A partir de julho, Moçambique poderá ficar impossibilitado de receber ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas para economista ouvido pela DW África, a situação não pode ficar pior do que já está.
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Moçambique vai ultrapassar a partir de julho todos os cinco limites usados pelo FMI para avaliar a sustentabilidade da dívida. E o Governo reconhece isso mesmo nos documentos entregues aos credores nas reuniões de 20 de março, em Londres. Em causa estão os limites do valor atual da dívida face ao Produto Interno Bruto (PIB), às Exportações, às Receitas, o Serviço da Dívida face às Exportações e o Serviço da Dívida comparado com o valor das Receitas.
De acordo com as regras internas do Fundo, os países que ultrapassem estes limites deixam de poder receber ajuda financeira. E até ao final do ano passado, no caso moçambicano, apenas o valor do serviço da dívida face às exportações estava abaixo do limite definido pelo FMI, mas a alteração dos critérios a partir de julho faz com que este valor ultrapasse o nível máximo apontado naquelas regras.
Em entrevista à DW África, o economista moçambicano Hipólito Hamela, docente da Universidade Eduardo Mondlane, avalia que o país não deverá ser afetado diretamente, uma vez que continua a receber apoio dos doadores internacionais por meio de projetos não gerenciados pelo Governo.
DW África: O FMI ainda não clarificou as consequências concretas da alteração que fez nas suas regras de ajuda financeira. Mas estará Moçambique em risco de ficar numa situação económica ainda mais difícil que a atual?
Economia moçambicana ainda mais em apuros?
Hipólito Hamela (HH): Mais difícil do que está este país, não acredito. O país já está em grande dificuldade. A oportunidade que o povo moçambicano tem tido até hoje é porque mesmo aquelas organizações que decidiram não fazer o "budget support" entraram neste momento no "project support". Moçambique conseguiu aquela imagem que lhe permitia que os doares metessem todo o dinheiro num saco, o chamado "budget support". Quando perdeu essa imagem devido a todos os problemas que já tivemos nos últimos tempos, houve uma mudança na atuação dos doadores, que estão agora a usar ONG, projetos, estão a continuar a construir escolas, centros de saúde. Não tenho a certeza quanto ao apoio direto ao Ministério da Saúde, mas posso garantir que as escolas, os hospitais, continuam a receber apoio através de organizações. O que está a acontecer é que [este apoio] já não é canalizado ao Governo.
DW África: Voltando à possibilidade de Moçambique ultrapassar todos os limites da dívida, e de acordo com as regras do FMI, ficar impossibilitado de ter acesso ao apoio do fundo, acha isto realista?
HH: Penso que temos de ir buscar a luz da doutora Luísa Diogo para voltar a fazer a "Sopa da Madrugada". Neste livro, a doutora Luísa Diogo, que foi primeira-ministra deste país, conseguiu o perdão da dívida. Mas eu não estou a ver como vamos sair desta dívida. Acho que foi a pior coisa que já aconteceu neste país. Mas aconteceu e nós, moçambicanos, já a assumimos via Parlamento. E mais dia menos dia vamos ter de pagá-la ou vamos conseguir uma "Sopa da Madrugada" que permita um perdão. Acredito que, mais dia menos dia, vamos conseguir.
DW África: Em março, em Londres, os credores rejeitaram a proposta inicial apresentada por Moçambique, de perdão de 50% da dívida atrasada. Como é que esta proposta poderá ser melhorada para realmente ser conseguido este perdão?
HH: Penso que estamos a fazer tempo, porque estamos à espera do gás e do petróleo começarem a jorrar. Com o gás de Pemba, por exemplo, nós vamos ser capazes de pagar essa dívida. O problema é que o gás ainda não está a arrancar. Não sei como é que está a situação, mas parece que as coisas estão a andar. Temos lá a ENI, a Exxon Mobil, a Shell, que já comprou uma boa parte da produção, e parece que a China e o Japão compraram uma outra boa parte. Então, penso que estamos à espera do gás, mas não sei quando isto vai sair. Deveria começar a sair agora, em 2018. O Governo está a fazer um compasso de espera. Agora, o que vai ser em termo de juros quando se começar a pagar a dívida, não tenho ideia nenhuma. O único problema vai ser a acumulação de juros.
DW África: E até lá o que se pode esperar do impacto direto deste compasso de espera na economia?
HH: Nada vai acontecer. Os credores só têm que esperar. O país está numa situação em que o Governo está a geri-lo com fundos próprios, mas não há um orçamento anterior em que 40% era suportado pelos doadores. Já houve tempos em que era 60%, mas o Governo conseguiu dar a volta e chegou a 40%. E agora é tudo pago com base na coleta dos impostos. E o que vale também é que a Autoridade Tributária está em franco desenvolvimento em termos de capacidade de coleta de impostos. O único problema é que, se não houvesse aquela alternativa de "project support", de financiamento direto aos projetos, estaríamos mal. Mas os doadores não deixaram de financiar os projeto, só o Orçamento Geral do Estado.
Os coqueiros de Inhambane
O coqueiro é muito usado na província de Inhambane, no sul de Moçambique. Seja na construção de casas, salas de aulas, estâncias turísticas e até na gastronomia, esta palmeira garante o sustento de muitas famílias.
