Dura repressão na Tanzânia desafia região
15 de junho de 2025
No fim de maio, um pedido invulgar do presidente queniano gerou discussão: no "Dia Nacional da Oração”, William Ruto, na presença de uma delegação de deputados da Tanzânia, pediu: "Nossos vizinhos da Tanzânia, se de alguma forma vos fizemos mal, perdoai-nos.”
O pedido de perdão gerou reações diferentes no Quénia. Alguns acharam apropriado, muitos outros ficaram indignados. A razão: menos de uma semana antes, o conhecido fotojornalista e activista queniano Boniface Mwangi voltou ao Quénia visivelmente abalado, depois de cinco dias preso na Tanzânia. Mwangi e a activista ugandesa Agather Atuhaire tinham ido à Tanzânia apoiar o líder da oposição Tundu Lissu,que está preso acusado de traição. Lissu e o seu partido, Chadema, exigiam reformas na Constituição tanzaniana antes das eleições marcadas para outubro.
Ação brutal ou defesa da "cultura política?"
No início da semana, Mwangi e Atuhaire falaram à imprensa, fazendo acusações graves. Disseram que foram presos no hotel e depois torturados brutalmente, tendo sido violados. Mwangi descreveu muitos detalhes que também publicou na rede social X. "Fomos tratados pior que cães”, disse o activista depois de regressar a Nairobi.
O porta-voz do governo da Tanzânia, Gerson Msigwa, confirmou que Mwangi e Atuhaire foram expulsos do país, mas negou todas as outras acusações. "Têm provas dessas crueldades? Não podem simplesmente sujar a imagem do país com acusações sem provas. Entraram ilegalmente e violaram a ordem. Aqui há leis e regras." Em vez disso, atacou os activistas: "Ninguém deve vir aqui tentar impor à Tanzânia a cultura política do seu país."
"Protestos da geração Z"
Para o economista queniano James Shikwati, o motivo da ação do governo tanzaniano é claro: "O que está em causa é o medo do que aconteceu no Quénia em junho do ano passado, quando jovens protestaram e chegaram até ao Parlamento,” explicou Shikwati, que dirige o think tank Inter Region Economic Network (IREN Kenya). Os protestos, conhecidos como "protestos da geração Z”, foram uma resposta dos jovens a um projeto de lei que aumentaria os impostos. "Acho que isso deixou os nossos vizinhos muito sensíveis a pessoas que conseguem mobilizar as massas.”
Tudo isto acontece num contexto de dificuldade económica, acrescentou Shikwati numa entrevista à DW: "Rendimentos e empregos diminuem, a dinâmica global está a mudar, a economia global está a militarizar-se. Isso significa que os padrões comerciais habituais já não funcionam e o pouco dinheiro que esses países tinham desaparece da noite para o dia.". ONG internacionais retiram-se e os cortes no orçamento da USAID, impostos pela administração Trump, afectam duramente a África Oriental. Além disso, a região sente os efeitos da crise económica do gigante das exportações, o Quénia, disse o especialista.
Martha Karua: "Os direitos humanos não têm fronteiras"
O que significa a tensão na Tanzânia para a Comunidade da África Oriental, criada em 2000 pelo Quénia, Uganda e Tanzânia? Em teoria, os cidadãos com passaporte nacional podem viajar livremente entre os países membros, uma regra que vem desde os anos 60. Muitas pessoas da região aproveitam esta liberdade para trabalhar ou estudar em países vizinhos. Mas agora, especialmente entre os quenianos, cresce o receio de viajar para a Tanzânia.
De facto, alguns activistas e defensores dos direitos humanos que queriam apoiar Tundu Lissu foram impedidos de entrar, incluindo a antiga ministra da justiça do Quénia e advogada Martha Karua. Ela também tem contacto com o político da oposição ugandês preso, Kizza Besigye, e tem lutado por melhores condições de prisão para ele. Karua disse à DW: "Os direitos humanos não têm fronteiras.”
Harmonia entre governantes
No nível governamental, Shikwati não espera grandes atritos. As palavras de Ruto no Dia Nacional da Oração enviam uma mensagem clara: "Dá para ver que o governo queniano quer distanciar-se e dizer: vejam, não somos nós os activistas." Ele acredita que, a portas fechadas, procura-se uma solução para os protestos transfronteiriços.
Para Shikwati, os acontecimentos mostram como as ideias anteriores sobre a comunidade económica não refletem a realidade. A África Oriental apostou numa boa cooperação entre governos, mas não considerou que a oposição também poderia usar a comunidade para os seus próprios fins.
Apesar do apoio externo, a presidente Samia Suluhu Hassan enfrenta forte oposição dentro da Tanzânia. As ideias sobre a "cultura política” do país divergem muito da versão oficial. Por exemplo, o conhecido bispo da igreja de avivamento Josephat Gwajima, membro do partido governista Chama Cha Mapinduzi (CCM), disse já no fim de maio. "Quero dizer a verdade: sequestros não fazem parte da nossa cultura tanzaniana", e enfatizou que as pessoas devem ser presas só com base na lei.
Na segunda-feira passada, a igreja de Gwajima foi fechada. O registo das organizações civis da Tanzânia justificou a decisão dizendo que a igreja violou a lei ao pregar de forma a incitar os cidadãos contra o governo. O bispo desapareceu e ninguém sabe onde ele está agora.