João Mosca traça retrato negro da economia moçambicana
28 de março de 2017João Mosca, professor catedrático e igualmente diretor do Meio Rural, afirma que a economia de Moçambique está incapacitada de gerar recursos suficientes para pagar a dívida pública.
Moçambique não tem qualquer probabilidade e recursos financeiros próprios para cumprir com o pagamento da dívida pública, que ronda os 15 mil milhões de dólares. A dívida oculta representa cerca de dez por cento daquele valor, contraído a partir de 2010 de forma absolutamente descontrolada durante o último mandato do ex-presidente Armando Guebuza.
De acordo com o investigador João Mosca, o problema está na incapacidade da economia moçambicana gerar recursos suficientes e no facto das contas públicas continuarem negativas. O professor catedrático falou à DW África em Lisboa, à margem duma conferência co-organizada pela Fundação AIP e AM Intelligence (28.03).
Impacto negativo na credibilidade e confiança
As consequências do default para Moçambique têm impacto negativo, nomeadamente no que toca à credibilidade e confiança na governação e na economia, contribuindo para a retração do investimento e a subida das taxas de juro, com efeitos sobre o volume e os serviços da dívida. Tal reduz a capacidade do Estado moçambicano em prestar serviços, obrigando a mobilizar mais recursos para o pagamento da dívida. É desta forma que o economista João Mosca avalia as consequências da incapacidade de Moçambique em cumprir cabalmente os seus compromissos financeiros internacionais.
"Internamente também a confiança dos cidadãos, principalmente dos empresários que investem diminui", destaca João Mosca para acrescentar que "o crédito internacional e o investimento alteram-se completamente, embora em algumas áreas – como por exemplo na questão do gás – esse elemento não seja tão determinante. Mas é importante em qualquer caso saber que é um país que tem dificuldades ou não consegue, pelo menos nas duas primeiras tranches, respeitar os seus compromissos. Portanto, a situação é negativa", sublinha o economista moçambicano.
Operação sem efeitos económicos consideráveis
João Mosca considera "receita extraordinária” ou "única” a venda de ações da ENI à ExxonMobil relativo aos campos de gás na Bacia do Rovuma e afirma que isso não muda a perceção dos investidores internacionais em relação ao default, porque tal operação não terá efeitos económicos consideráveis.
"Vai com certeza servir para pagar dívida sem qualquer efeito sobre a economia, sobre a capacidade do Estado, a capacidade de investimento por parte dos empresários, mudanças internas na economia, isso não se vai refletir de forma nenhuma.Portanto, é dinheiro que entra de um lado e sai do outro. Naturalmente que isso pode ter algum efeito devido à redução da dívida em termos de juros". No entanto, já começam a surgir documentos que duvidam da avaliação das receitas sobre a referida venda. Estima-se que foram muito subvalorizadas, admitindo-se, segundo João Mosca, que tenha havido problemas técnicos ou de falta de transparência.
Legitimidade da dívida de algumas empresas
Na entrevista à DW África, o investigador também se pronunciou sobre a legitimidade da dívida das empresas ProIndicus, EMATUM e MAM, que não foi aprovada pelo Parlamento moçambicano.
"Essas dívidas ocultas foram ilegais, não transparentes. Uma minoria das pessoas mesmo dentro da governação conhecia esse assunto. Foram fraudulentas na medida em que o volume e os valores e as taxas de juro acordadas foram absolutamente fora [dos valores] do mercado. Foram créditos destinados, sobretudo, à área militar e, portanto, sem efeito sobre a economia. Foram investimentos tecnicamente mal feitos. Os barcos para a pesca não reuniam qualquer condição de frio, de navegabilidade, de instrumentos de navegação, de capacidade de pesca para o fim que se dizia. Houve também problemas de legalização da própria empresa para efeitos de poder pescar em águas internacionais e mesmo em condições regradas para navegação internacional. Portanto, quase tudo está errado neste processo. Então, é uma situação muito lamentável", destaca o economista moçambicano.
OGE continua negativo
Perante os factos, João Mosca sustenta que Moçambique não tem capacidade financeira para repagar a dívida porque "o Orçamento do Estado continua negativo. A balança de pagamentos continua negativa e só por aí não há como alterar essa tendência negativa no médio prazo, daqui a 4, 5, 6 anos ou mais. A única capacidade que é possível ter é através de influxos de financiamentos para pagar financiamentos não pagos. E daí terá que vir necessariamente do Fundo Monetário Internacional e de outras organizações financeiras. Sem isso Moçambique não tem qualquer capacidade. Não vale a pena pensar nisso", alerta o economista.
Além do suporte do Fundo Monetário Internacional (FMI), Mosca sugere "eventualmente uma redução das taxas de juro dos credores" mas também "alguma penalização dos bancos que atuaram de má fé", porque, acrescenta ele, "houve falta de seriedade de todas as partes – Governo, empresas e credores, incluindo os mediadores – à volta da rede financeira que se montou para os referidos investimentos".