Eleições em Moçambique: Faltam projetos de governação
Amós Fernando (Tete)
8 de outubro de 2019
Para especialistas, cabeças de lista limitam-se a replicar os manifestos dos seus partidos, sem apresentar ideias concretas do que pretendem fazer se eleitos governadores provinciais. Discursos não trazem novidade.
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As eleições gerais moçambicanas do próximo dia 15 de outubro vão eleger, pela primeira vez, 10 governadores provinciais, com exceção da cidade de Maputo que goza de um estatuto especial. A eleição dos governadores provinciais é resultado da lei da descentralização, aprovada em maio deste ano.
Para o quinquénio 2020-2024, espera-se um novo figurino na governação provincial em Moçambique - sendo que o governador passará a ser o mentor do desenvolvimento local.
Cabeças de lista sem propostas concretas - MP3-Mono
No entanto, o diretor do Instituto para a Democracia Multipartidária, Hermenegildo Mulhovo, lamenta que os candidatos a governadores provinciais não estejam divulgar os seus projetos de governação neste período de campanha eleitoral.
"Infelizmente, sentimos que as pessoas não estão assim preparadas para essa nova realidade", observa, acrescentando que "se for a olhar para o tipo de campanha [eleitoral] que estamos a ter, vai reparar que é uma campanhas muito centralizadas. Süo que não estamos a ter manifestos provinciais".
"O que temos são partidos políticos que usam o manifesto centralizado e não articulam com clareza as prioridades de dimensão provincial", afirma Mulhovo.
Para o diretor do Instituto para Democracia Multipartidária, os cabeças de lista apenas limitam-se a "fazer a promoção do seu partido e do presidente do partido e pouco falam aquilo que é a sua visão de governação."
Disciplina partidária
O jurista e ativista social, Júlio Calengo fala de disciplina partidária, como a razão de não apresentação de projetos próprios por parte dos cabeças de lista.
"Está-se a usar uma disciplina [partidária] a partir do topo para a base," descreve.
"Localmente o manifesto específico, acredito que existe, mas não está ainda muito bem trinchado de que, na verdade, o problema que se verifica na zona X será solucionado", avalia Calengo.
Por seu turno, o coordenador do Parlamento Juvenil em Tete, Micheque Dinga, observa que "há uma confusão entre o que o candidato pensa e o manifesto elaborado pelo seu partido".
"Sabemos que em todos os partidos políticos há essa disciplina de obedecer o que o partido quer, mas é muito importante que haja uma concertação", afirmou.
Promessas sem novidade
Quando faltam poucos dias para o fim da campanha eleitoral, a sociedade civil na província de Tete avalia negativamente as mensagens até aqui disseminadas pelos partidos políticos em campanha eleitoral, por considerar que, no geral, não espelham os anseios da população.
"Sinto que os partidos não estão a falar o que o povo quer ouvir. Estão a falar o que lhe aparece na mente. Infelizmente, o que o povo quer ouvir não é apenas o que eles vão fazer, mas como vão fazer e estas mensagens não estão a ser claras," afirma Micheque Dinga, coordenador do Parlamento Juvenil em Tete.
"Infelizmente há um ‘copy and paste' [ou cópia] dos manifestos eleitorais passados. Fui fazer uma busca dos vários manifestos eleitorais passados. É um 'copy and paste', mas os contextos são diferente. Os partidos políticos e os seus cabeças de lista deveriam perceber que os contextos são diferentes", sublinha Dinga.
Já o jurista Júlio Calengo diz acreditar que nos próximos dias haverá alguma mudança na forma como os partidos vão disseminando as suas mensagens de caça ao voto.
O jurista diz que "a experiência mostra que os partidos deixam muita coisa para o fim, nos últimos dias. Então, estamos bastante ansiosos". Calengo considera que, até aqui, não há novidades nas promessas apresentadas pelos partidos concorrentes às eleições de 15 de outubro.
"Em algum momento, percebi que alguns discursos são esporádicos. O candidato vai a algum lugar, deteta um problema e diz que vai resolver isso," descreve.
Na província de Tete, os três partidos com assento parlamentar lançam as suas últimas "cartadas" de caça ao voto, na tentativa de conseguir convencer os cerca de 1.1 milhão de eleitores inscritos para votar em toda a província.
