Tomam posse esta quinta-feira os novos edis, eleitos nas autárquicas de outubro. Em Chiúre, no norte de Moçambique, a RENAMO vai governar pela primeira vez e o xadrez político na região deverá mudar.
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É um dia histórico no município de Chiúre, província de Cabo Delgado. A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e o seu cabeça de lista, Alicora Ntutunha, tomam posse esta quinta-feira (07.02) pela primeira vez, num terreno tradicionalmente tido como da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Para a RENAMO, esta tomada de posse desconstrói a velha narrativa de que o eleitorado da província seja pertença do partido no poder em Moçambique.
Cabo Delgado é uma província simbólica: foi aqui que começou a luta pela independência de Moçambique, pelas mãos da FRELIMO, e onde surgiram as primeiras zonas libertadas. Mas Singano Assane, delegado político da RENAMO em Cabo Delgado, sublinha que a província "não é da FRELIMO".
"Hoje, se a RENAMO está a governar em Cabo Delgado, é a resposta que o povo está a dar à FRELIMO, para [mostrar] que a província não é da FRELIMO", afirma Assane em entrevista à DW África.
RENAMO confiante no futuro
Será que Chiúre é apenas o ponto de partida de uma possível expansão da RENAMO nas próximas eleições gerais, marcadas para 15 de outubro?
"Eu acredito que teremos resultados positivos nas próximas eleições", responde Singano Assane. "O povo sabe de tudo o que acontece e está muito evoluído. A democracia cresceu no país a o povo sabe o que está a fazer."
Edis moçambicanos tomam posse e há novidades em Chiúre
Cabo Delgado foi a província onde nasceu o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi. Mas, segundo o sociólogo Reginaldo Mutemba, as autárquicas de outubro mostraram que o local de nascimento do chefe de Estado não determina a escolha do partido, na hora da votação.
Segundo Mutemba, a eleição do primeiro governo regional da RENAMO em Cabo Delgado é sinal de que a simpatia popular pelo partido está a aumentar. Mas o professor universitário adverte que a RENAMO só continuará numa maré de vitórias se corresponder às expetativas dos munícipes.
"Nem sempre a mudança de um partido para outro tem resultado na resolução dos problemas", alerta.
Cumprir as promessas
Rafael Martinho, outro académico, diz que a chegada da RENAMO à liderança de Chiúre resulta da constante frustração das expetativas dos eleitores daquela vila em relação à governação da FRELIMO.
"Agora, viram na oposição uma alternativa para satisfazer os seus intentos. [Mas] isto não é estático. As pessoas mudam consoante os tempos e consoante as promessas que não foram cumpridas", diz.
Martinho frisa que, se o novo edil de Chiúre conseguir melhorar as condições de vida, isso poderá jogar a favor da RENAMO nos próximos pleitos. Caso contrário, o eleitorado poderá fazer novas escolhas.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.