Eleições no Senegal: Um teste decisivo para a democracia
Henry-Laur Allik
3 de agosto de 2022
Tanto o governo como a oposição no Senegal reivindicam a vitória nas eleições legislativas de domingo, numa altura em que atenções estão viradas para Macky Sall, que parece decidido a candidatar-se a um terceiro mandato.
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Embora os resultados preliminares oficiais sejam esperados até ao final da semana, líderes de vários partidos da oposição já afirmaram que derrotaram a coligação governamental na votação de domingo (31.07).
"Ganhámos e não aceitaremos que nos roubem a nossa vitória", disse Khalifa Sall da aliança Manko Taxawu Senegal, uma das oito formações na corrida.
No entanto, a coligação no poder Benno Bokk Yakaar poderá ter mantido a sua maioria, caso a comissão eleitoral confirme as alegações de que conseguiu obter 30 dos 46 assentos parlamentares.
Durante a campanha eleitoral, a coligação apelou principalmente ao voto dos eleitores mais conservadores nas zonas rurais.
Em contrapartida, os partidos da oposição direcionaram as suas campanhas para questões com maior ressonância nos centros urbanos, onde existe uma maior vontade de envolvimento em debates políticos.
Por exemplo, o debate em torno dos direitos LGBTQ, concebido pela oposição, que conquistou os ativistas, num país onde ser homossexual ainda é punível com uma pena que pode ir até aos cinco anos de prisão.
Ou a posição clara da oposição contra as tentativas do Presidente Macky Sall de concorrer a um terceiro mandato, embora a constituição estabeleça um limite de dois.
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A controversa candidatura de Macky Sall
Apoiantes do chefe de Estado argumentam que as alterações à Constituição feitas em 2016 - que reduziram os mandatos presidenciais de sete para cinco anos - redefiniram também o limite de mandatos, permitindo-lhe candidatar-se novamente em 2024.
Contudo, os críticos afirmam que isso não está previsto na lei magna senegalesa. Ousmane Sonko, líder da principal aliança da oposição, acredita que os resultados nas urnas obrigarão Macky Sall a cumprir uma promessa feita antes das eleições, de nomear um primeiro-ministro do partido vencedor, um cargo que aboliu.
"É por isso que consideramos que esta é a eleição mais importante, que nos permitiria avançar primeiro para uma governação concertada. O Presidente da República será obrigado a ouvir outros atores", uma vez que irão votar o orçamento, diz.
Mas o jornalista e analista senegalês Alassane Samba Diop esclarece que a Constituição não prevê um governo de coligação. "Mesmo que a oposição vença com maioria, o Presidente não é obrigado a nomear um primeiro-ministro adversário. O sistema de presidencialismo no Senegal significa que o Presidente pode até governar o país por decreto", explica.
Observadores acreditam que o Presidente - que afirmou que tomará uma decisão após as legislativas -, está prestes a concorrer novamente, o que só elevaria o clima de tensão no país.
Repressão em ascensão
A reputação do Senegal no Ocidente como democracia estável pode sair beliscada. A comissão eleitoral impediu muitos líderes líderes da oposição de se candidatarem.
Em março e junho, a polícia reprimiu manifestações anti-governamentais com "força excessiva", segundo denunciaram organizações de direitos humanos.
Ahmed Dieme, diretor da consultora Sahel Strategie Communication SASCOM, associa a alegada pretensão de Macky Sall a uma cultura democrática em rápida deterioração na África Ocidental, à medida que a ameaça do terrorismo jihadista aumenta.
"Com a incerteza sobre se as Constituições serão respeitadas, a África Ocidental está cada vez mais presa numa espécie de crise política. Esta é uma tendência crescente. Estamos também a entrar noutro contexto, em que há um retrocesso da democracia", afirma.
Em 2020, o Presidente da Costa do Marfim conseguiu um terceiro mandato apesar do limite constitucional de dois mandatos. Um ano mais tarde, um golpe militar na Guiné-Conacri destutuiu o Presidente Alpha Conde, que também se preparava para concorrer a um terceiro mandato. Nos últimos dois anos, os líderes políticos foram afastados do poder no Mali, Burkina Faso e Sudão.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.