Moçambique: Sala da Paz aponta ilícitos na campanha
Leonel Matias (Maputo)
26 de setembro de 2019
Plataforma que reúne organizações moçambicanas apresentou avaliação intermédia da campanha eleitoral. Cenário, no entanto, é preocupante no que diz respeito à violência e ilícitos eleitorais, avançou relatório.
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Em Moçambique, a plataforma de observação eleitoral Sala da Paz está a registar com bastante preocupação a persistência de ataques armados nas províncias de Cabo Delgado, Manica e Nampula, e receia que possam influenciar na elevação dos níveis de abstenção nas próximas eleições.
Aquela plataforma da sociedade civil, que congrega cerca de 70 organizações, recomenda ainda a polícia para redobrar esforços de modo a serenar os ânimos dos membros e simpatizantes dos partidos políticos, a fim de evitar o registo de mais casos de violência política que tendem a atingir níveis alarmantes na presente campanha eleitoral.
Moçambique: Sala da Paz preocupada com violência e ilícitos na campanha eleitoral
Numa avaliação intermédia da campanha eleitoral - iniciada a 31 de agosto - apresentada esta quinta-feira (26.09), em Maputo, a Plataforma Sala da Paz afirma que este processo foi caracterizado por um lado por um ambiente festivo e por outro pela ocorrência de casos de acidentes, incidentes e atos de violência.
Durante os primeiros 26 dias da campanha, a Sala da Paz registou acidentes de viação que resultaram em pelo menos 32 mortos e 191 feridos, dois assassinatos, 15 casos de agressão física, 12 casas incendiadas, para além da danificação de viaturas, motorizadas e bicicletas envolvidas nos acidentes.
Segundo Felicidade Chirindja, da Sala da Paz, estas situações são maioritariamente motivadas por "alguma inobservância de medidas de segurança, intolerância política, alguma percepção de impunidade e falta de responsabilização aos infratores da legislação e falta de preparo e de orientação das pessoas envolvidas nas campanhas em relação a legislação eleitoral".
Ataques armados
A Sala da Paz registou, igualmente, com bastante preocupação a persistência de ataques armados em alguns distritos de Cabo Delgado, bem como nas províncias de Manica e Nampula.
"Estes ataques criam um ambiente de medo e pânico nas comunidades e aumenta a mobilidade de potenciais eleitores para as zonas mais seguras", explicou Chirindja, ressaltando que esta situação "poderá impedir a população de exercer o direito de voto e consequentemente influenciar para a elevação dos níveis de abstenção eleitoral".
A Sala da Paz constatou ainda com alguma preocupação alguns casos em que partidos políticos foram impedidos de realizar seus comícios alegadamente porque estes espaços tinham sido previamente reservados e cedidos ao partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Ilícitos eleitorais
Uma nota dominante na primeira metade da campanha eleitoral foi o facto de os três partidos representados na Assembleia da República terem afixado panfletos em lugares proibidos por lei. Outro ilícito marcante nesta campanha é a remoção, destruição e colagem de panfletos de um partido político por cima de outro.
A Sala da Paz afirma ter acompanhado com bastante preocupação sinais de intolerância registados um pouco por todo o país, em particular nas províncias de Gaza, Nampula, Tete e Zambézia.
Aquela plataforma da sociedade civil considerou também que tem sido visível a presença de menores de idade nas marchas e caravanas de quase todos os partidos políticos. E deixou o seguinte apelo:
"Para a próxima revisão da legislação, recomenda-se que seja discutida a possibilidade de ser expressamente proibido e, por conseguinte, penalizado o envolvimento de crianças nas atividades de campanha política", disse Felicidade Chirindja.
Uso de bens do Estado
A Sala da Paz acusa ainda o partido FRELIMO de uso de viaturas do Estado durante a campanha, para além de alegadamente proceder a recolha de cartões de eleitores.
Por seu turno, o porta-voz do partido no poder, Caifadine Manasse, reagiu a estas acusações. "Porque é que a FRELIMO recolheria cartões se o cartão é individual, é intransmissível, é para o eleitor ir votar. Nós queremos que os eleitores continuem com os seus cartões, mas que no dia 25 vão votar no partido FRELIMO".
Caifadine Manasse descreveu estas acusações como manobras dilatórias da oposição e negou igualmente que o seu partido esteja a usar meios do estado para a campanha. E afirmou que o partido respeita a lei e que "qualquer um que esteja a usar meios do Estado deve ser responsabilizado".
