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PolíticaBrasil

Eleições no Brasil: "Um Governo que possa olhar para África"

30 de setembro de 2022

O Brasil elege este domingo (02.10) o seu próximo Presidente, numa das eleições mais polarizadas da sua história. Africanos no país pedem um Governo que olhe para o continente e dê mais representatividade aos migrantes.

Bolsonaro (esq.) e Lula da Silva são os principais candidatos nestas eleições gerais no Brasil
Bolsonaro (esq.) e Lula da Silva são os principais candidatos nestas eleições gerais no Brasil

Em 2012, o historiador moçambicano João Adriano Mucuapera João deixou Maputo em direção a São Paulo, a maior cidade brasileira. Lá, encontrou uma vida cheia de oportunidades. Hoje, a situação é diferente.

"Vou falar num português bem claro: havia fartura, tanto de trabalho como de comida. A pessoa mudava de emprego de um dia para o outro. Hoje você não encontra isso", relata o historiador moçambicano de 42 anos, que atualmente estuda ciências humanas na Universidade de São Paulo (USP).

O professor angolano Isidro Sanene, oriundo da província de Benguela, concorda. Diz que tudo era mais fácil quando chegou a São Paulo, há 12 anos, na condição de refugiado. 

"Lembro-me que quando cheguei eu tinha 30 dólares. Com 20 reais eu conseguia comer no Bom Prato [restaurante popular] durante 20 dias, a refeição era 1 real. As coisas subiram muito de preço", conta Sanene, que conseguiu estudar no Brasil e atualmente, aos 34 anos, dá aulas de redação para alunos do ensino médio numa escola privada, além de trabalhar como ator e produtor cultural.

Isidro Sanene: "O Brasil encontra-se nesta desigualdade social justamente por causa da política da negação"Foto: privat

"O Brasil não merece isto que está a viver"

O alto custo de vida e a falta de oportunidades são algumas preocupações dos migrantes africanos que esperam melhorias no Brasil após as eleições gerais do próximo domingo, 2 de outubro. 

Na última década, uma crise política, económica e social tem tirado o país da sua rota de crescimento. Segundo dados do "Mapa da Nova Pobreza", da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgados em julho, quase 10 milhões de brasileiros passaram a viver com menos de 497 reais mensais (cerca de 95 euros) entre os anos e 2019 a 2021 – valor que é menos de metade do salário mínimo nacional.

O moçambicano João Adriano diz que a situação "piorou muito" com a pandemia de Covid-19. "Há dez anos, quando eu cheguei ao país, eu ia à Praça da Sé como um ponto turístico, hoje é um ponto cheio de barracas de pessoas que não tiveram condições de pagar o aluguer e foram morar no centro de São Paulo, porque lá a sociedade civil ajuda-os com um prato de comida, com roupa. O Brasil não merece isto que está a viver", lamenta o historiador e também ativista cultural.

Moradores em situação de rua formam fila para receber comida na Praça da Sé, em São PauloFoto: Nelson Almeida/AFP/Getty Images

Um retrato da desigualdade

Isidro Sanene lembra que muitos migrantes africanos são autónomos e, por isso, enfrentaram dificuldades económicas ainda maiores por causa da pandemia. "O aluguer, por exemplo, antes era mais tranquilo. O acesso à comida também. E hoje tudo está num valor extremamente absurdo e muitas vezes nós, como migrantes, não temos condições de nos sustentar".

A estudante de direito da República Democrática do Congo (RDC) Rosy Kamayi, de 23 anos, vive há quatro anos na capital do estado do Paraná, no sul do país, e também sofre com a atual situação económica brasileira. "Aqui em Curitiba, para um estrangeiro conseguir um trabalho, não é fácil", diz.

Com um estágio no Ministério Público do Trabalho, Rosy tenta sustentar-se e ainda ajudar a família que deixou em Kinshasa. Mas, como disse, "não é fácil".

"Espero que o próximo Governo traga um equilíbrio económico e tente baixar o nível da inflação, porque nós, como estrangeiros, podemos ganhar dinheiro, mas vamos comprar as coisas e ficamos sem [dinheiro], já que estamos aqui sem família", diz a jovem congolesa que conseguiu uma bolsa para estudar na Universidade Federal do Paraná.

João Adriano: "Tenho que falar para os amigos brasileiros que vão votar: votem com  consciência"Foto: privat

Lula da Silva novamente no poder? 

