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Em memória de Carlos Cardoso

21 de novembro de 2011

A 22 de novembro de 2000, Carlos Cardoso foi abatido a tiro numa rua de Maputo. O jornalismo moçambicano perdeu uma figura única, um homem comprometido com a justiça e a verdade. Morreu o homem, o legado vive.

Capa do livro "É Proibido Por Algemas Nas Palavras" sobre Carlos Cardoso
Capa do livro "É Proibido Pôr Algemas Nas Palavras" sobre Carlos CardosoFoto: Caminho

Mia Couto escreveu que “a morte só existe quando há ausência”. Para alguns como Carlos Cardoso não há ausência, mas permanência. A coragem não tem prazo de validade. Já em vida o jornalista militante, o ativista político, o defensor dos direitos humanos e da liberdade de imprensa era um mito. Alguém admirado e incómodo.

Pouco passava das 18h30, de 22 de novembro de 2000. A noite caía e o trânsito fervilhava nas ruas de Maputo. Carlos Cardoso tinha acabado a edição diária de o Metical e enviado a mesma por fax aos assinantes – sobretudo homens de negócios, diplomatas e pessoas ligadas ao governo. Em seguida entrou no seu carro com o motorista. Dirigia-se para casa porque queria ver um jogo de futebol na televisão.
Dois carros bloquearam o seu e dois homens armados com AK 47 fuzilaram o jornalista, matando-o e ferindo com gravidade o motorista.

O seu assassinato foi um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Carlos Cardoso investigava na altura um esquema de lavagem de dinheiro no valor de 14 milhões de dólares relacionado com a privatização do Banco Comercial de Moçambique. Esquema que implicava os irmãos Satar (homens de negócios moçambicanos) e Vincente Ramaya, um funcionário do BCM.

Placa evocativa da morte de Carlos CardosoFoto: DW/Helena de Gouveia

Os alegados assassinos foram presos cerca de cinco meses depois. E em 2003 seis pessoas foram condenadas a penas superiores a vinte anos de prisão.

A investigação e o julgamento do “caso Carlos Cardoso” ficaram marcado por episódios rocambolescos – como a tripla fuga de “Anibalzinho” , o líder do grupo de três assassinos que mataram o jornalista – pela morte em circunstâncias pouco claras de testemunhas e por inúmeras falhas, manipulações e anomalias processuais .

Um homem direto ao assunto

Filho de pais portugueses Carlos Cardoso, nasceu em 1951 na Beira. Em 1976 entraria para o jornal o Tempo, um jornal estatal, onde seu jornalismo direto incomodava a FRELIMO. O que não impediu no entanto que Carlos Cardoso se tornasse amigo de funcionários superiores do partido e do próprio presidente Samora Machel.

Fundaria o Mediafax em 1992, que se tornou nas palavras de um artigo publicado na altura pelo New York Times, na “vanguarda da imprensa livre em África”. Em maio de 1993 lançaria um novo semanário o Savana.

Cinco anos mais tarde abandona o Mediafax e cria uma publicação rival o Metical.

Além de jornalista Carlos Cardoso foi também artista plástico, poeta e actor de peças radiofónicas.

O escritor Mia Couto lembrou que “Cardoso era um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciênciaFoto: Ismael Miquidade

Na mensagem fúnebre, em novembro de 2000, o escritor Mia Couto lembrou que “Cardoso era um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. (…) O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pela selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie.”

Ouça a entrevista com Paul Fauvet, ex-colega de Carlos Cardoso e co-autor de uma obra sobre a vida do jornalista.

Autor: Helena Ferro de Gouveia
Edição: António Rocha