sublinhou que as referidas dívidas "resultam da acumulação de vários anos de atividade", com pacientes enviados para tratamento nos hospitais portugueses, e que apesar da situação de crise económica e financeira que o país enfrenta, o Estado angolano "tem procurado amortizar".
Em Portugal, existem duas pensões que albergam entre 150 a 170 doentes angolanos. Os restantes estão em residências. Os doentes que optam por arrendar uma casa recebem um subsídio no valor de 150 euros, montante que segundo Gabriel Tchimuco há necessidade de atualizar, face ao valor do mercado de arrendamento imobiliário em Lisboa.
O presidente da ADAP, associação que é hoje formalizada publicamente em Lisboa, mostrou-se preocupado com a questão do alojamento, afirmando que as pensões "começam a ser pequenas", face ao número de doentes. "Precisamos de um espaço maior, porque somos muitos e os doentes precisam de privacidade, por questões de infeções, não usar as mesmas casas de banho, e também dar mais dignidade à própria pessoa", indicou.
Gabriel Tchimuco recorda que os doentes quando saem de Angola "beneficiam de uma credencial de Junta que passa por um processo de inspeção", onde "uma comissão médica avalia o doente e em função da gravidade". "Se for uma patologia que não se consegue dar procedimento a nível local, neste caso em Angola, o doente beneficia de uma credencial de Junta, vem para Lisboa e é recebido pelo setor de Saúde da Embaixada de Angola em Portugal", explicou.
O Presidente da ADAP acrescentou que as patologias mais comuns são insuficiência renal crónica e problemas de coração, adiantando que haverá mais de 30 doentes angolanos transplantados em Portugal.
Salvaguardar a dignidade
Também Gabriel Tchimuco, que sofre de insuficiência renal crónica, veio para Portugal em 2013, para receber tratamento hospitalar que não está disponível em Angola.
O presidente da ADAP fazia hemodiálise desde os 35 anos, mas conseguiu fazer um transplante em 2016. Por ter passado pelas mesmas dificuldades, Gabriel Tchimuco, hoje com 50 anos, criou a Associação de Apoio aos Doentes Angolanos em Portugal, uma tentativa de "debelar a maior parte dos problemas" que aparecem. "O nosso objetivo principal é a salvaguarda dos direitos e da dignidade humana dos doentes angolanos que vêm para Portugal", sublinhou. "Podemos poupar vidas com maior e melhor atenção do setor de Saúde. Os doentes precisam de ser acompanhados, precisam de ter uma assistência social mais condigna e mais participação no setor de Saúde", concluiu.
Friedensdorf em Angola
A Friedensdorf começou a viajar até Luanda há duas décadas para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. A 56ª ação de ajuda aconteceu em 2014.
Foto: DW/M. Sampaio
20 anos de ajuda a crianças doentes
Já passaram duas décadas desde que a Friedensdorf International começou a viajar até Luanda para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. Desde a sua criação, há 47 anos, a organização não-governamental já ajudou crianças doentes de mais de 50 países, incluindo cerca de 3 mil crianças angolanas. Em 2014, aconteceu a 56ª ação de ajuda.
Foto: DW/M. Sampaio
Ritmos angolanos na despedida
Kuduro e outras danças angolanas são uma constante na festa de despedida que a Friedensdorf organiza na sua sede em Oberhausen, no centro-leste da Alemanha, antes da partida para Angola das crianças já recuperadas. Depois de várias operações e tratamentos, as crianças estão ansiosas por voltar à terra natal e rever a família. Mas os amigos que fizeram na Alemanha também vão deixar saudades.
Foto: DW/M. Sampaio
Experiência única
Para casa as crianças levam também uma experiência única, afirma Hannah Lohmann, porta-voz da Friedensdorf. “Neste momento, temos connosco meninos e meninas de nove países. São cristãos e muçulmanos, brancos e negros, africanos e asiáticos. Em comum têm o facto de todos terem vindo para a Alemanha para se curarem e isso cria uma ligação entre eles, que ultrapassa fronteiras e idiomas”, explica.