Campanha eleitoral em Moçambique: Província a província
Campanha em Moçambique: Província a província
Foto: DW/B. Jequete
Niassa: Província lembrada em período de campanha
Em época de conquistar os eleitores a oposição lembra-se que esta província do norte é marginalizada. O potencial agrícola também é chamado nos discursos dos partidos políticos. Os eleitores dizem que basta de promessas não cumpridas e manifestam desejo de ver a província, considerada esquecida, desenvolvida.
Foto: DW/M. David
Cabo Delgado: Campanha em palco de ataques armados
Há mais de dois anos que esta província do norte é alvo de ataques armados organizados por homens até ao momento sem face. Caça ao voto em solo molhado de sangue e clima de terror não é com certeza a todo vapor. Mas os partidos, em áreas seguras, seguem com suas promessas. Na terra do futuro, pois alberga uma das maiores reservas de gás do mundo, os jovens exigem emprego.
Foto: DW/D. Anacleto
Nampula: Tragédia em comício da FRELIMO
Mais de 10 mortos e 85 feridos foi o saldo do evento de campanha da FRELIMO no estádio 25 de junho. Mesmo assim a FRELIMO e o seu candidato não interromperam a caça ao voto, num gesto de luto. Mas reagiu imediatamente, prometendo entre outras coisas o acompanhamento aos familiares das vítimas. Aguarda-se pelo apuramento das responsabilidades. Desconfia-se que aspetos de segurança tenham falhado.
Foto: DW/S. Lutxeque
Zambézia: Ato macabro mancha caça ao voto
Nesta província a mobilização do eleitorado é grande, por isso a festa também é em grande. E é com a mesma proporção que desponta a violência eleitoral. Até ao momento o incêndio criminoso da casa da mãe do candidato da RENAMO às provinciais, Manuel de Araújo, é a maior mancha do processo na província central. A RENAMO acusa a FRELIMO de autoria, mas o partido no poder nega.
Foto: DW/Marcelino Mueia
Tete: Desenvolvimento é a tónica de campanha
Os dois principais partidos, FRELIMO e RENAMO, contam promover o desenvolvimento da província central usando os recursos que a região oferece. Já o MDM dá ênfase à saúde.
Foto: Sérgio Vinga
Manica: Proximidade com o eleitor
Tal como em todo o país, as regras de afixação de cartazes eleitorais não são respeitadas nesta província central. Mas esta não é a única forma de propaganda usada pelas formações políticas, como é habitual, os candidatos vão ao encontro do eleitor com os panfletos nas mãos.
Foto: DW/B. Chicotimba
Sofala: Ciclone Idai faz mudança climática ser prioridade
O Idai atingiu duramente a província central em meados de abril. Até hoje o país não se refez completamente das suas consequências. O evento está a ser aproveitado para conseguir votos. Os partidos estão a prometer a um eleitorado recém afetado medidas para minimizar os impactos das alterações climáticas.
Foto: DW/Arcénio Sebastião
Inhambane: As ameaças de ex-guerrilheiros da RENAMO
É em época de caça ao voto que os guerrilheiros da RENAMO acantonados na base de Matokose, nesta província do sul, fazem ameaças. Justificam que estão descontentes com a sua liderança. Garantem que têm muito armamento, que deveria ter sido entregue às autoridades até o 21 de agosto. É neste contexto que os partidos vão trabalhando junto do eleitorado.
Foto: DW/Luciano da Conceição
Gaza: Campanha sob o espectro da desconfiança de fraude
A caça ao voto nesta província do sul acontece mesmo sem que o caso da disparidade de números de eleitores apresentados pelo INE e STAE tenha sido resolvido. A suspeição em relação à Gaza é grande. Neste bastião da FRELIMO, onde a oposição costuma ser alvo de violência, as ações de campanha decorrem até agora com tranquilidade.
Foto: DW/C.A. Matsinhe
Maputo: Promessas ajustadas ao eleitor urbano
Redução do IVA e combate à corrupção são algumas das promessas da oposição nesta província do sul. As fraquezas do Governo da FRELIMO têm servido, até certo ponto, de armas para a RENAMO e MDM nesta campanha. Também promessas de mais emprego para uma região densamente povoada por jovens não faltam. Já a FRELIMO prefere continuar a apostar, entre outras coisas, na continuidade.