Foto: DW/L. da Conceição
"A vida começa assim"
O coqueiro dá novos horizontes principalmente aos jovens que não têm oportunidades de emprego depois de formados. Eles dedicam-se à construção de barracas (casas típicas da região) suportadas pelas ripas de madeira proveniente do coqueiro, cujas folhas são aproveitadas também para vedação dos quintais. As pessoas que vivem nestas condições habitacionais dizem que "a vida começa assim".
Foto: DW/L. da Conceição
Baixa produção
Inhambane chegou a transportar cerca de 1.500 toneladas de derivados de coco, mas nos últimos 10 anos as rendas baixaram e as plantações de coqueiro foram afetadas por pragas. Os cidadãos são prejudicados pelo encerramento de fábricas que tinham como matéria-prima aqueles derivados. O silêncio do Governo preocupa o conselho empresarial, que apela para o uso sustentável dos coqueiros.
Foto: DW/L. da Conceição
Água de coco
É um cartão de visita na região. Composta por vitaminas e sais minerais ricos em benefícios para a saúde, que vão da hidratação à prevenção de doenças, a água de coco é comercializada nos centros das cidades por mulheres oriundas dos subúrbios. Nas praias, é um excelente negócio para adolescentes e jovens. Os vendedores dizem que conseguem um rendimento médio de 10 euros por dia.
Foto: DW/L. da Conceição
De Inhambane a Maputo
José Alfredo, comerciante de coco desde a década 90 em Inhambane, mudou a rota do seu negócio ao Lourenço Marques, hoje Maputo (capital de Moçambique), para conseguir mais lucros. Conseguiu construir duas casas com material convencional e tem algumas cabeças de gado. E ele afirma que os seus filhos nunca deixaram de frequentar a escola.
Foto: DW/L. da Conceição
Fábricas de sabão e óleo
A província de Inhambane tem fábricas para o beneficiamento do coco, empregando cidadãos locais e alguns estrangeiros. Mas, os agricultores reclamam do preço baixo para a venda dos derivados de coco, que são exportados para países da África Austral, Europa, América e Ásia. Nos últimos cinco anos, quatro fábricas já fecharam as portas por falta de matéria-prima.
Foto: DW/L. da Conceição
"Vivo na casa de coqueiro"
Uma frase que todo visitante escuta dos residentes de Inhambane, principalmente os cidadãos com baixo poder aquisitivo. Essa casa alberga cinco pessoas num dos bairros suburbanos. Como forma de proteger a terra, tem-se emprestado o espaço para habitação, mas não se pode construir com material convencional.
Foto: DW/L. da Conceição
"Não tive outra escolha"
Zaqueu Guiamba, jovem que trabalha numa das serrações de madeira na região sul de Moçambique, diz que não teve "outra escolha" depois de concluir o ensino médio. Casado e pai de dois filhos, com este trabalho ele tem rendimento médio de 3 euros por dia - o que dificulta o seu futuro. Zaqueu ainda está de olho em novas oportunidades.
Foto: DW/L. da Conceição
Capela de coqueiro
Principalmente nas zonas rurais, onde muitos grupos religiosos professam cultos, as estacas, ripas, barrotes, madeira e macuti são usados para a construção. O custo do material é muito barato e os próprios fiéis são responsáveis nas reabilitações.
Foto: DW/L. da Conceição
Sura, a bebida do coqueiro
Sura é um líquido extraído das palmeiras e que dá origem a uma bebida alcoólica tradicional na região. Ele também é o ingrediente de bolinhos e pães de sura, que são vendidos nas paragens dos auto-carros. Muitas pessoas, principalmente mulheres, sobrevivem com este negócio. Visitantes desta região sempre provam a iguaria. Uma tradição antiga preservada pelo povo.
Foto: DW/L. da Conceição
Escassez de coco nos mercados
O preço do coco duplicou nos últimos anos e as vendedoras dizem que é devido ao abate constante dos coqueiros, que afeta a sua produção e, consequentemente, os negócios de quem vive desta palmeira. E os clientes reclamam da qualidade do coco, muito utilizado na gastronomia típica da região.
Foto: DW/L. da Conceição
Atração turística
Os coqueiros também servem o tursimo de Inhambane. Várias estâncias turísticas são construídas com as matérias provenientes do coqueiro, principalmente os troncos e as folhas, que são usadas para forrar o telhado.
Foto: DW/L. da Conceição
Bom negócio
Romao Wacela dedica-se ao negócio do tronco de coqueiro há mais de 10 anos na cidade de Maxixe. Ele vende tábuas para porta, barrotes, ripas e prancha. Por dia consegue arrecadar cerca de 10 euros e diz que "coqueiro dá bom negócio". O comerciante sustenta a sua família e ainda tem projetos em carteira para utilizar o coqueiro mesmo sabendo que não está fácil encontrá-lo para o abate.
Foto: DW/L. da Conceição
Indústrias encerradas
A falta de políticas para a produção do coco e a sua reposição levou o encerramento de algumas fabricas que operavam apenas com o material fornecido pelo coqueiro. Esta indústria pertence a um grupo de investidores sul-africanos, mas não funciona há mais de um ano, deixando dezenas de cidadãos sem emprego.