Níger: Eleições marcam primeira transição pacífica de poder
Fred Muvunyi
19 de fevereiro de 2021
Numa região onde os presidentes tendem a ignorar os limites constitucionais dos seus mandatos, o nigerino Issuofou Mahamadou renunciou a mais uma candidatura. Mas deixa ao seu sucessor problemas graves.
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No domingo (21/02), os nigerinos vão às urnas para a segunda volta das eleições presidenciais, uma vez que nenhum candidato conseguiu reunir uma maioria suficiente no escrutínio de 27 de dezembro passado.
O país do Sahel só introduziu a democracia multipartidária há dez anos. Após dois mandatos de cinco anos, o Presidente Mahamadou Issoufou renunciou a um terceiro, preparando o caminho para a primeira transição pacífica de poder desde a independência da França em 1960. Até agora, todas as mudanças de poder foram acompanhadas por sobressaltos,seja através de golpes de Estado ou porque os chefes de Estado excederam os ses mandatos até serem afastados à força.
"O 21 de Fevereiro representa uma oportunidade ansiosamente aguardada pelo povo do Níger para testemunhar uma transferência de poder de um presidente cessante para outro", disse à DW Amadou Boubacar Hassane, analista político e especialista em direito constitucional. "É necessário consolidar este feito [da transferência pacífica de poder] e criar as condições de estabilidade política e institucional", acrescentou.
Dois candidatos experientes
Primeiro será necessário eleger um novo presidente. Na segunda volta, concorrem dois políticos muito experientes. O candidato do Partido Nigeriano para a Democracia e o Socialismo no governo, Mohamed Bazoum,- vencedor da primeira volta - deteve pastas importantes no Governo, incluindo a dos negócios estrangeiros e a do interior.
Bazoum enfrenta um concorrente com bastante notoriedade política: o antigo Presidente Mahamane Ousmane. O quarto chefe de Estado do Níger, que ocupou o cargo entre 1993 e 1996, antes de ser derrubado por um golpe militar, tem o apoio de grupos-chave da oposição.
O maior desafio é a pobreza
O vencedor do escrutínio enfrentará uma árdua tarefa, já que urge combater a pobreza endémica no país.
Aboubacar Namera, que vende batatas cozidas nas ruas da capital, Niamey, diz que não espera muito de nenhum dos candidatos. "Para nós não muda nada, independentemente de quem está no poder", disse Namera à DW. O vendedor ambulante acrescentou que "o próximo presidente devia pensar nos pobres".
As estatísticas do Banco Mundial mostram que pelo menos 41 por cento da população do Níger vive em extrema pobreza. A professora nigerina Hadjara Badjo disse à DW que os cuidados das crianças entre os zero e os cinco anos "é horrível. Espero que o próximo presidente melhore a vida das crianças". Dados da ONU revelam que que há mais de 80 mortes por 1000 crianças com menos de cinco anos de idade.
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Cresce a ameaça islamista
Durante a presidência de Issoufou, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu de 8,7 mil milhões de dólares para 12,9 mil milhões de dólares, graças a investimentos na agricultura, que representa cerca de 40 por cento do PIB.
Mas a pobreza não é o único problema que espera o próximo chefe de Estado. Nós últimos anos, grupos armados, afiliados à al-Qaeda e ao "Estado Islâmico", alargaram-se pelo deserto árido do Sahel, exacerbando tensões étnicas. Os ataques contra as forças de segurança do Níger e nos países vizinhos multiplicam-se. Milhares de civis foram mortos e milhões de pessoas tiveram que abandonar as suas casas, nos últimos dez anos.
Milhares de migrantes atravessam Níger rumo à Europa
São jovens oriundos da África Ocidental e fazem tudo para chegar à Europa. Estão mesmo dispostos a arriscar a vida, atravessando o deserto, rumo ao Mediterrâneo. Mas nem todos são bem sucedidos.
Foto: DW/A. Cascais
Apoio aos "menos bem sucedidos"
Em Niamey existe um centro de acolhimento da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Aqui são acolhidos os jovens "revenants", que não conseguiram atravessar o deserto e se veem obrigados a regressar aos seus países de origem. A OIM, que faz parte do sistema das Nações Unidas, dá-lhes abrigo provisório, alimentação e apoio na obtenção de passaportes e outros documentos.
