Domingos Simões Pereira: “Não tenho estados de alma”
9 de setembro de 2020
Em entrevista exclusiva à DW África, Domingos Simões Pereira, derrotado nas eleições presidenciais da Guiné-Bissau, coloca condições para reconhecer Umaro Sissoco Embaló como Presidente.
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Domingos Simões Pereira classificou de "aberração” o último acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que validou os resultados das eleições presidenciais e acabou com o contencioso eleitoral apresentado pelo segundo candidato mais votado na segunda volta das presidenciais de 29 de dezembro 2019.
Domingos Simões Pereira diz que a partir de agora vai focar-se na liderança do seu partido, o Partido da Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde ( PAIGC), e lamenta que o momento da Guiné-Bissau tenha "ficado claramente adiado” com Sissoco Embaló na presidência.
DW África: Vai respeitar e cumprir o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)?
DSP: Tomo boa nota dessa decisão. Reconheço tratar-se do fim do contencioso eleitoral por ser a instância máxima do poder judicial. Mas lamento profundamente que esse órgão da soberania, depois de ter prometido tanto, tenha negado a justiça e a verdade eleitoral ao povo guineense. O Supremo Tribunal recebeu o nosso pedido de impugnação do processo e deu providência. Ao dar providência reconhece mérito aos argumentos que nós apresentamos e chega ao ponto de notificar a Comissão Nacional de Eleições (CNE) da necessidade de apuramento nacional "ab initio” de todo o processo. Ora, isso traduzido na língua dos comuns, quer dizer que todo o processo de apuramento tem que ser reiniciado para que os resultados possam ser legitimados. E não só fez isso através de acórdãos, mas também através de uma aclaração.
Ou seja, oito meses depois, nós não percebemos o que é que aconteceu, o que é que houve de novo entre o último pronunciamento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e aquilo que hoje nós ouvimos. Ouvimos o Supremo Tribunal a dizer, ainda desta vez, que confirma que de facto não houve atas. Mas não só não houve atas nacionais, bem como não houve atas regionais e baseia a sua posição no facto de que não pode estar a julgar este factos, porque a lei funciona em cascata, não tendo sido reclamado a nível das mesas de assembleias de voto, não chega às comissões regionais de eleições e por consequentemente não chega a Comissão Nacional de Eleições. Ora, isso é uma aberração! É uma aberração porque o que está em causa é a não existência de atas. Como é que se pode saber que não houve reclamações nas assembleias de voto, se não se está em presença desses documentos?
Domingos Simões Pereira: “Não tenho estados de alma”
Portanto a única coisa que nos é dado concluir é que algo, de facto, aconteceu. Algo que deve ser uma combinação entre as ameaças, o controlo físico das seguranças das pessoas e certamente algum aliciamento. Nessa combinação, o crime compensou e as pessoas decidiram aderir às propostas que lhes foram feitas.
DW África: A partir de agora vai reconhecer Umaro Sissoco Embaló como Presidente da Guiné-Bissau?
DSP: Eu reconheço que o STJ é a instância máxima para o recurso. Portanto, essa decisão promovida pelo STJ, não tem recurso, é a última instância e portanto é válida. Agora, o que é que eu peço enquanto cidadão e enquanto responsável político, que decorrente desta decisão que todos os atos subsequentes sejam observados. Hoje, o STJ tem condições de ordenar à CNE a publicação dos resultados definitivos e depois marcar a posse oficial do Presidente eleito. A partir dessa altura, o Presidente, reconhecendo a separação dos poderes e respeitando outros órgãos de soberania, nomeadamente, o Governo que saiu das eleições legislativas de março de 2019, a independência da Assembleia Nacional Popular, para agendar e tratar dos seus assuntos e a independência dos Tribunais, obviamente que eu, sendo um homem que prima para as questões democráticas, reconheço esses resultados anunciados. Não respeitando esses princípios, obviamente que eu continuarei a minha luta para a construção de um Estado de Direito Democrático.
DW África: Qual é o seu futuro político a partir de agora ?
DSP: Eu sou presidente de um partido e por sinal o maior partido da Guiné-Bissau, que venceu as últimas eleições legislativas. Portanto, tenho responsabilidades a cumprir sob ponto de vista político-partidária. Não tenho estados de alma. Se alguém está preocupado comigo que estou afetado, não estou. Eu estava muito convicto de que estava chegado, como o próprio slogan da minha campanha disse. "O momento da Guiné-Bissau” fica claramente adiado. Basta ouvir aquilo que são os propósitos do Presidente dito eleito. Portanto, vamos perceber que vamos ter muitas dificuldades pela frente. Vou estar muito atento como cidadão e como político.
Farpas e elogios: Frases das eleições na Guiné-Bissau
Principais partidos políticos, sociedade civil e comunidade internacional acompanham de perto contagem de votos na Guiné-Bissau. CNE só divulga resultados na quarta-feira (13.03), mas PAIGC já canta vitória.