Foto: DW/M. Sampaio
Regresso azul
Quando regressa, cada criança recebe um saco azul de desporto, onde, além de roupa e medicamentos, cabem pequenos presentes que elas mesmas fizeram para a família e lembranças da estadia na Alemanha – brinquedos em madeira ou saquinhos de pano feitos à mão, por exemplo. Partem do Aeroporto de Düsseldorf, num avião fretado pela Friedensdorf. A bordo segue uma equipa da ONG, que inclui um médico.
Foto: DW/M. Sampaio
Luanda à vista
Depois de quase dez horas de voo, o avião aterra finalmente na capital angolana. À espera no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, costumam estar dois membros da ONG alemã, que viajam mais cedo para o país para tratar das formalidades da nova leva de doentes, e uma equipa da organização parceira angolana Kimbo Liombembwa, versão kimbundu da "Aldeia da Paz".
Foto: DW/M. Sampaio
Reencontro familiar
Do aeroporto as crianças que regressam da Alemanha seguem depois para a sede da Kimbo Liombembwa, um pequeno espaço situado no Hospital Pediátrico Dr. David Bernardino. É aqui que são oficialmente entregues aos pais, que voltam a abraçar os filhos depois de vários meses de ausência. A separação não é fácil, mas os resultados compensam, reconhecem muitos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Perda de Rosalino Neto
A Friedensdorf e a Kimbo Liombembwa lamentam a perda do médico Rosalino Neto, que dirigia a organização parceira. O fundador da Ordem dos Médicos de Angola morreu em junho passado, aos 63 anos, vítima de doença prolongada. Acompanhou as operações de ajuda desde o início e esteve várias vezes na Alemanha. As primeiras crianças chegaram à Alemanha em 1994, durante a guerra civil que durou 27 anos.
Foto: DW/M. Sampaio
Últimas recomendações
No dia da entrega das crianças aos pais, a equipa da Friedensdorf faz sempre um resumo dos tratamentos médicos realizados e deixa também uma série de recomendações. Muitas vezes é preciso continuar os exercícios de fisioterapia em casa ou trocar os sapatos ortopédicos quando estes deixarem de servir. Durante muitos anos, o médico Rosalino Neto traduziu as explicações da ONG aos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Alemanha, a última esperança
A Alemanha é a última esperança para muitos angolanos. O conflito no país terminou há 12 anos, mas a colaboração continua. Se antes se tratavam ferimentos causados pela guerra, hoje as doenças são causadas pela pobreza. A mortalidade infantil é uma das mais altas do mundo e metade da população vive abaixo do limiar da pobreza. O crescimento económico e os petrodólares não se refletem na saúde.
Foto: DW/M. Sampaio
Diagnósticos problemáticos
Os problemas de saúde das crianças são de vários tipos: infeções ósseas, malformações congénitas, queimaduras graves, luxações, fraturas expostas, subnutrição. Algumas sofreram acidentes e não foram devidamente tratadas na altura. E os pequenos corpos escondem também outros problemas não visíveis. Diagnósticos precisos sobre o seu estado de saúde também são um problema, segundo a Friedensdorf.
Foto: DW/M. Sampaio
Kimbo Liombembwa
Criada há 13 anos, a organização parceira angolana tem equipas de voluntários por todo o país para identificar crianças com doenças que não podem ser tratadas localmente. Já foram beneficiadas cerca de três mil crianças de várias regiões de Angola. A viagem das províncias até Luanda chega a durar três dias. Para as ações de ajuda a “Aldeia da Paz” conta também com o apoio da Embaixada da Alemanha.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação sem fronteiras
A maior parte das crianças não sabe falar alemão, mas a comunicação não é um problema. "Sabemos algumas palavras em português, como 'tá fixe'. E quando querem ir à casa de banho, xixi todos entendem!", explica a porta-voz da Friedensdorf. Além disso, as crianças comunicam por sinais. A bordo costumam também seguir crianças que viajam para a Alemanha pela segunda vez e que servem de tradutoras.
Foto: DW/M. Sampaio
Ciclo da ajuda continua
No Aeroporto de Luanda, dois autocarros transportam as crianças até ao avião. Durante a viagem, redobram-se os cuidados com os novos pacientes. Quando chegam à Alemanha, os casos mais graves são imediatamente encaminhados para os hospitais. As restantes crianças seguem para a Friedensdorf, em Oberhausen. O ciclo da ajuda não fica por aqui. A próxima viagem já está agendada para maio de 2015.