Foto: DW/
À espera do regresso a casa
Os jovens que procuram apoio no centro da OIM vêm dos mais diferentes países: Guiné-Conacri, Mali, Senegal, Gâmbia ou Guiné-Bissau, movidos sobretudo por objetivos económicos. Muitos tiraram cursos superiores, mas não arranjam trabalho. Muitas famílias apostam na emigração de pelo menos um filho. Caso esse filho seja bem sucedido poderá eventualmente apoiar economicamente o resto da família.
Foto: DW/A. Cascais
Frustrados por terem falhado a Europa
Muitos investiram todas as suas economias, pediram dinheiro a familiares e perderam tudo. Agora esperam pelo regresso aos seus países com a sensação de terem sofrido grandes derrotas pessoais. Os assistentes sociais falam de casos em que os jovens não se atrevem a voltar ao seio das suas famílias, "por sentirem vergonha". Precisam de apoio psicológico, mas esse apoio não existe.
Foto: DW/A. Cascais
Otimismo apesar das derrotas
Alguns dos migrantes sofrem lesões e contraem doenças durante a travessia do deserto, mas mesmo assim não perdem o ânimo. Em muitos casos, os jovens tentam várias vezes, ao longo da vida, atingir a terra prometida: a Europa. Muitos nunca o conseguem, mas não perdem o otimismo. Em 2016, a OIM prestou apoio a mais de 6 mil "revenants" - migrantes que não foram bem sucedidos no Níger.
Foto: DW/A. Cascais
Espancado na Líbia
Dumbya Mamadou, de 26 anos de idade, oriundo do Senegal, conseguiu atingir a Líbia, depois de uma "odisseia de 5 dias e 5 noites" pelo deserto do Níger. Mas na Líbia foi maltratado. "Os líbios apontaram-me armas e espancaram-me, não têm respeito pelo ser humano", afirma o jovem. Dumbya volta ao seu país de origem com um sentimento de derrota: "Queria estudar na Europa, agora não sei o que fazer".
Foto: DW/
Roubado no Burkina Faso
Mamadou Barry, de 21 anos, oriundo da Guiné-Conacri, tinha um sonho: aplicar em França os seus conhecimentos de marketing e os seus talentos musicais. Mas a viagem rumo à Europa correu-lhe mal. "Fui roubado no Burkina Faso, o primeiro país pelo qual passei", conta. Mesmo assim, Mamadou aprendeu uma grande lição para a vida: "coisas que nunca teria aprendido se nunca tivesse saído de Conacri".
Foto: DW/A. Cascais
Rap contra a frustração
Mamadou Barry tenta digerir as suas derrotas e decepções através da música. Há três anos que o jovem canta e interpreta temas de rap e hiphop de sua autoria. O seu último tema foi escrito em Niamey, capital do Níger, e tem a seguinte letra: "A migração arrasou-me / e ninguém me pode consolar / O Mar Mediterrâneo já matou muitos / e nós cá continuamos: sem comida, sem cama, sem saúde".
Foto: DW/
Central de autocarros de Niamey: uma placa giratória
É da estação de autocarros de Niamey que partem diariamente centenas de furgonetas, muitas delas repletas de jovens migrantes, em direção ao norte. Os migrantes tornaram-se um fator relevante para a economia do Níger. Há muita gente que ganha a sua vida prestando diversos serviços aos migrantes: viagens pelo deserto, alimentação e mesmo cuidados médicos.
Foto: DW/A. Cascais
Mais migrantes tentam atravessar deserto do Níger
O número de migrantes que viajam através dos vastos territórios desérticos do Níger para chegar ao norte da África e à Europa não pára de aumentar, tendo alcançado os 200 mil em 2016, segundo estimativas do escritório da Organização Internacional para as Migrações. Outras fontes falam de 10 mil migrantes que atravessam o Níger por semana. A situacão geográfica do Níger é o fator determinante.
Foto: DW/A. Cascais
Agadez, o "olho da agulha"
Agadez, cidade desértica no Níger, é um dos principais pontos de trânsito no Saara para os imigrantes em fuga de nações empobrecidas do oeste da África. As "máfias" do tráfico humano têm beneficiado do caos na Líbia para transportar dezenas de milhares de pessoas para o continente europeu em embarcações precárias. Os migrantes muitas vezes sofrem abusos dos passadores.