Foto: Getty Images/AFP/SEYLLOU
PAIGC
O PAIGC declarou-se, na segunda-feira (11.03), vencedor das eleições legislativas de 10 de março na Guiné-Bissau. O porta-voz do partido João Bernardo Vieira garantiu que o povo conferiu ao PAIGC os destinos do país. No domingo, após votar, o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que estas eleições representam "um momento de viragem" para que, na Guiné-Bissau, "o império da lei vingue".
Foto: DW/F. Tchumá
MADEM-G15
Após o anúncio do PAIGC, o Movimento para a Alternância Democrática frisou que ninguém ganhou as eleições com maioria absoluta e que também fará parte do próximo Governo do país. As declarações de Braima Camará no domingo, dia das eleições, foram das mais críticas, pois o líder do MADEM-G15 acusou o primeiro-ministro de "usar dinheiro público para corromper líderes de opinião no dia de reflexão".
Foto: DW/J. Carlos
PRS
O Partido da Renovação Social disse, esta terça-feira, que "é falsa a informação da maioria folgada que o PAIGC sustenta para semear a confusão"."Nenhuma das forças políticas atingiu sequer a barra dos 40 deputados", disse Vítor Pereira. No domingo, depois de votar, Alberto Nambeia, líder do PRS, disse que esta votação constitui um "balão de oxigénio" para o povo, que quer mudanças no país.
Foto: DW/B. Darame
FREPASNA
Baciro Djá considera que era o candidato com mais experiência nestas eleições e, por isso, o justo vencedor. No entanto, esta segunda-feira, o líder do partido Frente Patriótica para a Salvação Nacional (FREPASNA) foi o primeiro a reconhecer a derrota no pleito. "Consideramos que o nosso resultado foi péssimo e a responsabilidade máxima é minha, enquanto presidente do partido", disse.
Foto: Presidency of Guinea-Bissau
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Pouco depois do arranque do pleito, no domingo, José Pedro Sambú, presidente da CNE, disse aos jornalistas que o processo estava a decorrer num "clima de transparência e sem sobressaltos". O mesmo cenário foi reportado pela porta-voz da comissão, ao final do dia. Felizberta Vaz garantiu ainda que os "pequenos problemas" que surgiram foram resolvidos. A CNE divulga os resultados esta quarta-feira.
Foto: CNE
Presidente da República
Em declarações aos jornalistas, depois de votar, no domingo, José Mário Vaz garantiu que os observadores estavam "surpresos" pela positiva com a Guiné-Bissau. O Presidente guineense pediu à imprensa para que passasse lá para fora essa "grande imagem" da Guiné-Bissau como um país onde "não há problemas". "Considero a Guiné-Bissau hoje campeã da liberdade", disse.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
Primeiro-ministro guineense
Também no domingo, o primeiro-ministro guineense disse estar emocionado com a concretização de um processo eleitoral "difícil e intenso", no qual foi "necessária a intervenção da comunidade internacional". Aristides Gomes acrescentou ainda que, apesar das dificuldades, este foi um processo cheio de "pedagogia".
Foto: Präsidentschaft von Guinea-Bissau
Organização das Nações Unidas
David McLachlan-Karr, enviado das Nações Unidas à Guiné-Bissau, tem estado a reportar, com frequência, o ambiente vivido no país nestas eleições, nas redes sociais. Esta segunda-feira, o representante da ONU deu os parabéns à população guineense que, "em todo o país, saiu [às ruas] para votar pacificamente e com muito orgulho cívico".
Foto: DW/B. Darame
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na pessoa de Luiz Villarinho Pedroso, acompanhou de perto a votação. No domingo, dia da eleição, o chefe da missão da CPLP disse que estas eleições foram um "exercício cívico exemplar", que decorreu com a "maior tranquilidade e normalidade". O balanço preliminar do escrutínio será feito ao longo desta terça-feira (12.03).
Foto: DW/N. dos Santos
CEDEAO
À semelhança da ONU e da CPLP, também a CEDEAO deu nota positiva às eleições guineenses. Numa conferência de imprensa, esta segunda-feira (11.03), Kadré Désiré Ouedraogo, chefe da Missão de Observação da CEDEAO, disse que as legislativas no país decorreram "de forma pacífica e transparente". Acrescentou ainda que espera que "todos [os partidos] aceitem os resultados".
Foto: DW/B. Darame
União Africana
Após o encerramento das urnas na Guiné-Bissau, Rafael Branco, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Africana destacou a forma tranquila com que decorreu o processo e salientou a "participação cívica notável".
Foto: DW/Nélio dos Santos
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Também as organizações locais fizeram chegar elogios. À semelhança do que foi dito pela CNE, Augusto Mário da Silva, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, disse ter havido registo de "algumas falhas", mas "que foram imediatamente supridas". Tirando os atrasos na abertura das urnas em algumas mesas e trocas de cadernos eleitorais, "o processo decorreu de forma regular", disse.
Foto: DW/B. Darame
Sociedade Civil
Por último, a Célula de Monitorização do Processo Eleitoral salientou, esta segunda-feira, que "os eleitores compareceram em massa para exercer o seu direito de voto". Este grupo de monitorização das eleições, composto por 420 pessoas, espalhadas por todo o país, saudou também "a boa presença das forças de segurança nos centros de votação observados".