O Brasil tenta regressar à rota de desenvolvimento, numa das eleições mais polarizadas da sua história: de um lado, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou de 2003 a 2011, lidera as intenções de voto e pode vencer já na primeira volta; do outro, o atual Presidente Jair Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), que procura a reeleição, mas está em segundo lugar nas pesquisas. 

Há mais nove candidatos na disputa, mas sem hipóteses de vencer, de acordo com as sondagens mais recentes. 

Em 2017, Lula da Silva foi condenado por corrupção na Operação Lava Jato, ficou preso durante 580 dias, mas foi libertado em novembro de 2019, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter anulado a condenação em segunda instância.

Os migrantes africanos no Brasil recordam as fortes relações que o candidato do PT construiu em África. O angolano Isidro Sanene diz que "quando o Presidente Lula chegou ao poder, foi um dos únicos Presidentes a trazer mais essa questão de África no âmbito da cultura e educação". 

"Temos a lei [aprovada no primeiro mandato de Lula, em 2003,] que obriga o ensino da história africana no Brasil", exemplifica o professor.

Lula, então Presidente do Brasil, recebeu em Brasília o seu homólogo angolano José Eduardo dos Santos (2010)Foto: AP

Para o moçambicano João Adriano, "o Brasil hoje tem conhecimento do continente africano [devido ao] Governo do Presidente Lula, porque ele fortaleceu o intercâmbio, principalmente académico e industrial".

"No Governo do Lula, a gente teve um acordo de exploração de minas. Em Moçambique não temos muitas pessoas formadas em mineração e o Brasil tem esse mercado desde tempos remotos. Então, foi um acordo de formação dos nossos [profissionais]", lembra-se o historiador.

Diálogo sobre as necessidades dos migrantes

Boas relações com África, mas também diálogo sobre as necessidades dos migrantes no Brasil. É o que espera do próximo Governo brasileiro a empreendedora social guineense Benazira Djoco, que chegou a São Paulo em 2003, quando tinha 16 anos.

"Tem de haver uma maneira de ter representantes migrantes compondo o novo plano diretor de quem ganhar a eleição. Eu não me sinto representada por um brasileiro escolhido para representar esta pauta migratória", afirma.

No Brasil, Benazira Djoco estudou Turismo e Teatro e frequenta o mestrado em Comunicação SocialFoto: privat

A guineense que trabalha com a causa migratória no Brasil lembra que pouco se ouve falar do assunto nos debates dos candidatos à Presidência da República. 

"Eles só nos conhecem quando há um acidente bárbaro"

Benazira recorda o assassinato de Moïse Kabagambe, um cidadão congolês morto brutalmente em janeiro deste ano na orla do Rio de Janeiro, cartão postal do Brasil. 

"Morreu o nosso irmão Moïse de uma maneira bárbara. Todo o mundo ficou comovido, até eles que estão se candidatando [à Presidência] se pronunciaram, mas chegou o momento de construir um plano diretor para o mandato e não colocaram essa questão. Como é que vão consciencializar a sociedade? E mesmo sabendo que há migrantes com título eleitoral, e no dia 2 vão exercer a sua cidadania, não há representatividade. Eles só nos conhecem quando há um acidente bárbaro", critica a empreendedora social guineense, que pede uma política mais ampla de acolhimento para os migrantes.

Manifestantes pediram justiça no Rio de Janeiro após o assassinado de Moïse Kabagambe Foto: Vivian Mannheimer/DW

"A cada dia que passa as dificuldades têm aumentado. O Brasil abre a porta para imigrantes e refugiados, que bom, mas não há um mecanismo para receber essas pessoas. E este é um dos problemas que nos traz essa questão da xenofobia, além do racismo estrutural que já está enraizado no sistema brasileiro", completa.

Um Governo que possa olhar para África

O moçambicano João Adriano Mucuapera João lança um apelo a favor da democracia. "Tenho que falar para os amigos brasileiros que vão votar: votem com  consciência, porque a pessoa que está no poder fala abertamente que pode não aceitar os resultados das eleições. E eu temo, sim, porque é um Governo que não dá abertura aos migrantes", diz o historiador, fazendo referência a Jair Bolsonaro.

O professor angolano Isidro Sanene diz que os migrantes africanos esperam um "Governo que possa olhar para África". 

"O Brasil encontra-se nesta desigualdade social justamente por causa da política da negação. Espero que o próximo Presidente não ignore essas pautas importantes do acolhimento [dos migrantes], do reconhecimento, para o brasileiro olhar no espelho e entender que este é o caminho", afirma Sanene.

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