Campanha eleitoral em Moçambique: Província a província
Campanha em Moçambique: Província a província
Foto: DW/B. Jequete
Niassa: Província lembrada em período de campanha
Em época de conquistar os eleitores a oposição lembra-se que esta província do norte é marginalizada. O potencial agrícola também é chamado nos discursos dos partidos políticos. Os eleitores dizem que basta de promessas não cumpridas e manifestam desejo de ver a província, considerada esquecida, desenvolvida.
Foto: DW/M. David
Cabo Delgado: Campanha em palco de ataques armados
Há mais de dois anos que esta província do norte é alvo de ataques armados organizados por homens até ao momento sem face. Caça ao voto em solo molhado de sangue e clima de terror não é com certeza a todo vapor. Mas os partidos, em áreas seguras, seguem com suas promessas. Na terra do futuro, pois alberga uma das maiores reservas de gás do mundo, os jovens exigem emprego.
Foto: DW/D. Anacleto
Nampula: Tragédia em comício da FRELIMO
Mais de 10 mortos e 85 feridos foi o saldo do evento de campanha da FRELIMO no estádio 25 de junho. Mesmo assim a FRELIMO e o seu candidato não interromperam a caça ao voto, num gesto de luto. Mas reagiu imediatamente, prometendo entre outras coisas o acompanhamento aos familiares das vítimas. Aguarda-se pelo apuramento das responsabilidades. Desconfia-se que aspetos de segurança tenham falhado.
Foto: DW/S. Lutxeque
Zambézia: Ato macabro mancha caça ao voto
Nesta província a mobilização do eleitorado é grande, por isso a festa também é em grande. E é com a mesma proporção que desponta a violência eleitoral. Até ao momento o incêndio criminoso da casa da mãe do candidato da RENAMO às provinciais, Manuel de Araújo, é a maior mancha do processo na província central. A RENAMO acusa a FRELIMO de autoria, mas o partido no poder nega.
Foto: DW/Marcelino Mueia
Tete: Desenvolvimento é a tónica de campanha
Os dois principais partidos, FRELIMO e RENAMO, contam promover o desenvolvimento da província central usando os recursos que a região oferece. Já o MDM dá ênfase à saúde.
Foto: Sérgio Vinga
Manica: Proximidade com o eleitor
Tal como em todo o país, as regras de afixação de cartazes eleitorais não são respeitadas nesta província central. Mas esta não é a única forma de propaganda usada pelas formações políticas, como é habitual, os candidatos vão ao encontro do eleitor com os panfletos nas mãos.
Foto: DW/B. Chicotimba
Sofala: Ciclone Idai faz mudança climática ser prioridade
O Idai atingiu duramente a província central em meados de abril. Até hoje o país não se refez completamente das suas consequências. O evento está a ser aproveitado para conseguir votos. Os partidos estão a prometer a um eleitorado recém afetado medidas para minimizar os impactos das alterações climáticas.
Foto: DW/Arcénio Sebastião
Inhambane: As ameaças de ex-guerrilheiros da RENAMO
É em época de caça ao voto que os guerrilheiros da RENAMO acantonados na base de Matokose, nesta província do sul, fazem ameaças. Justificam que estão descontentes com a sua liderança. Garantem que têm muito armamento, que deveria ter sido entregue às autoridades até o 21 de agosto. É neste contexto que os partidos vão trabalhando junto do eleitorado.
Foto: DW/Luciano da Conceição
Gaza: Campanha sob o espectro da desconfiança de fraude
A caça ao voto nesta província do sul acontece mesmo sem que o caso da disparidade de números de eleitores apresentados pelo INE e STAE tenha sido resolvido. A suspeição em relação à Gaza é grande. Neste bastião da FRELIMO, onde a oposição costuma ser alvo de violência, as ações de campanha decorrem até agora com tranquilidade.
Foto: DW/C.A. Matsinhe
Maputo: Promessas ajustadas ao eleitor urbano
Redução do IVA e combate à corrupção são algumas das promessas da oposição nesta província do sul. As fraquezas do Governo da FRELIMO têm servido, até certo ponto, de armas para a RENAMO e MDM nesta campanha. Também promessas de mais emprego para uma região densamente povoada por jovens não faltam. Já a FRELIMO prefere continuar a apostar, entre outras coisas, na continuidade.