Cabo-verdianos criticam recusas de vistos por Portugal
13 de abril de 2019Ainda existem dificuldades e obstáculos na obtenção de vistos por parte dos cidadãos cabo-verdianos que queiram viajar para a Europa, através de Portugal. De acordo com os relatos, há filas na Embaixada de Portugal na Cidade da Praia, de pessoas que são obrigadas a acordar bem cedo, pela madrugada, para ir marcar lugar à porta da referida instituição.
Recentemente, as organizações representativas dos empresários em Cabo Verde pediram uma espécie de boicote ao relacionamento com Portugal face à recusa sucessiva de vistos no Centro Comum de Vistos.
Cidadãos cabo-verdianos em Portugal, ouvidos pela DW-África, criticam os problemas que têm estado a perturbar o fluxo migratório a partir de Cabo Verde. Portugal e Cabo Verde mantêm boas relações de amizade, históricas e políticas e por isso é preciso "fazer algo urgente" para alterar os atuais critérios de atribuição de vistos a cidadãos cabo-verdianos. O repto é lançado por Felismina Mendes, presidente da Associação Cabo-Verdiana de Setúbal.
"Nós temos tido casos muito complicados a nível, por exemplo, de representações desportivas que ficam retidas na [Cidade da] Praia por não conseguirem o visto atempadamente," aponta.
A dirigente associativa apela a uma "grande vontade política" para que se possa alterar a forma de trabalhar do Centro Comum de Vistos da Praia. "Não se pode admitir que, em pleno século XXI, os cidadãos que queiram viajar estejam sujeitos à situação que se conhece relativamente à atuação daquele centro," lamenta, acrescentando que "há gente que quer vir de férias, por exemplo, e, mesmo com condições, não consegue um visto," em Cabo Verde.
A também presidente da Federação das Organizações Cabo-Verdianas em Portugal defende que é necessário mudar a imagem negativa que tem o Centro Comum de Vistos. Ela é a favor da reciprocidade tendo em consideração que os europeus estão isentos de vistos quando entram em Cabo Verde.
Miguel Fortes, da Associação Cabo-Verdiana do Seixal, fala das assimetrias existentes no domínio da migração. Também considera que, uma vez que entrou em vigor a lei de isenção de vistos dos europeus para Cabo Verde, seria muito benéfico facilitar a mobilidade dos cidadãos cabo-verdianos para a Europa, através de Portugal, como o primeiro país de emigração cabo-verdiana.
Fortes acredita que os dois países saberão ultrapassar os obstáculos e ponderar a regulamentação neste domínio que facilite a vida das famílias cabo-verdianas. Deste modo, acrescenta, se evitará que "as pessoas tenham que recorrer a vários meios fraudulentos para atingir os seus fins".
Silvestre de Jesus, na qualidade de consultor, quer ver melhoradas as relações luso-cabo-verdianas também neste domínio "de modo a se atingir a excelência". Não concorda com as restrições que os cabo-verdianos encontram em Cabo Verde. "Acho que não devia haver tais dificuldades. Devia haver um fluxo livre das pessoas de um território para o outro," sublinha o consultor que propõe a anulação dos vistos para os cabo-verdianos. "Portugal tem, junto dos seus parceiros signatários de Schengen, de encontrar uma solução para isso," adianta. "É um esforço que compete a Portugal fazer," frisa.
Novos acordos bilaterais
Estes cidadãos cabo-verdianos falaram à DW-África à margem da V Cimeira Portugal-Cabo Verde, que decorreu na capital portuguesa nos dias 12 e 13 deste mês. Felismina Mendes aplaude a realização desta cimeira e o reforço da cooperação entre os dois países, embora questione o que isso traduz na prática em termos de resultados. "Sabemos que existem acordos e protocolos, mas o cidadão comum, por vezes, não toma conhecimento do que na prática isso traduz para o seu benefício," afirma.
No final da cimeira, este sábado (13.04), foram assinados dez acordos bilaterais, que abarcam vários setores, da justiça à educação e turismo, assim como a área da migração. O instrumento tem por objeto o desenvolvimento e concretização de iniciativas visando a implementação de um Serviço Público para as Migrações e o reforço das capacidades técnicas neste domínio. Ambos os países também vão agilizar canais legais e organizados para o incremento da migração laboral, de modo a que os cidadãos dos dois países possam circular com segurança no mercado de trabalho.
Problemas minimizados
Questionado pelos jornalistas, em conferência de imprensa, sobre a posição das organizações empresariais cabo-verdianas em relação às dificuldades na obtenção de visto, o primeiro-ministro português, António Costa, foi evasivo. Para o chefe do Executivo português, desde a última cimeira até ao presente momento "grande parte dos problemas que existiam em matéria de mobilidade foram ultrapassados".
O seu homólogo cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, sustenta que "não se deve generalizar as situações". O chefe do Executivo diz que tem havido mecanismos de facilitação aos empresários cabo-verdianos, mas lembra que o Centro Comum de Vistos não é uma estrutura do Governo português, mas sim que representa os Estados-membros da União Europeia, dotados das respetivas regras. "Aquilo que nós aconselhamos é ponderação e apreciação em sede própria quando eventualmente existam problemas," aconselha.
Dívida em negociação
Os instrumentos de cooperação assinados pelas duas partes correspondem ao lema desta cimeira, que se realizou virada para a "parceria estratégica por um desenvolvimento inclusivo". Nesta sexta-feira (12.04), no primeiro dia da cimeira, Ulisses Correia e Silva deu a conhecer o interesse do seu executivo em obter de Portugal o perdão parcial ou reescalonamento da dívida de Cabo Verde, contraída para a construção de habitação social. O total do crédito é de 159 milhões de euros, mas a parte destinada às habitações de componente social é de cerca de 70 milhões de euros. O assunto foi abordado no encontro entre os dois chefes de governo, tendo Ulisses Correia e Silva revelado aos jornalistas que o crédito só começa a vencer em 2021.
A cimeira também tratou de matérias relevantes, nomeadamente a parceria de Cabo Verde com a União Europeia, as relações Europa-África, a segurança marítima no Golfo da Guiné e questões inerentes à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), atualmente sob a presidência cabo-verdiana.