O jornalista Domingos da Cruz, autor do livro na origem da prisão dos 15+2, está em Lisboa para lançar "Angola Amordaçada - A imprensa ao serviço do autoritarismo". Obra faz um inventário do "esmagador domínio" do MPLA.
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"Angola é claramente um regime autoritário", no qual "a imprensa pública não é digna desse nome por estar ao serviço de um grupo", defende Domingos da Cruz, um dos jovens ativistas angolanos condenados em março deste ano no âmbito do processo 15+2 por tentativa de golpe de Estado.
O jornalista e professor universitário descreve as caraterísticas do regime encabeçado pelo Presidente José Eduardo dos Santos no seu livro "Angola Amordaçada - A imprensa ao serviço do autoritarismo" que é apresentado esta noite (20.10), em Lisboa, esta noite pelo político e académico português Francisco Louçã.
Na publicação, lançada por intermédio da editora Guerra e Paz, o autor faz um inventário sobre o esmagador domínio e controlo dos órgãos de informação pública pelo Governo de José Eduardo dos Santos e pelo partido no poder, o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA).
Trata-se de uma reflexão centrada na imprensa angolana, com enfoque nos fundamentos da liberdade de expressão numa sociedade ainda muito marcada pelo medo "construído politicamente" para conter os mais críticos, sem que isso impeça, entretanto, o surgimento de focos de resistência, como sublinha Domingos da Cruz.
"Somos, de acordo com as estatísticas oficiais 27 milhões de habitantes, pelo que o grupo de pessoas que se pronuncia sobre a forma como o país está a ser conduzido é demasiado ínfimo", diz.
Falta de liberdade académica
O autor considera que a democracia em Angola é um ideal ainda por alcançar. Reporta-se à recente condenação dos 15+2, que é a prova mais cabal da falta de liberdade. Domingos da Cruz aponta outra liberdade fundamental que a referida condenação pôs em causa: a liberdade científica e académica. "Sou professor e pesquisador e o simples facto de produzir um trabalho de pesquisa, de investigação, custou-me o que custou", lembra.
20.10.16 Livro Domingos da Cruz - MP3-Stereo
"E a prova de que estava em causa a liberdade académica e científica é que S. A., uma organização de dimensão mais ou menos global sedeada na Universidade de Nova Iorque (EUA), que tem uma rede em vários países do mundo, colocou-me na lista dos pesquisadores e académicos em risco de morte no seu próprio país e que carece de proteção internacional".
Para o jovem escritor, a Lei da Amnistia, aprovada recentemente pelo Parlamento angolano, é outra "fachada", que também desempenha um papel fundamental na opressão. Afirma que a engenharia jurídica é um corpus que também trabalha para a manutenção do poder. "
Apesar de a lei ter sido aprovada pela Assembleia Nacional, a grande verdade é que essa lei é da vontade do Presidente da República", sublinha o professor. "Pelo que mais uma vez isso prova claramente que em Angola não há democracia. Tudo é conduzido com base na vontade universal e draconiana de um homem", critica.
Imprensa amordaçada
Domingos da Cruz refere ainda vários casos de jornalistas amordaçados pelo regime, dando como exemplo os assassinatos de Simão Roberto, Alberto Chakussanga e o Ricardo de Melo. O grande problema, diz o investigador, é que até hoje esses casos não foram esclarecidos. "Não se encontraram os responsáveis destes assassinatos, o que nos leva a crer, como é óbvio, pela natureza do regime que terá sido o poder a pôr fim à vida destas pessoas".
O caso de Chakussanga, o mais recente, está presente na galeria de jornalistas mortos no exercício da sua profissão no Museu da Liberdade de Expressão e de Imprensa nos Estados Unidos da América.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
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Face à realidade presente, Domingos da Cruz acredita numa mudança em Angola num futuro próximo, embora não saiba qual é o horizonte temporal. "Não existe mulher e homem nenhum no mundo que seja capaz de sofrer de forma eterna. Haverá um momento em que os angolanos dirão: ou a morte ou a liberdade e alí virá a mudança sim", conclui.
O jornalista e académico angolano é um dos ativistas envolvidos em ações de defesa dos direitos humanos em Angola. Foi no âmbito de uma iniciativa do género, em que participaram outros 16 ativistas à volta de um texto de Domingos da Cruz, intitulado "Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura – Filosofia Política da Libertação para Angola", que foi preso e condenado pelas autoridades angolanas. Detidos a 20 de junho de 2015, em Luanda, os 15+2 foram condenados a 28 de março deste ano por rebelião e associação de malfeitores. Foram presos quando debatiam o livro "Da Ditadura à Democracia" do norte-americano, Gene Sharp.