Em entrevista à DW África, irmão de Afonso Dhlakama afirma que se deve separar as suas ações do nome do líder histórico da RENAMO e explica o que o levou a se retirar da lista de candidatos do partido.
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Elias Dhlakama disse, em entrevista à DW África, que não está a ser instrumentalizado pelo partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), e nem pelo Governo. Avança ainda que foi por decisão do seu partido, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), que chegou às Forças de Defesa e Segurança e, depois de completar os 38 anos de serviço ao Estado, decidiu por vontade própria ir para a reserva.
"Eu fui às Forças Armadas a mando da RENAMO. A RENAMO debateu 16 anos de guerra para estabelecer a democracia em Moçambique. O que significa a democracia? Significa o pensamento diferente, o direito de eu pensar da minha maneira e o senhor pensar da sua maneira, cada um pensa da sua maneira," avalia.
"Enquanto nós não aceitarmos a maneira diferente de pensar as coisas, não estaríamos a participar na democracia. Cada um está livre de pensar o que pensar, Tenho as minhas atividades que não têm nada a ver com espionagem dentro do partido," acrescenta.
Na Beira - a anteceder os trabalhos do congresso e durante as conferências provinciais que culminaram com a indicação de delegados provinciais, distritais e das cidades - viveu-se momentos de crispação entre membros e simpatizantes do mesmo partido com atos que até provocaram uma intervenção policial, precisamente para acalmar os ânimos.
Alguns delegados de Sofala, Manica e Tete foram afastados dos cargos. Na altura, alegaram tratar-se de uma perseguição protagonizada pelo líder do partido, Ossufo Momade, pelo facto de estes não terem apoiado a sua candidatura - mas sim a de Elias Dhlakama, que ocupou o segundo lugar na corrida à presidência da RENAMO.
Elias Dhlakama, que atualmente ocupa o cargo de membro do Conselho Nacional da RENAMO, desdramatiza a situação e deixa claro que ninguém deve ser crucificado por o ter apoiado quando foi candidato à presidência do partido.
"O Elias Dhlakama não pode ser visto apenas como o irmão do Afonso Machado Marceta Dhlakama. Ele era o meu colega de arma. Eu, aos meus 16 anos, incorporei-me na RENAMO, combati lado a lado com o presidente Afonso Dhlakama. Só que as pessoas confundem que o Elias Dhlakama, a intervenção que ele faz no partido, o faz em nome do seu irmão. Não, não, não. As pessoas devem separar as duas coisas diferentes," afirma.
Saída da lista da RENAMO
Na passada sexta-feira (28.06), no decorrer da conferência provincial para a eleição de cabeças-de-lista do partido com vista à eleição de governadores provinciais nas eleições de 15 de Outubro, Elias Dhlakama retirou o seu nome da lista de candidaturas, proposta que tinha sido apresentada pela RENAMO, mas sem o seu conhecimento.
A DW África perguntou Elias Dhlakama o porquê da sua recusa:
"Nunca quis, nunca me passou pela cabeça. Apenas houve proposta de quem é de direito, só que a proposta chegou tarde para mim. Já era muito tarde, não consegui ter comunicação com os votantes. Não tendo este tempo de me comunicar com este grupo, não achei conveniente me candidatar. Não tirei a minha candidatura, tirei o meu nome para que não conste na lista de candidaturas," explica.
RENAMO - Elias Dhlakama - MP3-Stereo
Liderança da RENAMO contestada
Entretanto, há algumas semanas, o descontentamento no seio da RENAMO alastrou-se à ala militar do partido. Alguns elementos contestaram, na serra da Gorongosa, a liderança de Ossufo Momade, ameaçando-o de morte caso não abandone o cargo até 15 do corrente mês.
No último sábado (29.06), um grupo de aproximadamente uma dezena de homens armados da RENAMO foi visto em Funhalouro, província de Inhambane no sul de Moçambique, também a contestar a atual liderança do partido.
A DW África tentou várias vezes contatar o porta-voz da RENAMO, José Manteigas, à busca de um posicionamento, mas sem sucesso.
Manteigas diz não estar disposto a comentar o caso porque já o fez em outras ocasiões.
"Sobre esse assunto, não temos comentários. Sobre esses casos, já nos pronunciamos. Eu pessoalmente já fiz conferência de imprensa", argumenta.
No entanto, sabe-se que Elias Dhlakama grangea alguma simpatia no seio dos elementos armados da RENAMO e, talvez por isso, nos últimos meses tem vindo a efetuar digressões pelas províncias para manter encontros com a ala militar e política da RENAMO.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.