No Mali as pessoas estão habituadas à ineficácia do Estado. Mas o que fazer quando a administração não faz nada? Os malianos não resignam e arranjam forma - mesmo que pouco convencional - de solucionar os seus problemas.
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Um posto de saúde no ocidente do país, uma zona de extrema pobreza, é um exemplo que demonstra como os malianos recorrem à autoajuda para enfrentar as dificuldades do dia a dia.
No dia em que chegamos à remota aldeia de Bandiougoula, o mais velho Salomou Traoré corta a fita de inauguração e pede aos convidados de honra e à população que entre na sala de parto novinha em folha do posto de saúde. Há uma cama, uma cadeira ginecológica e um páravento móvel. Uma enfermeira explica a quem quer saber por que esta sala de parto é tão importante para um lugar como Bandiougoula.
No Mali ainda morrem muitas mulheres durante o parto, sobretudo nas regiões rurais, onde o acesso a cuidados médicos é inexistente. Por isso era tão importante para os habitantes da aldeia terem um posto de saúde. E o facto do modesto posto ter agora uma sala de parto é motivo para celebrações.
Abençoados emigrantes
Emigrantes financiam serviços públicos no Mali
O imã abençoa a nova aquisição. Há danças e cantares e discursos durante quase duas horas. E todos são unânimes em tecer louvores aos emigrantes: os numerosos homens e algumas mulheres que partiram de Bandiougoula, sobretudo para a França, para ganhar a vida. São eles que enviam dinheiro, não para a família, mas para apoiar projetos que beneficiem toda a comunidade.
Salomou Traoré diz que o posto de saúde, a nova sala de parto, a torre de água e duas escolas não foram financiados com impostos, mas com as remessas dos emigrantes: "Fomos nós que fizemos tudo o que existe na nossa aldeia. O Estado maliano não fez nada".
Qualidade de vida
Bandiougoula não tem eletricidade nem água corrente. Mas pelo menos tem agora duas escolas, uma torre de água e um posto de saúde. O que é muito mais do que existe noutras aldeias. Quem adoecer ou se magoar no trabalho pode recorrer a um médico ou a uma das duas enfermeiras no posto de saúde. As parturientes não precisam ser transportadas de carro e aos solavancos por uma pista de areia os 15 quilómetros que separam a aldeia da cidade de Yelimané.
Agora as crianças nascem em Bandiougoula onde podem ser vacinadas e ter cuidados médicos regulares. Para os habitantes desta aldeia, isso significa uma melhoria significativa da qualidade de vida, que ficaram a dever apenas ao próprio esforço.
Conservar os manuscritos de Tombuctu
A invasão islamita no norte do Mali pôs em risco de destruição milhares de documentos históricos. Estes foram salvos por Abdel Kader Haidara, feito pelo qual a Alemanha lhe outorgou o Prémio de África na edição de 2014.
Foto: DW/P. Breu
Tesouros históricos
Os manuscritos de Tombuctu são documentos históricos sem preço, que relatam a busca pelo conhecimento no mundo islâmico há muitos séculos. Tombuctu foi, em tempos, o centro islâmico da pesquisa e erudição em África.
Foto: DW/P. Breu
Contrabandeados em caixas de chumbo
Quando os islamitas começaram a destruir monumentos no norte do Mali em 2012, um grupo de cidadãos consternados transportou clandestinamente centenas de milhares de manuscritos de Tombuctu para a capital maliana, Bamako, no sul do país. Aqui foram depositados num edifício de residências, para aguardar a restauração e digitalização.
Foto: DW/P. Breu
O salvador dos manuscritos
Abdel Kader Haidara organizou a operação de resgate. O proprietário de uma biblioteca não só se preocupou em salvar os seus próprios manuscritos, mas também todos os documentos históricos de Tombuctu em risco de destruição.
Foto: DW/P. Breu
Nasce uma biblioteca digital
Os manuscritos estão agora a ser digitalizados na biblioteca de Bamako. Cada página é fotografada individualmente. A imagem é controlada e depois catalogada num arquivo central. O gigante da internet, Google, já manifestou interesse na coleção.
Foto: DW/P. Breu
Acesso geral aos manuscritos
A digitalização tem dois objetivos: preservar os manuscritos para a posteridade, caso os originais não resistam à humidade e ao calor de Bamako. E garantir o acesso a todos os interessados. Antes do conflito armado no norte e do resgate dos documentos não existia qualquer plano para os digitalizar.
Foto: DW/P. Breu
Caixas feitas à medida
Depois de serem digitalizados, os manuscritos são colocados em caixas de cartão isentas de ácidos. Aqui podem ser guardados para a posteridade. Uma vez que os manuscritos não têm todos o mesmo tamanho, as caixas tiveram que ser produzidas em trabalho manual.
Foto: DW/P. Breu
Uma biblioteca vazia
Na Biblioteca Comemorativa de Mamma Haidara, em Tombuctu, não há um único livro. E não é certo que a biblioteca volte a albergar documentos históricos no futuro. Muitos responsáveis acreditam que os documentos estão a salvo em Bamako. Mas também há quem receie pela identidade histórico-cultural de Tombuctu, caso os manuscritos não regressem a casa.
Foto: DW/P. Breu
Biblioteca em ruínas
O Instituto Ahmed Baba Institute foi criado com capitais da Fundação Aga Khan, África do Sul e Arábia Saudita. Para além de albergar a biblioteca, também tinha equipamento para a digitalização e restauração. Hoje, o instituto está vazio e dilapidado.
Foto: DW/P. Breu
Monumento aos manuscritos perdidos
Quando chegaram a Tombuctu, os islamitas deitaram fogo a muitos manuscritos no pátio do Instituto Ahmed Baba. Pretendiam assim demonstrar o seu poder ao ocidente e à UNESCO. Cerca de 4000 manuscritos foram destruídos. Os restos queimados servem hoje de memorial ao património perdido.
Foto: DW/P. Breu
Tombuctu vai cair na insignificância?
Quando Tombuctu perdeu a sua importância económica no século XX, descobriu o turismo como fonte de receitas alternativa. Mas o conflito de 2012 espantou os turistas, pelo que Tombuctu corre agora o perigo de perder também a sua relevância cultural, tanto mais que já não tem os manuscritos. E ninguém sabe se eles vão regressar.
Foto: DW/P. Breu
Sobram alguns manuscritos
Ainda existem algumas bibliotecas privadas. Mas em Timbuktu já é considerada uma biblioteca uma dúzia de páginas que cabem numa pele de carneiro. Este habitante de Timbuktu herdou alguns manuscritos do seu avô. É o que possui de mais valioso.
Foto: DW/P. Breu
Um futuro incerto
A situação política no Mali é tensa, e o exército maliano é demasiado fraco para garantir a estabilidade e segurança. Muitos habitantes de Tombuctu que fugiram da cidade optaram por não regressar. Eles não confiam na paz precária e a sua cidade enfrenta um futuro incerto.