Domigos Simões Pereira deixa a CPLP sem compreender posição da UA na crise da Guiné-Bissau
16 de julho de 2012 Em vésperas da nona cimeira dos chefes de Estado e de governo da CPLP, que tem no centro da sua agenda a delicada situação na Guiné-Bissau, a DW África entrevistou o engenheiro que geriu a organização integrada por oito Estados-membros, irmandada pela língua comum, o português.
Engenheiro de formação, Domingos Simões Pereira cumpre, até à cimeira de Maputo, a missão de ter dirigido uma nova etapa na vida da CPLP, já com 16 anos de existência. A concertação político-diplomática e a afirmação da língua portuguesa no mundo estão entre as prioridades da organização, também preocupada com a consolidação da democracia nos Estados-membros.
Pode parecer paradoxal, mas é aqui que a CPLP se vê confrontada com mais obstáculos e desafios. Exemplo disso é a crise que se vive na Guiné-Bissau, despoletada pelo golpe militar de 12 de abril deste ano, cuja solução é problemática.
DW África : O que é que se pode esperar da reunião dos chefes de Estado e de governo da CPLP no dia 20 de julho em Maputo?
Domingos Simões Pereira (DSP): Imagino que os chefes de Estado e de governo da CPLP vão pretender ouvir os diferentes pares e o relato que nós também lá iremos levar sobre qual é a situação atual e delinear novas perspetivas para o futuro. É preciso lembrar que foi a última cimeira de chefes de Estado e de governo da CPLP, em Luanda, que decidiu pela necessidade de apoiar a Guiné-Bissau, reforçar as suas instituições, mas também e sobretudo criar um ambiente que fosse propício à implementação do programa de reforma, defesa e segurança. Um programa que foi particularmente acolhido por Angola, que avançou com uma missão de cooperação bilateral e cujos contornos, hoje, nós conhecemos.
DW África: Que atitude se espera desta cimeira relativamente à posição da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)? E o posicionamento apático inicial da União Africana (UA) é questionável?
DSP: Confesso que tenho alguma dificuldade em julgar a intervenção da CEDEAO à luz da União Africana, não por causa da CEDEAO, mas porque não consigo perceber claramente qual é a indicação da UA. A União Africana acompanhou todos os parceiros na condenação do golpe de Estado; aprovou o princípio da tolerância zero; mas também a UA disse que subscreve as soluções que a CEDEAO encontrou no terreno. Portanto, se o que nos anima é o melhor para a Guiné-Bissau e se estamos divididos na interpretação daquilo que é melhor para a Guiné-Bissau, eu penso que o normal é aquilo que a CPLP está a fazer, ou seja, continuar a dizer que não acredita nessa solução, mas continuar a manter-se disponível para dialogar com todos os parceiros da Guiné-Bissau, na tentativa de encontrar uma solução que seja mais duradoura.
DW África: Um diplomata africano considerou, recentemente, que a Guiné-Bissau está sob um barril de pólvora se não forem encontradas soluções aceitáveis pelas partes. Concorda com isso?
DSP: Não há dúvidas de que [tendo em conta] o ciclo de instabilidade e a recorrente situação de golpes, contra-golpes, ameaças de terrorismo organizado, situações de tráfico de droga, tudo isto colocado numa área tão exígua como é o território da Guiné-Bissau, com instituições tão frágeis, com a complexidade do tecido social guineense, não reconhecer que há um risco bastante grande não me parece muito responsável.
DW África: Por tudo isso, com que sentimento deixa o cargo de secretário executivo da CPLP?
DSP: Foram quatro anos em que me tentei dedicar à organização, obviamente que também passei por muita aprendizagem daquilo que são áreas de intervenção que podem, obviamente, catapultar a organização. Mas é esse o meu sentimento, o sentimento de ter tentado dar o meu melhor.
DW África: Que desafios e conquistas marcaram mais este período?
DSP: A questão da afirmação da organização foi importante. Penso que os quatro anos serviram para muitas manifestações de rua, para muito contato com a nossa comunidade e envolver o máximo possível estruturas da sociedade civil e outras. Mas é verdade que, no meio disso tudo, há questões consideradas de ordem global, que no final do mandato acabam por centrar a nossa atenção.
Estamos a falar de questões como o combate à pobreza extrema, as questões do analfabetismo, falou-se muito, nos últimos tempos, sobre a cooperação económica, vamos ter agora uma cimeira virada para o plano estratégico sobre a segurança alimentar e nutricional, o que tem mobilizado muito a atenção dos vários órgãos da CPLP.
O mandato de Simões Pereira na CPLP
Simões Pereira cumpre um mandato de quatro anos com positivismo, pronto a regressar de seguida à Guiné-Bissau. Depois da Cimeira de Maputo, fontes diplomáticas afirmam que Simões Pereira passa a cadeira, do Palácio Conde de Penafiel, ao diplomata de carreira, o moçambicano Murade Murargy, que herda uma nova sede na capital portuguesa conseguida durante a presidência de Angola.
Entretanto e segundo a agência de notícias Lusa, responsáveis pela cooperação na CPLP fizeram, no fim de semana passado, um balanço positivo sobre os últimos dois anos da comunidade lusófona, que esteve sob presidência de Angola.
De acordo com o angolano Francisco Encoge, coordenador da reunião de pontos focais de cooperação, "Angola cumpriu com aquilo que estava planeado no seu programa de presidência". A reunião decorreu sábado, dia 14 de julho, em Maputo, no âmbito da preparação da cimeira de chefes de Estado e de Governo que se realiza no dia 20 de julho.
Autor: João Carlos (Lisboa)
Edição: Glória Sousa / António Rocha